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segunda-feira, 5 de setembro de 2022

A FEITICEIRA DO ARCO E O ASSASSINATO DO MESTRE MAÇOM

Cloves Gregorio
Essa semana em nossa coluna “Contos e Causos” começamos um conto de ficção que explora uma das lendas mais macabras do Rio de Janeiro, e será apresentado semanalmente até a parte final. Conhecida por rapto e assassinato de crianças para fins de feitiçaria e rituais de magia negra, Barbara dos Prazeres foi uma figura sinistra que teve destaque nos inquéritos policiais no começo do século XIX. Utilizando esse cenário, escrevi uma trama de narrativa rápida envolvendo a tal bruxa do Arco do Teles e personagens ligados a maçonaria. Espero que gostem!

Em uma bela noite de lua cheia, na praça XV o grande globo prateado banhava as águas da baía e iluminava de forma singular o chafariz do mestre Valentim. Próximo dali, em um sobrado mal iluminado na rua do Ouvidor, mais uma sessão maçônica estava prestes a começar. Ao que parecia o poste de querosene tinha sido apagado de propósito e bem em frente a ele estava a entrada para o edifício.

O ano de 1818 não estava fácil para qualquer sociedade restrita, principalmente a Maçonaria. Nesse ínterim Paulo Fernandes Viana, intendente geral da Polícia era um caçador implacável das sociedades secretas, por isso as reuniões das poucas lojas que resistiram a essa pressão, tinham que ser volantes, fazendo com que os maçons procurassem lugares cada vez menos frequentados, de sarjetas a sobre lojas seguras do governo. Por isso os irmãos maçons deram algum punhado de moedas para um velho conhecido das ruas carioca, de Fraque Verde e chapéu militar de plumas, um louco chamado Barão de Schindler foi pago para sentar-se a soleira da porta, de forma a pedir dinheiro ou importunar a qualquer pessoa que passasse próximo a entrada.

A Loja Maçônica Distintiva Fluminense estava prestes a se reunir para a concessão do Grau de Companheiro a alguns irmãos. O Venerável Mestre João Matias estava exasperado procurando uma pequena espada cerimonial que usava para sagrar os irmãos e causava um farfalhar geral no recinto, quando alguém lembrou que estava com Miguel Antônio, o mestre passado da Loja.

Jean Fenrir, o Mestre de Cerimônias era detetive da polícia e agia como um agente duplo, não por maldade, afinal trabalhava com afinco na resolução dos casos de todo tipo de crime, mas usava de sua posição oficial para rastrear as batidas da polícia e assim conseguir proteger seus irmãos de qualquer perseguição por parte das autoridades. Por isso era sempre zeloso e contava um a um a chegada dos irmãos. Nesse dia seu radar que quase nunca falhava o alertava para algo estranho, os minutos passavam e a Loja ainda não estava completa. Não muito diferente de hoje, alguns irmãos tinham indisposições ou outros afazeres, então acabavam por faltar a sessão Maçônica, mas não seu padrinho Miguel Antônio. Este nunca faltava, nem mesmo quando o Rio de Janeiro estava afundado em água depois de fortes chuvas. Uma aflição embrulhava seu estômago e sentia compressões no peito.

Na época a roupa na maçonaria não era regulada, sendo apenas obrigatório o avental, então os Irmãos estavam geralmente de casaca ou fraques escuros, camisas claras e calças pretas. Jean, no alto de seus 32 anos, magro e esguio, media mais de 1,80 metros, cabelos pretos e curtos, bigode elegante, rosto queimado de sol. Estava vestido de calça de sarja preta, camisa branca com punhos babados, casaca vermelha, seu avental branco orlado de azul celeste. Por conta de seu ofício ainda trazia pendente em sua cintura um coldre misto com bainha, que portava sua Light Dragoon, uma pistola leve utilizada pela coroa portuguesa e uma espada leve e elegante, com proteção de punho e na lâmina vinha gravado “Viva a D. Maria Rainha”. O jovem oficial da polícia baforava seu cachimbo freneticamente quando o Venerável Mestre lhe pediu que organizasse os oficiais para o início da sessão, então bateu a fornilha do cachimbo na palma da mão, retirando assim o fumo que faltava ser tragado e foi executar as ordens de João Matias.

Detalhe da Lâmina da Coroa Portuguesa
 
A sessão iniciou e pouco mais de meia horas depois ouviu-se um grito desesperado na rua. “Não há salvação para o filho da viúva?”, seguido de um urro de dor. Os irmãos dentro do recinto se entre olharam com espanto aterrorizante. Jean Fenrir imediatamente largou o bastão que estava munido, pediu que o Cobridor da Loja abrisse a porta e desceu as escadas sacando a sua pistola. Os maçons sabiam que a frase proferida na rua não era comum, e sim um pedido de socorro de um irmão em apuros. 

O Arco do Teles nessa época era conhecido
por ser um antro de prostituição e criminalidade

Ao atravessar a soleira, Jean encontrou a rua afundada nas trevas que fora provocada por eles mesmo horas antes. A esquerda, virando a esquina o Barão de Schindler corria com as canelas batendo na bunda gritando insanidades, ao final da rua, um corpo no chão e uma figura sinistra oculta nas sombras se esgueirava com velocidade em sentido ao Arco do Teles. O Mestre de Cerimônias da Loja correu em direção ao corpo caído dando ordens para que a figura sombria parasse, ainda correndo disparou em vão.

Chegando perto do corpo que estava de bruços, percebeu uma adaga enfiada nas costas do sujeito. Provavelmente tinha perfurado o pulmão da vítima. Jean virou delicadamente o corpo e o colocou de lado. A hemorragia já dava sinais nas vias aéreas e ao ver o rosto corado, de cabelos e bigodes brancos e espessos, ficou chocado ao reconhecer seu padrinho.

– Jean – disse o homem ofegante com sangue escorrendo pela boca, mas com dificuldade continuou – a fera, cidade nova.

O homem não suportou o ferimento e sua vida se esvaiu. Jean estava chocado, e tentou se concentrar no que fazer. Em um lapso de segundo pensou em correr atrás da criatura, mas nesse momento seria em vão. Ouviu o apito da polícia e quase ficou confortável, se não tivesse lembrado da perseguição aos maçons, para completar, a adaga cujo seu padrinho foi assassinado era a da Maçonaria que Miguel Antônio levava à Loja. Sem pensar retirou a lâmina do corpo lacerado e correu de encontro aos irmãos que já vinham em sua direção. Apenas com sinais deu ordens que voltassem para dentro do edifício e lá foi se encontrar com eles.

Continua…

Cloves Gregorio, 33 anos, casado com a senhora Gislene Augusta, Pai do Menino Átila, Assistente Jurídico com diversos cursos na área, cursando Licenciatura em História, Venerável Mestre da ARLS UNIÃO BARÃO DO PILAR Nº21 Jurisdicionada ao GORJ, Filiada a COMAB. Na Obediência já exerceu os cargos de Grande Secretário Adjunto de Cultura e Ritualística e Grande Secretário Adjunto de Comunicação e Informática.

Fonte: http://www.maconariatupiniquim.com.br

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