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quarta-feira, 28 de junho de 2017

O AGNOSTICISMO E O RITO MODERNO

AGNOSTICISMO E O RITO MODERNO
Irmão André Otávio Assis Muniz
BCARLS XIV de Julho do Rito Moderno
São Paulo - SP

Temos plena consciência de que a trajetória histórica do Rito Moderno não foi linear, mas através de rupturas a partir da grande transformação ocorrida em 1877 que eliminou dos rituais a obrigatoriedade da forma invocativa do Grande Arquiteto do Universo e a Bíblia.

Entre as discussões de 1876 e a votação das reformas de 1877, a maçonaria francesa chegou a algumas conclusões, fruto de um processo de evolução racional no sentido de não admitir sectarismo religioso.

Assim entenderam os constituintes:

“A Franco-Maçonaria não é deísta, nem atéia nem mesmo positivista. Enquanto Instituição afirmando e praticando a solidariedade humana ela é estranha a todo dogma e a todo credo religioso qualquer que ele seja. Ela tem por princípio único o respeito absoluto à liberdade de consciência. Não pretendemos negar ou afirmar qualquer dogma, a fim de permanecermos fiéis ao nosso princípio e a nossa prática de solidariedade humana. Deixemos aos teólogos a tarefa de discutir os dogmas. Mas que a Maçonaria fique como ela deve ser, quer dizer uma Instituição aberta a todos os progressos, a todas as idéias morais elevadas a todas as grandes aspirações grandiosas e liberais. A Assembléia considerando que a Franco-Maçonaria não é uma religião; que ela não pode consequentemente afirmar na sua constituição doutrinas ou dogmas, adota o voto nº IX”. (Assembléia Geral de 1877 que aprovou as supressões).

O texto é bastante claro no sentido de afastar da maçonaria qualquer tendência religiosa ou dogmática. Ela se oferece “a todos os progressos, a todas as idéias morais elevadas a todas as grandes aspirações grandiosas e liberais”, ao mesmo tempo que remete a discussão dos dogmas aos teólogos sem, contudo, impedir a livre consciência daqueles que crêem. Esta disposição da maçonaria francesa seria uma forma de agnosticismo?

Francis Bacon já distinguia no século XVII três tipos de filósofos: os que pensam que conhecem a verdade, ou dogmáticos presunçosos; os que acreditam que nada pode ser conhecido, ou céticos desesperados; e os que continuam a fazer perguntas a fim de obter um conhecimento imperfeito ou inquisidores persistentes [1].

A expressão “agnosticismo” é contemporânea da reforma na maçonaria francesa. É difícil acreditar que inexistisse tal palavra antes da Segunda metade do século XIX, mas a evidência se encontra durante as reuniões preparatórias na Sociedade Metafísica, organizada em 1869 por James Knowles, editor e empresário de vanguarda, com o apoio de Tennyson, festejado intelectual [2].

Numa das reuniões desta sociedade, Thomas Henry Huxley, jovem biólogo e grande defensor da teoria da evolução das espécies de Darwin, instado a esclarecer a sua sede filosófica, declarou:

"Quando cheguei à maturidade intelectual, e comecei a perguntar-me se era ateu, teísta ou panteísta, materialista ou idealista, cristão ou livre-pen­sador, percebi que quanto mais aprendia e refletia menos fácil era a respos­ta, até que por fim cheguei à conclusão de que nada tinha a ver com nenhuma dessas definições, com exceção da última. A única coisa em que todas essas excelentes pessoas estavam de acordo era a única coisa em que eu discordava delas. Estavam bastante seguras de que tinham atingido uma certa "gnose" - haviam, com maior ou menor sucesso, resolvido o problema da existência, enquanto eu estava bastante seguro do contrário, e possuía uma convicção razoavelmente forte de que o problema era insolúvel. E, com Hume e Kant a meu lado, não podia considerar-me presun­çoso por aferrar-me a essa opinião. Portanto, meditei e inventei o que me parece ser um rótulo adequado: “agnóstico”. Pensei nele como uma antítese sugestiva dos “gnósticos” da história da Igreja, que professavam conhecer coisas em que eu era ignorante, e utilizei a primeira oportunidade de apresentá-la à nossa sociedade (...) Para minha grande satisfação, o termo pegou."  [Vida e cartas, l, 343 e 343-4] [3]

Até esse momento o mais próximo do termo “agnóstico” era o de livre pensador, mas aquele que tinha dificuldade em crer era considerado um cético ou pirronista, algo bem diferente da dúvida exposta por Huxley. O significado, portanto, do “agnóstico” para o biólogo deve ser entendido como uma contraposição para com aqueles que adotam doutrinas segundo as quais é possível saber mais coisas do que nos permite a ciência [4]. Seis anos mais tarde será a vez de Darwin, em sua Autobiografia, declarar-se agnóstico:

“O mistério de todas as coisas é insolúvel para nós; quanto a mim, contento-me em  permanecer agnóstico” [5]

Até aqui tratamos da origem da palavra agnóstico no mundo ocidental. Vimos que a expressão é contemporânea da reforma de 1877, promovida pelo Grande Oriente da França. Ocorre que o sentido empregado pela maçonaria francesa foi de muito maior amplitude do que se possa imaginar. Ela deu consistência teórica ao termo criado por Huxley. Assim, não pretendeu afirmar que não há de haver um Deus, mas que não se sabe se Ele existe ou não. A oposição era contra aqueles que tinham a pretensão não apenas de conhecer o incogniscível, mas impor esta vaidade exagerada ao livre pensador.

O Rito Moderno não pergunta ao candidato à Iniciação se ele é ateu, teísta ou se acredita em um Ser Supremo. Seu compromisso, a partir da reforma, é com o agnosticismo e não tem porque negar esta condição racionalista. O racionalismo é a característica do pensamento de Rousseau, cujo Contrato Social procura fundar a Sociedade e o Estado em bases puramente racionais.

O racionalismo do Rito Moderno corresponde à exigência fundamental da filosofia e da ciência, pois tanto uma quanto outra são discursos lógicos, racionais, que pretendem o desenvolvimento humano na direção do possível, em cada intervalo do tempo histórico.

A idéia do conhecimento absoluto está travada pela impossibilidade humana de perceber o incogniscível, na medida em que ele  se mostra instável frente à dinâmica humana. O conhecimento dialético cria constantemente novas contradições que trazem a reboque novos questionamentos. Dentro destes limites não há como impor racionalmente uma teleologia, pois apenas através de um dogma sustentado pela fé e pela revelação, privilégio daqueles que crêem, será possível chegar à verdade final. A opção está em crer ou permanecer na expectativa. A escolha é sua.

[1] Cif. Roger Shattuck. Conhecimento Proibido, pp. 46/47. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
[2] Idem, p. 49.
[3] Retirado de Roger Shattuch, op. cit., p. 50.
[4] Cif. José Ferrater Mora. Diccionario De Filosofia, t. 1, p. 67. Madrid: Alianza Editorial, 1984.
[5] Retirado de Roger Shattuch, op. cit., p. 51.

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