Páginas

PERGUNTAS & RESPOSTAS

O “Perguntas & Respostas” que durante anos foi publicado no JB News e aqui reproduzido, está agora no “Blog do Pedro Juk” . Para visita-lo ou tirar suas dúvidas clique http://pedro-juk.webnode.com/ ou http://pedro-juk.blogspot.com.br

sábado, 10 de junho de 2023

COWANS: OS PEDREIROS SEM A PALAVRA - CAPÍTULO FINAL

Os Cowans no ritual maçônico francês

Em geral, os rituais franceses geralmente não ecoam o tema dos cowans, pelo menos sob esse termo anglo-saxão definido, embora seja verdade que ele foi traduzido ou recriado, geralmente sob outros significados, como intruso, ou como espião ou simplesmente como profano.

Diante dessa situação paradigmática, o professor D. Stevenson vem ao nosso apoio, quando nos diz que toda essa trajetória pelas terras francesas é quando se nota que tal palavra desapareceu dos rituais atuais e “provavelmente porque houve poucos historiadores da maçonaria que examinaram a questão, bem como as áreas que ela cobre, e até os próprios maçons não sabem muito bem o que essa expressão significa[1], além das expressões canônicas em uso e encontradas em alguns tratados e em muitas páginas da web nas quais são repetidas como papagaios.

Localizados nos primeiros textos pré-rituais originários das heranças dos Modernos, e gerado em solo francês, como foi o ritual Luquet de 1745. Isso nos diz que o Guarda do Templo (Tuileur) tem o senso e o dever de afastar os profanos:

P. Pourquoi vous armez-vous de glaive in vos L. ? (Por que estais armado com uma espada dentro da loja?).

R. C’est pour écarter les profs. (Para afastar os profanos).

Neste momento, não estamos mais diante de traduções, mas pelo contrário, diante de produções rituais típicas da prática maçônica francesa, que em sua fraseologia nos lembram vagamente o tema dos famosos cowans anglo-saxões, neste caso quem intervém é o Tuileur (Telhador) do Luquet, tratando de afastar os profanos, que parece dirigir-se a eles como os chamados cowans, que estariam interessados em obter esse acesso sem saber muito bem para quê e, por outro lado, não parece fazer muito sentido afastar aqueles que poderiam ser candidatos adequados para fazer parte da fraternidade maçônica.

É claro que, no subconsciente coletivo, atua sob pressão da constante presença de bisbilhoteiros no entorno das lojas para poder dar prazer ao público que exigia esse tipo de material, conforme mostra a extensa lista de divulgações e exposições que foram publicadas ao longo do século XVIII, tanto na Inglaterra quanto na França.

A exposér que vaza alguns anos após o Luquet, sob o título: Antimaçons (1748), comunica existência de pessoas indiscretas e dedicadas à espionagem, e serem malignas em suas pretensões.

“On peut s’en rapporter aux sots pour remarquer tout ils n’ont que cela à faire. Ils sont espions par malignité, & indiscrets par besoin de conversation.”

Nesse sentido, estamos diante de uma definição mais exata da situação pela qual passava a Maçonaria, pois estarem todos os seus rituais sendo vazados para a opinião pública, evidentemente com a intenção de desacreditar, e cuja forma de obtenção como foi vista no Prichard de 1730 através de espionagem, daí a essencialidade do Guardião do Templo externo.

A Condenação do Régulateur sobre artesãos e Companheiros

Mas enquanto todas as exposições francesas vão se mover nesse mantra da bisbilhotice e a intrusão, será um ritual do final do século como o Régulateur du Maçon, que vai além ao definir uma diretriz muito alinhada com o associativismo terminológico que venho comentando, já que no ritual do grau de Aprendiz, ao detalhar as condições para admissão, ele explica:

“Raramente se admitirá um artesão, mesmo que ele seja um Mestre, especialmente em lugares onde as corporações e comunidades não estejam estabelecidas.”

Procurando explicações para esta citação, que não é mais sobre os cowans operativos sobre os quais foi insuflada uma certa penalidade em forma de maldição, mas que transfere essa pressão para o setor artesanal francês, realizando uma transmutação que havia sido realizada antes sobre os artesãos canteiros sem a palavra, ou seja, os cowans, embora obviamente a história dos dois grupos de cantaria, tanto ingleses quanto franceses sejam radicalmente diferentes.

Para entender em parte a razão dessas omissões no tratamento e estudo sobre os cowans e as condenações sobre os Companheiros nos rituais, nos voltamos para a figura de Pierre Nöel, que nos explica por que significados, autores como Guenón[2], Dat ou Guyot não expuseram a existência dessas incongruências, e a explicação vem do fato de que parte desses estudiosos nunca leram os rituais operativos da Worshipful Society e autores do outro lado do canal como Bothwell-Gose ou Debenham, pelo contrário, nunca leram o Régulateur du Maçon.

E, portanto, a questão da rejeição pode ser observada no que é exposto pelo ritual Luquet, que é, por sua vez, uma espécie de enxerto operativo de origem inglesa na ritualidade francesa; é evidente que nesta história não brilham muito os cowans que, geralmente, são semienterrados sob outros nomes, como se pode observar nas exposérs francesas, exatamente até que o Regulateur, de uma maneira muito discriminatória, volta a colocar no tapete as velhas essências inglesas de rejeição a alguns setores operativos do início do século XVIII.

Não deixa de parecer estranho que o “esquecimento” por parte dos historiadores e estudiosos franceses sempre tenha sido muito exigente e mais sobre o fato de que essa curiosa dissolução terminológica do cowan tenha ocorrido com base em várias traduções pelas quais outros termos mais tradicionais, ligados ao determinismo hexagonal foram incorporados, cujas adaptações surgiram com base em situações e realidades muito diferentes, que viriam a criar fortes distorções semânticas e de interpretação histórica.

Em 1801, quando o Régulateur du Maçon é publicado na França pela mão do Grande Oriente da França, que codifica a prática dos Modernos, mostra uma frase que vem complementar aquela já anteriormente exposta à forte rejeição dos artesãos, a frase termina com esta determinação:

“Jamais se admitirão os trabalhadores chamados Companheiros (Compagnons) nas artes e ofícios.”[3]

Conhecidos são os embates históricos do Companheirismo (Compagnons) na história das construções religiosas e sociais ao longo dos diferentes séculos, tanto de caráter religioso, sindical e social, que levaram os poderes civis a perseguir tais guildas, tidas como revoltosas, o que não deixa de ser paradoxal que a mente coletiva maçônica, pelo menos no âmbito castelhano, continue a propor paralelismos estranhos, acreditando que são os mesmos ou semelhantes construtores de catedrais e maçonaria e, portanto, continua a ser mitologizada como algo próprio da Maçonaria especulativa por herança, quando na realidade, no caso da França, é mais uma questão muito mais de guildas de Ofício e dos Companheiros.

Portanto, depois de ler o vade-mécum sobre o trabalho do Companheirismo na França[4] fica bastante claro que a censura feita pelo Régulateur não deixa de ser é uma recriação do malditismo dos artesãos e, portanto, dos Companheiros, o que nos vem lembrar os velhos cowans anglo-saxões, apesar de sua história registrar grandes confrontos com seus irmãos de confraria, mas nesse outro contexto de torná-los alvo de invectivas e objetos de perseguição e zombaria, o que no contexto francês afetaria os Companheiros.

E é nesse contexto que se pode entender como lógica a condenação exposta no Régulateur, que se destaca dos usos terminológicos equívocos mais atuais, tais como profano ou intruso, para inclinar-se em direção às raízes operativas, transformando o dardo da marginalização desta vez sobre os Companheiros (Compagnons).

No entanto, um especialista em questões de Companheirismo, como é Jean-Michel Mathoniere, indica que essa referência aos Companheiros no Regulateur não se refere aos Companheiros de Dever, mas aos “Companheiros do mesmo sistema corporativo e gremial dos operativos”. Essa acaba sendo uma opinião bastante estranha, pois desde os tempos antigos estamos diante de uma queixa quase permanente sobre a possível presença de artesãos, como cowans, cuja maldição está incluída no relato bíblico de Ezequiel 13. 10-15:

“Porque inclusive seduziram o meu povo, dizendo: Paz; não havendo paz; e um construiu um muro e eis que os outros o sujaram com lodo solto.”

Nas referências a seguir, eles são tratados ou assemelhados a intrusos, e de abomináveis, fazendo-os passar continuamente, como “ouvintes intencionais” que desejam entrar nas lojas e, assim, obter a Palavra de Maçom, ou seja querer passar-se por, em todo caso querer passar-se por maçons, uma opinião encontrada em ambos os lados do Canal da Mancha, nessa sequência, primeiro como cowans e depois como espiões e intrusos, embora seja necessário esclarecer que alguns seriam ouvintes involuntários (cowans) e outros seriam os ouvintes intencionais (espiões), a serem finalmente assemelhados aos Companheiros, que definitivamente serão classificados como indesejados.

Pessoalmente, estou inclinado a pensar que o Régulateur, em seu preâmbulo, quer abranger precisamente aqueles artesãos, qualificados em alguns setores como “vis, sem elevação e sem mérito”[5] e os Companheiros, como um reflexo do repúdio a esse estamento, dada sua história como guildas dentro da articulação do ofício na França.

Os maçons de Teoria e de Prática

Se isso era pouco dentro desse imbróglio terminológico da França do século XVIII, que relaciona os cowans ingleses a espiões e intrusos, etc., é perturbado pela chegada de outros significados e concepções controversos encontrados nos rituais franceses, que versam sobre os maçons de prática e de teoria.

Embora não deixe de ser certo que este assunto apresente muitos problemas ao lidar tanto com o conceito quando com a historiografia.

Um dos primeiros rituais que expõe a questão colocada é o ritual Luquet (1745). Em seu catecismo baseado na troca típica de perguntas e respostas, destaca-se a pergunta:

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos.

P. Quais são eles?

R. O M. de Teoria e o M. de Prática.

P. O que você aprende como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, para purificar nossas maneiras e nos tornar agradáveis a todos.

P. O que é um M. de Prática?

R. Ele é um pedreiro, que trabalha a pedra e que levanta colunas sobre suas bases.

Aqui vemos, como um maçom de teoria se tornaria o virtuoso maçom especulativo com base no aceitação de bons elos cavalheiros, que formarão a associação da Grande Loja de Londres, em vez disso, o maçom de prática é apresentado como um simples e tosco pedreiro que não parece ter outro objetivo senão erguer colunas, ele não é um construtor, mas sua missão parece mais simples, como os antigos cowans, erguer pilares.

P. O que aprendeis como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, purificar nossos costumes, tornando-nos agradáveis a todo mundo. [novamente a presença dos cavalheiros ou gentis homens]

P. Quais são as principais qualidades de um M. de Teoria?

R. Ser um homem livre e discreto, igual aos príncipes reconhecidos por suas virtudes e amigo de Deus e do próximo.”

Eleva-se o elemento cavalheiro à categoria semidivina, ao contrário de como se expõe o artesão e o pedreiro, simplesmente um trabalhador da pedra, em que permanecerão pelo resto de suas vidas, pelo menos sob essa concepção medieval de estar sujeito ao ofício por toda a vida.

P. Que é o Maçom Prático?

R. Quem usa materiais nos edifícios.

P. Não pode ser tão virtuoso quanto nós?

R. Todo homem pode estar nesse estado; mas a grosseria e muitas vezes as razões mecânicas impedem praticamente que ele se una.

Essa discriminação é algo compartilhado por outra divulgação francesa do mesmo ano, a Sceau Rompu (1745) e que prossegue nessa mesma linha o Luquet em seus ditados, e onde essa exposição sobre a grosseria baseada na ruralidade como incapacidade de se projetar e ser portador de suficiente argamassa para que a Maçonaria lhe diga que

“não tem lugar para quem constrói suas paredes simbólicas sem o cimento do amor fraterno.”

Por outro lado, observar que na tradução apresentada pela editora Pardes esses dois termos foram traduzidos diretamente como “Maçons especulativos e Maçons Operativos”, conforme indicado na nota colocada no rodapé da página da tradução. O catecismo continua:

P. Quantas classes de maçons existem?

R. Maçons de teoria e Maçons de Prática.

P. O que aprendeis como M. de Teoria?

R. Uma boa moral, para purificar nossos costumes e nos tornar agradáveis a todos.

P. O que é um Maçom de Prática?

R. Um trabalhador de pedra que levanta perpendiculares (aprumadas) sobre suas bases.

Em relação ao exposto, insiste-se nesse erguer verticalmente de forma unânime, como aqueles que erguem muros e os Maçons de Teoria seria o maçom especulativo que deve aprender, por sua condição, a obter uma boa moral, a purificar as maneiras e ser agradável a todos. Deverá observar o silêncio, o segredo, a prudência e a caridade, fugindo das calúnias e da intemperança, pois a Arte Real dos Maçons sempre teve o desejo de unir a prática da virtude e as artes liberais herdadas da antiguidade.

E esse objetivo é proposto à custa de rebaixar o pedreiro simples, maçom de prática, que lhes doou primeiro suas ferramentas e conhecimentos para com eles construir uma fraternidade, para depois despojá-lo de toda a sua ciência, de seu ser e estar no sítio da construção maçônica.

De qualquer forma, essa não é a novidade, mas que uma divulgação deixe tão claro que os maçons operativos não tinham nenhuma conotação espiritual ou esotérica e que obviamente não parecem ter eco na Maçonaria recém-criada por sua falta de empatia e amor fraterno, o que cria um paradoxo, já que tais afirmações vão contra a corrente mítica que elevou os maçons operativos como os grandes construtores das catedrais com toda a sua carga místico-esotérica.

Em textos como a Divulgação de 1745, ou a de 1748, Le Nouveau Catéchisme de Franc-maçons, ou os rituais do Marquês de Gages de 1763, ou mesmo nos rituais do Duque de Chartres de 1784, todos eles se alinham para deixar clara a razão diferencial entre Maçons Práticos e Teóricos (Operativos e Especulativos), e nessas apreciações não há grandes diferenças de conceito entre eles.

É mais um dos últimos rituais descritos como provenientes do ramo dos Modernos, e já terminando o século XVIII, como é o Corpo Completo da Maçonaria, adotado pela Grande Loja de França (1761 ou 1774) isso continua na mesma posição.

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos: Maçons de Teoria e os Maçons de Prática.

P. Quem são os Maçons de teoria?

R. São aqueles que aprendem uma forma de moral, purificam seus hábitos e se tornam agradáveis a todos.

P. Quem são os Maçons de Prática?

R. São os que talham a pedra e erguem a perpendicular (aprumada) sobre suas bases.

Essas definições na instrução do Segundo Grau do Regulateur (1786), voltam a reafirmar, com uma diferença entre uma e outra, mas rebaixando cada vez mais as funções do Maçom de Prática.

P. Quantos tipos de maçons existem?

R. Existem dois tipos, uns de Teoria e outros de Prática.

P. O que os aprendem os Maçons de Teoria?

R. Uma boa moral que serve para purificar nossos costumes e nos tornar agradáveis ​​a todos os homens.

P. O que é um Maçom de Prática?

R. É o trabalhador da construção.

Essa ideia da distinção entre ambos será mantida até o final do século XVIII, embora em parte vá se dissolvendo gradualmente, mas mesmo assim, surge alguma divulgação tardia que se afasta de tais paradigmas, como é o caso de Mahhabone (1766), que vai um pouco mais longe ao deixar para trás, pois assume o novo estado no qual o novo membro da loja deve ter tanto de cavalheiro quanto de pedreiro:

P. O que aprendestes ao se tornar Cavalheiro Maçom?

R. O Segredo, a Moral e a boa camaradagem.

P. O que aprendestes ao se tornar Maçom do Ofício?

R. A talhar a pedra em esquadro, dar forma à pedra, possuir o nível de habilidade com a perpendicular (prumada).

É evidente que a exposição Mahabone assume e adota as duas tipologias, é claro a dos cavalheiros como seu fundamento essencial, mas assumindo o elemento operativo como uma herança valiosa que o ajudará a elevar-se até o novo estado que propõem os cavalheiros, os quais

“trabalham de segunda a sábado, com giz, carvão de madeira e uma panela que significa Liberdade, Fervor e Zelo, essa é uma proposta um pouco diferente do futuro universo especulativo.”

A herança dos Antigos e dos Cowans um século depois

No entanto, dentro da corrente dos Modernos e no seio do continente, essa questão praticamente desaparece, exceto pela exceção do Régulateur, que eu já expus antes, por outro lado e a título de contraste, expor que a corrente dos Antigos recupera a antiga linha marcada pelos preconceitos.

É assim que a situação é apresentada em um texto do Catecismo de Instrução do REAA da Grande Loja da Espanha (GLE)[6].

P. Um maçom pode seguir sendo um Cowan?

R. Aquele homem que ingressa por mera curiosidade, para ganhar posição social ou vantagens nos negócios, o falso maçom é o verdadeiro cowan, uma fonte sutil de problemas dentro do corpo do Ofício, que certamente afetará a vida da Irmandade. se não se tiver cuidado.

A pergunta que poderíamos nos fazer é: Por que se segue recolhendo em diferentes textos do REAA a proposta de Anderson de 1738 em um documento de 2011 da Maçonaria de tradição espanhola?

A julgar pelo que alguns maçons anglo-saxões expõem, isso é relativamente fácil de entender, uma vez que os cowans são elementos exógenos das guildas da maçonaria especulativa, uma vez que são trabalhadores sem a palavra, que desejam ingressar em nossas fraternidades… e, portanto, esse termo tem sido o ideal para definir a situação.

Podemos verificar o mesmo no Duncans´Masonic Ritual and Monitor de 1866, e pertencente à herança Antiga:

P. Brother Tyler, your place in the Lodge. (Irmão Guarda do Templo Qual é vosso lugar em Loja?)

R. Without the inner door. (Fora da porta interna)

P. Your duty there? (Qual é o seu dever ali?)

R. To keep off all cowans and eavesdroppers, and not to pas o repas any but are duly qualified and have the Worshipful Master´s permission. (Manter afastados todos os profanos e bisbilhoteiros, e não deixe passar ninguém devidamente qualificado e sem a permissão do Venerável Mestre.)

Como já expliquei, no restante dos cadernos rituais franceses de raiz Moderna do século XIX, perde-se praticamente toda a referência à persistência nessas tessituras, exceto no Rito Francês Filosófico que retoma a questão, mas a partir de perspectivas novas e diferentes.

Conclusões

Com base no exposto sobre os famosos cowans, pode-se resumir o que segue:
  • Temos no início de toda essa história na região anglo-saxônica alguns pedreiros rurais (wallers ou construtores de muros) coexistindo no tempo e, circunstancialmente, nos mesmos lugares com os poderosos setores do Ofício (Craft) de caráter marcadamente urbano: guildas, confrarias, corporações, etc. .
  • Pedreiros rurais apontados pelas corporações de ofício como pedreiros marginais, ou mão de obra eventual, a quem designam em vários documentos como “Cowans”. (Canongate, Glasgow, Morher Kilwinning, York, Lodge Aitchison´s Haven).
  • Cowans, que, nas Old Charges, e em alguns outros regulamentos e documentos, são mencionados em relação ao exercício e regulamentação do Ofício, nos quais lhes são atribuídas uma certa especificidade profissional de natureza rural limitada à construção de muros e pequenas construções no meio rural e, portanto, a eles são reduzidos as áreas de trabalho e dedicação. (Estatutos de Shaw, manuscritos Dumfries, Wilkinson).
  • Termo que provém dos usos operativos da Escócia e que aparece em solo inglês e seus textos regulatórios no final do século XVII e início do século XVIII, estendendo esse termo em relação à Maçonaria a qualquer pessoa que não fosse um maçom especulativo.
  • Como tais trabalhadores da cantaria rural não estavam inseridos nos grupos das guildas urbanas do Ofício, ficando à margem da posse da Mason’s Word (Palavra do Maçom), que dava opção para mais benefícios de trabalho ou proteção.
  • Tais cowans aparecem no seio da ritualidade no início do período especulativo como tais cowans, mas também sob descrições: espiões, intrusos, etc., e sob o pretexto de entrar secretamente na Maçonaria, conforme apresentado em diversos textos. (Confissão de Maçons, Constituições de Anderson,)
  • São o resultado de campanhas de assédio e ridicularização, tanto nos rituais quanto por outros meios: canções e desenhos, nos quais são apresentadas como tal e conforme ocorre no Ahiman Rezon, como imorais e abomináveis.
  • Na ritualidade francesa, o termo cowan vai adquirindo outros significados já comentados: espiões, intrusos, e como profanos indignos, perdendo a raiz original, aparecendo certos problemas de tradução e interpretação ao perder a raiz.
  • A adaptação do termo cowan nos meios de comunicação de massa maçônicos franceses transformou sua presença como maçons de prática, como um ponto de ruptura e separação entre o mundo operativo e o mundo especulativo, que se apresenta como um simples obreiro que levanta colunas e sem atitudes, devido à sua grosseria.
  • Volta ao conceito de marginalização operativa, ou seja, considerando cowans certos setores do Ofício: os artesãos e os Companheiros, (Régulateur du Maçon).
  • Desaparecimento prático, dentro da raiz dos Modernos no século XIX, de tais significados denegridores.
  • Presença dos velhos clichês operativos dentro da corrente dos Antigos e até o século XIX. ( Ritual e Monitor de Duncans)
Em geral, este estudo quis demonstrar como um termo que esteve presente por mais de um século em nossos rituais, como os cowans, foi sendo alterado em termos de definições, disseminação e desenvolvimento, em cujo setor do Ofício foi marcado com sangue e fogo sob alguns conceitos como pedreiros, artesãos ou companheiros, mas sob percepções ou tratamento pejorativos como espiões, intrusos, detestáveis ou abomináveis de quem a Maçonaria se serviu para denegrir e atribuir certas atitudes, quando, de fato, como diz Bob Walker da Grande Loja da Escócia, nunca esses [cowans] representaram um problema ou uma ameaça para Maçonaria[7].

No entanto, houve toda uma concomitância em querer apresentar os cowans sob diferentes denominações como pessoas que não são capazes de construir nada no seio da Maçonaria, porque lhes faltariam, como diz um maçom inglês “o cimento que supõe o amor fraternal”, recorrendo à mesma Bíblia em que o livro de Ezequiel 13:10-15 dedica um flagelo cruel a esses simples pedreiros rurais que constroem muros sem argamassa.

“Deste modo, destruirei o muro que vós cobristes com lodo solto, e o jogarei por terra, e sua fundação será descoberta e cairá, e sereis consumidos no meio dela; e sabereis que eu sou Jeová. Assim, cumprirei minha fúria no muro e naqueles que o cobriram com lodo solto; e eu vos direi: Não existe muro, nem quem o revestiu.”[8]

Não deixa de ser curioso que uma fraternidade como a maçônica, baseada no objetivo de “reunir os dispersos”, tenha mantido essa discriminação e denigração por tanto tempo.

Um termo como “cowans” que, se não fosse pela atenção ou estudo de autores como Mackey, Joseph Fort Newton, Henry Carr ou Sudarkis…, teria sido esquecido, perdendo toda a sua marca.

Estas são as investigações e reflexões que pude conceber para trazer à tona as velhas dúvidas maçônicas que desde a idade de aprendiz maçom eu vinha arrastando em relação a esses estranhos pedreiros rurais, os cowans.

FINIS

Autor: Victor Guerra
Tradução: José Filardo

Fonte: BIBLIOT3CA

Nenhum comentário:

Postar um comentário