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sábado, 31 de outubro de 2020

ILUMINISMO E MAÇONARIA

ILUMINISMO E MAÇONARIA
Ir Guilherme de Queiroz Ribeiro
Recife - Pernambuco - Brasil

I - Preliminares
A Maçonaria é caracteristicamente universalista por ser uma sociedade que aceita a afiliação de todos os cidadãos que se enquadrarem na qualificação “livres e de bons costumes”, qualquer que seja a sua raça, a sua nacionalidade, o seu credo, a sua tendência política ou filosófica, excetuados os adeptos do comunismo teorético porque seus princípios filosóficos fundamentais negam ao homem o direito à liberdade individual da autodeterminação.

Embora assim caracterizada, essa universalidade não implica a Maçonaria em ter um poder administrativo soberano centralizado, nem mundial nem supranacional, e nem significa que tenha princípios doutrinários ou filosóficos universais de aceitação obrigatória por parte de seus membros. Os únicos princípios filosóficos ou doutrinários, se é que assim se pode denominá-los, são a crença em um Ser Supremo e a crença na sobrevivência do espírito, sem nenhuma definição que identifique esses conceitos ou essas crenças em ralação a determinada filosofia ou a determinada religião.

A definição desses dois postulados é deixada ao livre arbítrio de cada Maçom de forma a não interferir em suas convicções ou tendências pessoais. Esclareça-se que na filosofia atual a expressão Ser Supremo tem o significado convencional de Deus Único.

O Ser Supremo é habitualmente referido na Maçonaria como o Grande Arquiteto do Universo, uma expressão que, apesar de conter os atributos físicos Grande e Arquiteto, não privilegia nenhuma concepção de Deus em particular. Grande Arquiteto do Universo tem para os Maçons apenas um significado simbólico, o da unificação sob um só conceito da geração de todos os seres pela continua atuação das leis que governam o Universo. Dar-lhe uma interpretação diversa ou menos ampla seria prestigiar uma ou outra corrente filosófica contrariando o principio de neutralidade maçônica.

Dessa forma não tem a Maçonaria um centro ou um órgão administrador supranacional ou mundial, apesar de ter órgãos administrativos regionais com jurisdições geograficamente definidas chamados potências. Sua atribuição exclusiva é manter a unidade das lojas regulando sua organização administrativa, definindo as regras do relacionamentos delas entre si e com seus membros e destes entre si. Todas essas potências maçônicas são também absolutamente independentes entre si, e todas tem seus próprios estatutos e os seus próprios regulamentos.

Potências e Lojas são autônomas somente em sentido administrativo, mas nem os Grão–Mestres e nem os Mestres das Lojas podem se pronunciar em nome da Maçonaria Universal Mas, desde que para isso estejam oficialmente autorizados por suas Assembléias, podem se pronunciar oficialmente sobre desenvolvimento dos seus trabalhos, na escolha da forma e do direcionamento de suas atividades sociais e culturais. Isso equivale a dizer que os Grão Mestrados e os Mestres das Lojas sempre seguem a tendência da maioria de suas assembléias. Essa autonomia impede que as decisões particulares se transfiram a outros Grão Mestrados e a Mestres de outras Lojas.

Essa definição de Maçonaria permitiu que em tempos passados algumas lojas, ou grupos de lojas, se pronunciassem a favor da republica e outras lojas ou grupos de Lojas a favor de reinos constitucionais como, por exemplo, aconteceu no Brasil durante o segundo Império. Mas essas posições, aparentemente divergentes atendem às aspirações da liberdade maçônica porque ambos os mencionados sistemas políticos limitam os poderes de seus governantes máximos, o presidente ou o rei.

Portanto não tem sentido a hipótese de que uma recíproca influência Iluminismo/Maçonaria, tantas vezes alegada por igrejas cristãs para condenar a Maçonaria, possa tê-la levado a ser anticristã. Mesmo que a maioria dos membros de determinada loja possa ser de iluministas não cristãos, devem eles respeitar a minoria quanto ao direito à sua própria convicção filosófica ou religiosa.

Na verdade pode ter acontecido no correr da História da Maçonaria Moderna que uma ou outra loja tenha sido formada por uma maioria iluminista dominando a administração e impondo seu ponto de vista. Mas são exceções caríssimas que habitualmente se corrigem tanto pela alternância anual das administrações das Lojas como pela constante mudança das concepções filosóficas, uma das características do livre uso da razão.

Algumas igrejas cristãs insistem nessa ligação como algo condenável por concluírem afinal que a Maçonaria teria absorvido do Iluminismo a idéia central de submeter ao crivo da razão todos os aspectos do conhecimento, o que demonstraria a oposição Maçonaria/Religião por considerarem que o livre pensamento é o inimigo da fé por excelência. Mas isto não acontecerá porque os livres pensadores jamais predominarão na humanidade.

Um apoio espúrio a esse ponto de vista recebem essas igrejas em afirmações historicamente incorretas como a contida na Enciclopédia Mirador Internacional sob o verbete “Iluminismo”, onde diz: “Entre os sucessores do Iluminismo está a Maçonaria” (vol 11, pg 5982). Evidentemente o redator do texto explicativo do verbete não procurou instruir-se em fontes fidedignas, pois as origens da Maçonaria são anteriores aos primeiros movimentos Iluministas. Na verdade pode a Maçonaria ter sofrido influência dos Iluministas, mas essa influência foi temporária pois no mundo atual a maioria absoluta dos Maçons é de cristãos.

Contrariando essa afirmação enciclopédica afirmamos que foram os Iluministas que se filiaram às Lojas Maçônicas como um lugar seguro e intelectualmente livre e neutro, apropriado para a discussão de suas idéias, principalmente no século XVIII quando os ideais libertários ainda sofriam sérias restrições por parte dos governos absolutistas na Europa continental. Por isso não se pode negar que certamente a Maçonaria pode ter contribuído para a difusão do Iluminismo e que este por sua vez também possa ter contribuído para a difusão das lojas maçônicas.

A Maçonaria, contudo, não adotou e nem incorporou princípios iluministas aos seus dois princípios básicos anteriormente referidos, e nem o poderia ter feito pois isso comprometeria o seu postulado de universalidade. Assim a Maçonaria pode ter contribuído apenas indiretamente para o crescimento dos movimentos iluministas por congregar seus seguidores e pô-los em contato direto entre si, na mesma forma do acontecido com os constitucionalistas, com os republicanos ou com os liberais. Nem por isso a Maçonaria se tornou iluminista, constitucionalista, republicana ou liberal por principio.

Mas essa preocupação das Igrejas é uma perda desnecessária de energias pois menos de um por cento das pessoas de fé teriam a necessária cultura filosófica para racionalizar seus princípios de fé. E, ainda mais, das pessoas que teriam essa capacidade talvez menos de um por cento teria a necessária coragem para fazê-lo. Restaria uma ínfima porcentagem de pessoas, talvez menos de 0,01% a por eventualmente sua fé em perigo se é que essa percentagem, mesmo tão ínfima, chegue a tanto.

Não se definirá aqui o que é Maçonaria, porque o assunto foi exaustivamente tratado na obra MAÇONARIA – HISTÓRIA E FILOSOFIA. Discorrer-se-á somente sobre o Iluminismo, cuja essência é freqüentemente mal compreendida e cujos movimentos nem sempre são percebidos, e lamentavelmente, porque é um movimento intelectual que todo o Maçom deveria conhecer. Foi o Iluminismo que despertou a humanidade para o uso da razão em todos os campos do conhecimento.

Isso contudo não o torna um inimigo das religiões porque devido ao seu diminuto numero os homens pensantes jamais destruirão qualquer religião. Poderão quando muito influenciar um ou outro membro isoladamente. São muito raros os homens em condições de discutir temas filosóficos.

II – Iluminismo
O Iluminismo não é uma corrente filosófica, é uma sistema de pensamento conduzido pela razão, o maior avanço cultural que liberou o pensamento humano para as grandes aventuras do conhecimento.
A grandes aventuras materiais, como a de Moisés conduzindo seus hebreus durante quarenta anos através do deserto, como as conquistas militares de Alexandre o Grande, como as grandes viagens internacionais de Marco Polo, como as grandes batalhas de Napoleão, como a teoria gravitacional de Sir Isaac Newton e tantas outras de que está plena a História, são sobejamente conhecidas de todos porque elas transmitem sensações de poder e sonhos de vitórias. E que homem não apreciaria ser um poderoso ou um vitorioso assim?

Mas quão poucos são os que conhecem os reflexos das aventuras dos grandes heróis dos avanços culturais da humanidade.

Quão poucos conhecem o verdadeiro sentido da aventura de Moisés que, captando o verdadeiro sentido da fracassada aventura monoteista do Faraó Aquenaton, concebeu o seu próprio projeto, conseguiu fazer dos hebreus um povo, criou uma nação e fundou uma religião monoteista. Foi sem dúvida uma grande aventura intelectual que ainda influencia a humanidade três mil anos depois. Que estudante reconhece isso?

Quão poucos sabem que Alexandre o Grande foi discípulo do grande filosofo grego Aristóteles e que sua maior conquista não foram as suas grandes vitorias militares, mas sim ter sido o grande difusor da cultura helênica, o fundador da cidade de Alexandria, a capital cultural que dominou o mundo antigo com sua biblioteca de seiscentos mil volumes.

Quão poucos sabem que a grande aventura de Marco Polo trouxe como resultado a notícia de outros grandes povos com grandes religiões a produzir homens tão ou mais virtuosos que os das religiões ocidentais, e assim proporcionou pela primeira vez na história estudos comparativos de religiões e civilizações.

Quão poucos sabem que as teorias revolucionaria de Sir Isaac Newton e de Albert Einstein mostraram ao mundo pela primeira vez que o Universo pode funcionar e evoluir por suas próprias leis e que não há necessidade para isso de uma permanente intervenção de um Poder Supremo, abalando com isto uma teoria teísta de séculos. Apesar dessas descobertas as leis continuam a ser de origem divina para os teístas. Para os iluministas, contudo, por considerarem que o conhecimento de Deus não é acessível ao homem, este assunto não está em discussão.

Quão poucos sabem que existiu um Giordano Bruno, considerado o fundador do pensamento crítico moderno? Quantos conhecem as conseqüências da influência das teorias de Galileu Galilei sobre o pensamento do seu tempo?

Assim foi também com o Iluminismo, a grande aventura intelectual que revolveu as tradições medievais relativas à religião, à economia e à política e as submeteu ao tribunal da razão perante o qual quase todas foram condenadas por causa de sua fragilidade científica e de sua fragilidade lógica. Por isso deveria o Iluminismo estar escrito com letras destacadas entre as grandes aventuras da história da humanidade.

Ainda não o foi porque, como toda a aventura do campo metafísico, o Iluminismo é um fenômeno que se restringe ao diminuto universo dos homens que pensam, isto é, o universo dos que não aceitam verdades impostas ou sugeridas, mas usam a razão para buscar a sua própria verdade. O conceito de Ser Supremo não representa para a Maçonaria mais que um nome sugerido para a força universal que é a origem do Universo.

Os rastos culturais deixados por esses homens pensantes, tanto no passado como ainda deixam no presente momento histórico, são extremamente tênues. Também os leitores desses pensadores constituem um campo cultural excessivamente restrito.

Quem sabe corretamente, mesmo os que o condenam, o que foi e o que significou o Iluminismo para o avanço do pensamento na Idade Moderna e na Idade Contemporânea?

Esta é uma pergunta que fica para o pensamento dos Irmãos.

Fonte: JBNews – Informativo nº 062 - 01/11/2010

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