Qual o papel do maçom frente os princípios, costumes, tradições e normas manifestamente injustas, anacrônicas, desproporcionais e ou lesivas aos direitos humanos e aos próprios ideais da Ordem?
Os Landmarks existem como criação necessária aos limites da liberdade e a segurança, itens estes indispensáveis na Ordem Maçônica, assim as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão.
Porém, não se pode questionar que numa Instituição e numa Sociedade de homens livres e progressistas a Justiça tem de estar acima da segurança, da imutabilidade e dos limites temporais, isto porque sem Justiça não pode existir Maçonaria.
Para aqueles que defendem a inspiração dos Landmarks na nomenclatura do Velho Testamento, como amplamente defendido, tais fundamentos encontram-se em: Provérbios, 22 e 23/ 28 e 10: “Não removas os antigos limites que teus pais fizeram” e “não removas os antigos limites nem entre nos campos dos órfãos”. Deuteronômios, 19,14: “não tomarás nem mudarás os limites do teu próximo que os antigos estabeleceram na tua propriedade”. Contudo, impõe-se a reflexão que estando Jesus caminhando com seus discípulos num sábado, e estando eles com fome, começaram a colher espigas. Os fariseus lhe perguntaram: "Olha, por que fazem eles no sábado o que não é lícito?" (era proibido trabalhar no sábado), Jesus após justificar o ato, acrescentou: "O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; assim o Filho do Homem é senhor até do sábado." (Marcos 2:23-28). Em outras palavras, os Landmarks foram feitos para a Maçonaria e Homens, e não os homens e a Maçonaria para os Landmarks.
A realidade maçônica e social são dinâmicas. Mudam-se os valores e alteram-se os conceitos de liberdade, de homem, de igualdade, de justiça e etc. Assim é possível vislumbrar que alguns Landmarks da forma com tradicionalmente interpretados não mais refletem a noção de justiça, igualdade, fraternidade e liberdade.
Não existem limites e verdades eternas como razões ou conceitos desvinculados de um tempo, de um contexto social, econômico, político e científico. Os limites e as verdades são dinâmicos, são frutos de um processo dinâmico, influenciados constantemente pela ciência, cultura e valores, assim não se pode separar a instituição, a filosofia e pensamentos de seu contexto histórico, político, científico, religioso, econômico e etc.
A rigor, não se trata de relativizar ou abandonar todos os Landmarks, mas de rever os limites de alguns Landmarks, realizar uma nova leitura, a análise sob um nova dimensão, para deles excluir as interpretações incompatíveis e anacrônicas com a ciência, modernidade, justiça, verdade e dignidade da pessoa humana.
Não podem existir limites ilimitados e verdades inverídicas ainda que sob o pretexto de se prestigiar os antigos costumes, obrigações, usos e tradições.
Faz-se necessário considerar que a subjetividade da ideia da imutabilidade dos Landmarks se contrapõe a própria Maçonaria, ao espírito inconformista da própria Ordem e dos Irmãos, que não se satisfizeram no passado e não se satisfazem hoje com o aquilo que entendem como irrazoável, injusto, anacrônico e ilegítimo.
Os pilares da Maçonaria não são os Landmarks, mas sim a Dignidade do homem em sua mais ampla dimensão. Portanto, a liberdade e justiça devem ser os valores supremos de uma Instituição que se diz fraterna, progressista, igualitária, libertária, científica, pacifista e que busca a verdade e não a manutenção da "verdade".
Os Landmarks não devem tutelar a teratologia de uma tradição, costume ou uso gravemente injusto, irracional e incompatível com a moderna sociedade. Penso que não foi esta a intenção de seus autores (aqui, deve-se se questionar: quem os legitimou para construir tais verdades absolutas?) e criarem um mecanismo de blindagem para o pensamento humano e consequentemente restringir direitos, dentre eles, notadamente, o direito de pensar.
Entender que os Landmarks devem imperar de forma absoluta em razão dos antigos costumes, usos, obrigações e tradições é criar um dogma, dispondo-os acima do bem, do mal, da justiça, da injustiça, da dignidade do homem e da própria Maçonaria, o que se mostra ilógico.
A realidade maçônica aponta que a relativização dos Landmarks ainda que por vias atípicas já está presente na vida dos homens livres e de bons costumes, ainda que com outro nome, de modo expresso ou implícito e sob a chancela informal da própria Ordem.
A vida em uma sociedade democrática, justa, fraternal e científica e numa Instituição Maçônica requer o equilíbrio entre direitos e liberdades. Portanto, balancear a estabilidade/imutabilidade e a realidade, não se trata de mera ponderação de valores, princípios ou costumes, mas sim a fixação do alcance da verdade, da justiça e da instrumentalidade dos Landmark em busca da Justiça e dos elevados propósitos da Ordem, propósitos este superiores aos próprios Landmarks.
Cabe neste momento lembrar Heráclito: “Nada é permanente, exceto a mudança”.
Fonte: https://artilheiro7.wixsite.com
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