MEMÉTICA NA MAÇONARIA(1)
Charles Evaldo Boller, M∴ M∴, 03/09/2006.
Que fascínio exercem os contadores de histórias, romancistas e dramaturgos? Porque os seres humanos dedicam tantas horas concentrados, até alienados, em assistir filmes, ler livros ou jogar conversa fora? E como é gratificante ouvir o som das palmas de uma criança quando lhe é prometido um conto; júbilo este que se propaga entre adultos. São atitudes que certificam que a espécie humana é a única que troca estórias entre si. O hábito provavelmente estabeleceu-se na pré-história do homem, em momentos de ociosidade dentro das cavernas, onde contavam estórias entre os acontecimentos do dia. Isto propiciou o fato da maioria dos conceitos éticos e morais aportarem no presente por intermédio de parábolas. Em função disto determinou-se que a sociedade humana só está em seu atual desenvolvimento em resultado da transmissão dos mitos e de como estes influenciaram na psique humana; é tanto que, são as ficções as responsáveis pelas explicações das mais diversas realidades espirituais, transcendentais, sociais e cósmicas.
O iniciado na Ordem Maçônica é diversas vezes conduzido em viagens simbólicas(2); conduzem-no por sendas imaginárias que lhe são dadas a desbravar física, emocional e mentalmente. Para aumentar o impacto e aguçar a sensibilidade emocional e cognitiva, alguns destes passeios são feitos às cegas, com os olhos vendados. Mesmo na rigidez ritualística com que estes deslocamentos físicos são efetuados, em virtude da individualidade, cada indivíduo os percebe psicológica e racionalmente a sua maneira, alicerçado em seus próprios referenciais, baseado nos mitos e sistemas de crenças previamente fixados pela sua experiência de vida.
Surge um questionamento: até onde estas jornadas da Maç∴ conduzem? Até a morte(3); a maior ameaça que pode atingir alguém. Cada vez que um Maç∴ passa de grau por iniciação, dispara-se nele simbolicamente uma angústia existencial aterradora, experimenta o fim, a morte. Estas reiteradas mortes fictícias têm por objetivo negociar com o pavor da abominável destruição. Ao homem Maç∴ é dado aprender a morrer para condições anteriores; a valores morais e éticos, e ao mesmo tempo é auxiliado emocionalmente a superar a angústia da morte. Resumindo: aprende a morrer bem, para viver bem. "Para Sócrates, o homem virtuoso não pode sofrer nenhum mal, nem da vida, nem da morte. Nem da vida porque os outros podem danificar-lhe os haveres ou o corpo, mas não arruinar-lhe a harmonia interior e a ordem da alma. Nem na morte, porque, se existe um além, o virtuoso será premiado; se não existe, ele já viveu bem no aquém, ao passo que o além é como um ser no nada" (G. Reale)(4). As religiões criaram mecanismos para atenuação emocional deste trauma: promessa de uma vida futura num jardim de delícias(5); restauração em um novo sistema de governo mais justo aqui na Terra mesmo(6); outras declaram que o adepto será levado a um lugar onde será servido por dezenas de virgens pela eternidade(7). O Maç∴, por experimentar repetidas mortes simbólicas, e havendo compreendido e praticado seu sentido simbólico, passa a gozar a vida em graus de harmonia correspondentes ao quanto ele absorveu e vivenciou daquelas experiências, e passa a ser afetado de forma positiva no conjunto de circunstâncias físicas e de relacionamento interpessoal; aproveitando no aquém as benesses de levar vida virtuosa.
A morte, por ser única, é destino que a mente humana não aceita, haja vista os genes imporem a sobrevivência a qualquer custo. Os psicodramas(8) vividos nas passagens de grau, sabidamente lendas, objetivam e ensinam a morrer. Ao vivenciar a morte, de imediato o recipiendário(9) normalmente alcança um entendimento razoável da mensagem, e, se mudar os seus parâmetros de vida, passa a viver cada vez melhor desde então. Entretanto, ele também é atingido por sugestões subliminares(10); outros pensamentos são incompreensíveis por não disporem de referenciais na base de seu entendimento. No exato instante da transferência da informação para o seu cérebro, a informação pode não ficar clara quanto ao objetivo, mas, ao longo do crescimento dentro do contexto da lenda do grau, ou em outros mais elevados, se houver esforço pessoal, despertarão percepções que linguagem alguma teria condições de verbalizar.
Porque os mitos se espalham e se mantém ao longo da linha do tempo? A idéia foi lançada pela primeira vez em 1976, por Richard Dawkinsd, que partiu do princípio de, em sendo as leis físicas verdadeiras, e, alicerçado na ação biológica da replicação; uma vida gera a outra vida apoiada nos genes, ele transportou os conceitos da imutabilidade das leis físicas e da capacitação replicante da genética para a capacidade humana em transmitir idéias. A cada unidade de informação ele denominou meme. Provinda do verbete grego mimeme, abreviando-o depois para meme apenas para ficar parecido com gene. Sugeriu que, assim como os genes induzem a desejar a sobrevivência pela replicação(11), também os memes se propagam e reproduzem no tempo pulando de um cérebro para outro. Ao aportarem no receptor, os princípios e conceitos recebidos são agrupados ao referencial existente, fundem-se ao que ele já possui. Se encontradas condições favoráveis, acabam em transformarem-se em algo aceitável, trabalhando no sentido de beneficiar seu utilizador; à semelhança das mortes sucessivas das iniciações MMaç∴ levarem a intuir o viver bem na vida aquém.
Considerando que "somente o sábio, que esmagou os monstros selvagens das paixões que lhe agitam no peito, é verdadeiramente suficiente a si mesmo: ele se aproxima ao máximo da divindade, do ser que não tem necessidade de nada" (W. Jäger)(l1), outras transações meméticas entre os MMaç∴ se fazem necessárias para o entendimento do que realmente a Maç∴ intenciona que cada um descubra durante sua edificação interna. Sem a troca memética não é possível descobrir que dentro de si encontra-se a lei que levará ao despertar para o culto do Amor Fraterno(12), verdade que a maioria dos grandes iniciados da história(13) descobriram como solução única aos problemas da humanidade.
Que vindes fazer aqui? Se não for para transmitir memes às mentes de teus IIr∴, quer perda de tempo maior? Depois de aprender, é só pensar, filosofar, contar histórias, enfim, transmitir memes; propiciar que os interlocutores efetuem ligações neurais e gerem em si o alimento para que se autoconstruam dentro do objetivo do "conhece-te a ti mesmo." Partindo do princípio que todos os seres humanos são tripulantes desta linda nave espacial Terra e dependerem uns dos outros para manter a supremacia como espécie, a memética é fator fundamental para manter esta condição. E como se faz isso na Maç∴? Apresentando PPeç∴ de Arq∴; lançando novas idéias; conversando após as sessões; visitando outras LLoj∴; visitando os IIr∴ em suas residências; visitando aqueles IIr∴ que passam por situações difíceis; replicando e criticando construtivamente, dicotomizando(14), reconstruindo pensamentos pelos eternos ciclos de tese, antítese e síntese(15); derrubando conceitos antigos e construindo novos, num processo continuo de transmissão e replicação memética.
A memética é a técnica utilizada para revelar o conhecimento ao iniciado na Ordem Maçônica. Com esforço, dedicação e perseverança, o Maç∴ vai misturando as estórias que lhe são contadas ao referencial pessoal e então os insights(16) explodem em fascínio e admiração; outros pensamentos ficam dormentes no limiar da consciência para despertarem mais tarde; outros, nunca aflorarão. Certamente este é um dos caminhos que conduzem ao encontro da luz emanada do G∴ A∴ D∴ U∴. Como certificar-se disso? Apoiando- se na memética e viajando pelos caminhos da jornada solitária que cada um faz a sua alma, e cuja aplicação é oportunizada em cada encontro Maç∴.
Bibliografia:
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CAMINO, Rizzzardo da, os Graus Inefáveis, Loja de Perfeição, Volume 1, Primeira Edição da Editora Maçônica A Trolha Ltda., 1995.
CASTELLANI, José, Dicionário Etimológico Maç∴, segunda Edição, Coleção Biblioteca do Maç∴, Editora Maçônica A Trolha Ltda., primeira Edição, 1996.
FIGUEIREDO, Joaquim Gervásio de, Dicionário de Maçonaria, quarta edição, editora Pensamento,1990.
GUIMARÃES, João Francisco, Maçonaria, a Filosofia do Conhecimento, Primeira Edição, Madras Editora Ltda., 2003.
LOMAS, Robert, Girando a Chave de Hiram, Tornando a Escuridão Visível, Tradução: José Arnaldo de Castro, primeira Edição, Madras Editora Ltda., 2006.
OLIVEIRA FILHO, Denizar Silveira de, Comentários aos GGr∴ Inefáveis do R∴ E∴ A∴ A∴, primeira Edição, Coleção Biblioteca do Maç∴, Editora Maçônica A Trolha Ltda., primeira Edição, 1997.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario, História da Filosofia, Volume 1, Editora Paulus, 9a edição, 2005.
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VIDAL, Cézar, Os Maçons, a sociedade secreta mais influente da história, Ediouro Publicações S. A., 2006.
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, 2001.
CAMINO, Rizzardo da, Dicionário Maçônico, Editora Madras Ltda., 2001.
A Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas, 1973.
SCHURÉ, Édouard, Os Grandes Iniciados, Editora Madras Ltda., 2005.
Biografias:
Dario Antiseri, autor. Autor de História da Filosofia.
Denizart Silveira de Oliveira Filho, maçom, autor brasileiro. Autor de Comentários Aos Graus Inefáveis.
G. Reale, Giovanni Reale, autor. Autor de História da Filosofia.
Richard Dawkins, biólogo e professor norte-americano. Nasceu em 26/03/1941. Com 65 anos de idade. Da Universidade de Oxford. Seus
livros incluem O Gene Egoísta, O Relojoeiro Cego, O Rio Que Saia Do Éden, A Escalada do Monte Improvável, e, mais recentemente,
Decompondo o Arco-íris.
João Francisco Guimarães, maçom, autor brasileiro. Autor de Maçonaria, A Filosofia do Conhecimento.
Jorge Adoum, maçom, autor brasileiro. Autor de livros maçônicos.
José Castellani, maçom, escritor, historiador, médico e pesquisador brasileiro. Nasceu em Garibaldi, Rio Grande do Sul em 29/05/1937.
Faleceu em São Paulo em 21/11/2004 com 67 anos de idade. Autor de livros maçônicos, espiritualistas e jurídicos, muito considerado na ampla
literatura da Ordem Maçônica.
Nicola Aslan, maçom, escritor brasileiro e grego. Nasceu em Grécia em 08/06/1906. Faleceu em 02/05/1980 com 73 anos de idade. Escritor
maçônico.
Rizzardo da Camino, maçom, escritor brasileiro. Nasceu em 05/02/1918. Com 88 anos de idade. Escritor maçônico.
Robert Lomas, maçom, engenheiro eletricista e escritor inglês. Ensina Sistemas de Informação na Escola de Administração da Universidade
de Bradford. Escritor maçônico.
Sócrates, filósofo grego. Nasceu em Atenas em 468 a. C. Faleceu em 399 a. C. Um dos mais importantes pensadores de todos os tempos.
W. Jäger ou Werner Jäger, filólogo alemão. Nasceu em 1888. Faleceu em 1961 com 72 anos de idade. Sua principal obra, Paidéia, foi editada
na Alemanha, pela primeira vez, em 1936. No Brasil, sua primeira tradução e publicação data de 1966.
Profeta Maomé ou Abulqasim Mohamed Ibn Abdala Ibn Abd Al-Mutalib Ibn Hashim, clérigo árabe. Nasceu em Meca, Arábia Saudita em
03/06/570. Faleceu em 07/06/632 com 62 anos de idade. Fundador do islamismo. Estabeleceu o princípio da Jihad, Guerra Santa contra os infiéis, aqueles que recusassem a nova religião, dando início a uma série de conquistas que levaria os árabes a estabelecer um império pela Ásia, África e Europa.
Notas:
1 Memética, conceito apresentado por R. Dawkins em 1976: "Supõe-se que as leis da física são verdadeiras por todo o Universo acessível. Existe qualquer princípio biológico que, da mesma maneira, tenha validade universal? (...) Eu faria minha aposta em um princípio fundamental: a lei que diz que toda a vida evolui pela sobrevivência diferencial de entidades replicantes (...) Penso que um novo tipo de replicante emergiu recentemente neste planeta. Precisamos de um nome para esta nova entidade replicante, um nome que transmita a idéia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação, que seja. "Mimeme" vem de uma aceitável raiz grega, mas queria uma palavra com menos sílabas que soasse de forma parecida com "gene". Espero que meus colegas de classe perdoem-me se abreviar mimeme para "meme". 2 Viagens Simbólicas, são as circunvoluções ritualísticas feitas em Loj∴ pelo recipiendário durante sua iniciação nos diversos graus.3 Morte simbólica, focada principalmente na morte do Mestre Hiram, para o Maç∴ ela é faz parte de diversos psicodramas que o confrontam com a morte verdadeira, mas que significa a morte para uma condição anterior de imperfeição moral, ética ou transcendental.4 História da Filosofia, Pág. 92, G. Reale5 Igreja Católica Romana.6 Testemunhas de Jeová, seita religiosa criada por Charles Taze Russell, "nascido de família presbiteriana, não parece que se sentisse especialmente vinculado à fé de seus pais, pois foi fortemente influenciado com o conhecimento das doutrinas adventistas. Em 1870 entrou para o convento de allegheny, onde se reunia um grupo que ouviam um tal de Johan Wendell". (...) Contra o que seus adeptos atuais poderiam esperar, Russell não pretendia que seus cálculos tivessem a Bíblia como fonte exclusiva. Na verdade, tinha sido iniciado na maçonaria, e nesta encontrou boa fonte de inspiração para seus ensinamentos".7 Islamismo, religião caracterizada por monoteísmo estrito e síntese entre fé religiosa e organização sociopolítica, fundada pelo profeta Maomé, que codificou sua doutrina em um livro sagrado, o Corão, que se tornou o fundamento escrito da fé muçulmana; maometanismo, maometismo, muçulmanismo .8 Psicodrama, psicoterapia de grupo em que os pacientes escolhem os papéis que vão desempenhar na dramatização de uma situação com forte carga emocional, o que dá ao terapeuta a oportunidade de apreender os sintomas que afloram no relacionamento entre os participantes .9 Recipiendário, é assim denominado o candidato que é cerimoniosamente recebido, após sua iniciação. Trata-se de uma denominação destinada momentaneamente, enquanto dura o cerimonial. No dia seguinte, ele passa a ser denominado neófito .10 Subliminar, que é subentendido nas entrelinhas ou se faz por associação de idéias .11 Pela procriação. ato ou efeito de procriar; reprodução .12 Amor, em Maç∴, o amor ao próximo confunde-se com o amor a si mesmo, que são atitudes virtuosas, materiais, por um lado despertadas pela compaixão e por outro, esotéricas pela preparação dentro do mundo invisível, no Universo de dentro, do altar onde se cultua a Deus.13 Grandes Iniciados: Rama; Krishna; Hermes; Moisés; Orfeu; Pitágoras; Platão; Jesus.14 Dicotomia, na dialética platônica, repartição de um conceito em dois outros, geralmente contrários e complementares, já que abarcam toda a extensão do primeiro.15 Tese, no hegelianismo, o primeiro estágio do processo dialético, seguido por uma antítese negativa e uma síntese final de ambos os termos, o que expressa logicamente a transformação contraditória a que se submete qualquer realidade espiritual ou material .16 Insight, clareza súbita na mente, no intelecto de um indivíduo; iluminação, estalo, luz.
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