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PERGUNTAS & RESPOSTAS

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quinta-feira, 30 de julho de 2015

A PEDRA BRUTA

A PEDRA BRUTA: MATÉRIA-PRIMA DO MAÇOM NA ARTE DE PROMOVER A REFORMA DE SI MESMO
José Ronaldo Viega Alves
Loja Saldanha Marinho, “A Fraterna” Oriente de S. do Livramento – RS
Contato: . ronaldoviega@hotmail.com

Em cada bloco de mármore vejo uma estátua, vejo-a tão claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável aparição para revelá-la a outros olhos como os meus já a vêem.” (Michelangelo)

INTRODUÇÃO
Nas palavras expressadas por Michelangelo, podemos ver que o escultor deixa transparecer sua determinação e vontade férreas para, com as quais, logo de imediato dará início ao projeto que tem em mente. Já não enxerga a sua frente somente um bloco de pedra no seu estado bruto, mas a obra de arte, ou o produto final. Lendo essa sua confissão, ou projeção, não pude deixar de, metaforicamente, transportar a imagem e a idéia para relacioná-las com a nossa Pedra Bruta, aquele símbolo marcante com o qual, tivemos um contato primeiro por ocasião da nossa Iniciação, e onde depois de sermos conduzidos até a sua presença, fomos convidados a desferirmos três golpes em sua superfície. Início de todo um trabalho.

A diferença, ou diferenças do trabalho do artista acima, para o trabalho do Aprendiz-Maçom, sem dúvida, possui vários ângulos de abordagem, e um deles bem pode estar afeto à fixação com que o primeiro persegue o belo em sua essência, e aqui já levando em consideração que, um dos inúmeros significados de arte é o que está definido como ”concepção ou expressão do que é belo”. O artista busca incessantemte encontrar algo que está muito voltado para o seu aspecto visual, EXTERIOR, além do que justifique ou motive a sua contemplação ou transcendência, fatores esses que estão intrinsecamente ligados ao seu ideal de perfeição. Não iremos entrar aqui em assuntos exclusivos do universo dos artistas e do tipo que possam gerar discussões, envolvendo, por exemplo, o seu talento ou o seu ego, além de outros.

O Maçom, ainda que, também não deixe de estar buscando o belo e a perfeição, em função do seu templo INTERIOR, certamente deverá estar levando em conta a um conjunto de componentes tais como sejam, a sabedoria, a força e a beleza. Estará buscando ainda, e é aqui que o sentido da sua busca sofre uma verdadeira virada, na relação com o objetivo do artista, a sua transformação, por via do seu trabalho contínuo, do desbaste das arestas de si mesmo, das suas imperfeições, do seu ego, para conseguir assim, uma pretendida beleza INTERIOR.

Mas, seria possível conjeturar sobre até quando, nós Maçons, deveremos olhar para a Pedra Bruta, a mesma aquela que nos foi apresentada em nosso primeiro dia, e que vai permanecer ali no interior do Templo, com vistas ao trabalho? Enquanto frequentemos o Templo, e independente da sua função própria de servir de lição primeira ao trabalho dos que estarão sendo iniciados deverão desempenhar, ela seguirá lá também para lembrar-nos sempre dessa missão bastante árdua do Maçom, que é a missão do profano que foi iniciado, e que desejou ardentemente passar pela sua própria transformação, sua reforma e sua recriação. 

Para que não esqueçamos o quanto é importante, estarmos vigilantes e dispostos para dispensar o cuidado contínuo para com a nossa Pedra Bruta, é que também ela vai estar lá, pois, sendo assim, não estaremos incorrendo no erro fácil de, com a passagem do tempo, acharmos que estamos tão purificados e isentos de qualquer tipo de desbastes, a ponto de “humanos que somos”, começarmos a preocupar-nos somente com o desbaste das pedras alheias. 

E aqui cito o Irmão Raymundo D‟Elia Junior, quando pede que reflitamos sobre o seguinte:  ”Que espécie de pedra se é? – Pedra de Estorvo, de Tropeço ou Pedra Angular, da construção de um santificado Templo Interior?”

Não se pode descuidar jamais, do processo esse de conhecer-se, enfrentar-se a si próprio e estar disposto a vencer as imperfeições, até por que, isso pode ser um exaustivo e eterno aprendizado. Não é uma questão de puro perfeccionismo, aliás, acho que não estaria totalmente errado em afirmar que essa é uma tendência exagerada para o que se pretende realizar, e pode ser uma espécie de obsessão. 

A metáfora antes utilizada, entendo também que, serve para assimilarmos melhor o seguinte: o artista, o escultor, pode antever quando olha para aquele bloco inerte a sua obra futura, a forma final, e mesmo que esteja sendo rondado durante a sua feitura pelo fantasma do perfeccionismo, terá que um dia declará-la acabada. O espírito perfeccionista, que já nasce com ele, causa-lhe uma grande inquietação, sofrimento e angústia. E isso, é uma regra quase geral no mundo artístico.

O Maçom, não é e nem pode ser um perfeccionista neste mesmo sentido, o Maçom irá adquirir sim, com seu trabalho e estudo um outro ideal de perfeição, e a consciência formada de que esse será um trabalho a longo prazo. Será que o Maçom, por mais que apare as suas arestas, poderá um dia dar a sua obra como acabada?

Se para o pintor e escultor Michelangelo, ele já podia visualizar na pedra a sua obra pronta, transformada em escultura, para nós, quando da nossa Iniciação nada enxergávamos além da pedra, a pedra bruta, pois, a nossa evolução, a nossa absorção, o nosso comprometimento, a nossa vontade e a nossa constância em desbastarmos aquela pedra ocorre num crescendo com o tempo. 

A dinâmica entre a permanência e a mudança, é que vai fazer com que sejamos maçons na verdadeira acepção da palavra. E se somos seres humanos e estamos sempre em construção, até onde podemos aceitar a ideia de que para o trabalho realizado sobre a pedra bruta também haverá um produto final, a pedra polida? Em que altura do caminho, seres imperfeitos que somos, poderemos perceber a nossa “escultura” pronta? Quando esse momento chegar, e se chegar, somente aí, estaremos conscientes de que verdadeiramente a nossa grande e principal batalha rumo à evolução foi vencida. E a nossa consciência mais profunda sempre diz que falta muito para atingir este estágio... Mas, o estudioso e Mestre Aldo Lavagnini, vê e consegue proporcionar-nos outro ângulo dessa possibilidade, e bem mais otimista eu diria: “Existe dentro de cada pedra, ou seja, na matéria-prima da vida e de cada vida individual, um estado de perfeição inerente, que se acha latente em toda forma e em toda expressão, que é necessário conhecer, educar e tornar patente por meio de trabalho que simboliza da pedra.”

AS ORIGENS
Ao contrário de algumas simbologias pertencentes aos hebreus e aos egípcios, algumas envolvendo até citações bíblicas, portanto, em tempos bastante remotos, as pedras cortadas ou lavradas nem sempre foram interpretadas positivamente, pois, alguns dos seus significados estavam relacionados ao mal e à falsidade. No entanto, conforme Mackey, e recopilado por Aslan em sua enciclopédia, a Maçonaria não herdou nessa questão nada dessa simbologia hebraica ou egípcia, já que sobre a Pedra Bruta em particular, a herança maçônica vem mesmo das idéias arquiteturais dos Maçons operativos. Considerando as ramificações no passado, no máximo, a Pedra Bruta está ligada, ao fato da condição má e corrupta do homem, enquanto que a Pedra Polida ou Talhada funciona como símbolo de sua natureza melhorável e perfectível.

Não se sabe com certeza, o momento exato, em que este símbolo foi introduzido na Maçonaria. Evidentemente, todo o trabalho desenvolvido durante o período da Maçonaria Operativa, ou seja, a arte de construir repousava sobretudo no preparo e moldagem da pedra bruta, para que se encaixassem em um todo, com o uso de ferramentas fundamentais para dar a forma desejada pelo pedreiro, onde, o malho e o cinzel, compuseram alguns dos símbolos que mais evoluíram no âmbito da Maçonaria, tanto que, mesmo após a mesma ganhar a condição de Maçonaria Especulativa, esse mesmos componentes materiais utilizados nas construções passaram a ser associados com a construção do templo interno do ser humano, e envolvendo aspectos de ordem moral e espiritual.

OUTRAS ANALOGIAS
Rizzardo Da Camino fez um comentário num trabalho de sua autoria que remete também à Arte: “A Pedra, tão “dura” e resistente, seja granito, mármore ou diamante, pode ser burilada transformando-se em obra de arte, tosca ou refinada como o bruto diamante e, esplendoroso brilhante! O Maçom, como Pedra, por sua vez pode transformar-se em “obra de arte” ou de brilho intenso! Não permanecerá Pedra Bruta!” 

Fernando César Gregório escreveu assim: “Imaginemos um artista diante de uma pedra bruta a qual será objeto de seu trabalho para produzir uma obra de escultura. Assim o homem é lembrado pela pedra bruta, suas arestas são as paixões que devem ser extirpadas pelo corte do cinzel, cuja força vem do bater do malho, símbolo da virtude, neste simbolismo, o homem é o escultor de si mesmo e seu trabalho terá sucesso na razão direta de suas virtudes, representada pelo martelo, e da capacidade de penetração de sua intelectualidade, representada pelo cinzel.“

Ainda, para completar este elenco, cito um excerto recolhido da obra do Irmão Antonio Augusto Queiróz Baptista: “Exotericamente, “Pedra Bruta” representa o desenvolvimento moral e intelectual do recém-sagrado, matéria-prima de ofício dos pedreiros da Arte Real e tem por finalidade chamar ao desafio o Aprendiz, a fim de que um bloco rústico, disforme, se transforme em uma obra de arte, a mesma forma que o Neófito, embora “livre e de bons costumes” ingresse na Maçonaria cheio de imperfeições, ranhuras, traços de temperamento que devem ser transformados em conduta proveitosa para Ordem e para a sociedade. (...) Dentro de nós existe uma linda obra de arte, a mais bela do universo, o grande mistério é retirar os excesso da pedra informe. Somos os pedreiros da nossa criação.”

O TRABALHO NA PEDRA BRUTA
No livro “Maçonaria – 100 Lições de Aprendiz” do Irmão Raymundo D‟Elia Junior, autor citado anteriormente, é possível ler o seguinte: “Uma „Pedra‟ sem forma que deve ser „trabalhada‟, a partir das „Luzes recebidas no Templo‟, „trabalho‟ esse que, sobretudo, se transformará em uma „árdua tarefa Moral e Espiritual‟ a ser cumprida em todos os dias, por meio do „importante, exaustivo e eterno Aprendizado‟.

Fundamentalmente, o trabalho do “desbaste” deve incidir na eliminação de arestas onde estão incluídas, entre outras, o orgulho, a vaidade, a prepotência, a preguiça mental e a intolerância. Lao Tse, o filósofo chinês assim ensinou: “Há três tesouros: o amor, a moderação, e a anulação de si mesmo.” Considerando cada uma dessas condições, podemos ver o quanto o desbaste a ser promovido em nossa Pedra Bruta (Ego)deve ser intenso, pois, até que as imperfeições possam ser removidas em sua totalidade, muito tempo deverá transcorrer. O trabalho simbólico do Maçom na Pedra Bruta, é para ser efetivado com a ajuda da Régua de 24 polegadas, do Maço e do Cinzel. Com a régua, que significa o período de 24 horas em que o dia está dividido, medirá e delineará o seu trabalho, subentendido aí a medição do tempo e do esforço a ser despendido. Com o cinzel, ele dará forma e regularidade ao que só era uma massa informe, e com a vontade do malho para ser aplicada na Pedra Bruta e que deverá ser feita sobre direção do cinzel cortará as asperezas de forma dirigida. E cumpre dizer aqui, ainda, que os instrumentos citados tem de ser utilizados em conjunto, ou harmonicamente, para que os objetivos propostos sejam alcançados.

CONCLUSÃO
Deveremos procurar constantemente a anulação dos excessos que o nosso ego vai acumulando, cuidando com muito esmero da construção do nosso edifício interior, pois, a partir daí, enxergaremos melhor o outro, toleraremos melhor o outro e, estaremos aptos então, a investir num sentido mais amplo, da edificação do edifício social, da nova sociedade, da nova humanidade. No convívio salutar com nossos Irmãos Maçons, na observação acurada dos seus costumes e das suas práticas, no exercício das virtudes, na vivência da fraternidade, estaremos nos lapidando, tornando-nos mais puros e mais comprometidos com a felicidade do gênero humano.

Fontes Bibliográficas:
Revistas:
A TROLHA, n° 16 e 232
Livros:
ASLAN, Nicola. “Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia” Vol. 3 – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. 2012
BAPTISTA, Antônio Augusto Queiróz. “O Desbastar da Pedra Bruta” – Editora maçônica “A Trolha” Ltda. 2004
D‟ELIA JUNIOR, Raymundo. “Maçonaria – 100 Instruções de Aprendiz” = Madras Editora Ltda. 2010
GIRARDI, João Ivo. “Do Meio-Dia à Meia-Noite Vade-Mécum Maçônico” – Nova Letra Gráfica e Editora Ltda. 2008
GREGÓRIO, Fernando César. “Ética & Maçonaria” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. 2005
O PRUMO 1970-2010 – Coletânea de Artigos – Aprendiz Vol.II – GOSC – 2010
RODRIGUES, Raimundo. “A Filosofia da Maçonaria Simbólica” Volume 4 – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. 2007
SÁ, José Anselmo Cícero de. “Fonte de Luz Maçônica” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. 2007 

Fonte: JB News – Informativo nr. 1.188

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