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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

CAGLIOSTRO E A FLAUTA MÁGICA - A HISTÓRIA DAS INICIAÇÕES

CAGLIOSTRO E A FLAUTA MÁGICA  - A HISTÓRIA DAS INICIAÇÕES
Autora: Melanie Braun*

Há maçons que “enchem a boca” para dizer que Mozart era membro da Ordem, mas será que sabem que a obra maçônica magna do compositor trata da iniciação de uma personagem do sexo masculino e outra do sexo feminino?

Seria apenas o casamento do rei e da rainha dentro de cada um de nós, ou, além disso, uma defesa dos ritos mistos? Para mim, este fato nada tira do brilho dessa ópera; pelo contrário, acrescenta-lhe. Vamos conferir um pouco dessa história no texto a seguir.

A ópera, gênero mais familiar para nós em sua roupagem italiana (Verdi, Puccini), tem uma tradição que remonta a um pouto cantes do ano de 1600. No final do século XVIII, vários tipos de ópera eram populares e geralmente se dividiam em dois grupos: as “sérias” e as “cômicas”.

A ópera cômica, que era popular na França e na Itália do século XVIII, também se expandiu para os países germânicos na forma de Singspiel, uma ópera popular que envolvia tanto o canto quanto o diálogo falado. Um dos mais famosos compositores de Singspiel foi Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), cuja produção incluía várias óperas deste gênero, sendo que a mais bem conhecida é A Flauta Mágica. Mozart queria escrever uma ópera mágica alemã, e A Flauta Mágica atingiu este objetivo. Ela foi concluída no último ano de sua vida, 1791, quando ele tinha 35 anos de idade.
Maçonaria

Um aspecto da vida de Mozart que é essencial para se compreender sua ópera é sua afiliação à Maçonaria. Mozart tinha conhecimento das ordens maçônicas desde muito cedo na vida. Contudo, apenas em 1784 é que ele foi iniciado, na Loja Zur Wohltatigkeit (“Caridade”), em Viena. Apesar de ter sido criado como católico, Mozart parecia ser capaz de resolver quaisquer diferenças de pensamento e compôs música litúrgica devocional paralelamente a várias peças maçônicas que foram apresentadas em diversas Lojas durante sua vida. Foi finalmente iniciado ao Terceiro Grau maçônico, o de Mestre, um ponto comum de conquista na época.

Mozart estava mais inclinado aos elementos místicos da Maçonaria do que ao seu racionalismo ético. Infelizmente, é difícil acompanhar a visão de Mozart através de documentos, pois sua viúva e seu segundo marido censuraram a correspondência de Mozart, removendo todos os traços de sua afiliação maçônica. Mas existem evidências de que a música de Mozart procurava refletir o espírito místico, e particularmente as palavras de algumas de suas músicas maçônicas são profundamente tocantes, refletindo os aspectos mais profundos da Maçonaria.

Muito tem sido escrito sobre o caráter da Maçonaria, mas uma influência sentida no século XVIII tem base neste assunto. Durante aquele período houve um surgimento de interesse em ritos iniciáticos do Egito antigo e a introdução do simbolismo egípcio em alguns rituais maçônicos. A Loja de Mozart pratica a “Estrita Observância”, um rito estabelecido em 1754 que dava grande atenção às influências dos Cavaleiros Templários. Foi descrita como uma mistura de “Simbolismo Maçônico, práticas alquímicas e tradições Rosacruzes”[1].
Entra Cagliostro

Por que essa influências do Egito antigo surgiu nessa época específica? Um estudo cuidadoso das fontes esotéricas revela algumas ligações interessantes. Vamos tentar traçar uma linha que leva a vários acontecimentos ligados ao surgimento de A Flauta Mágica a uma figura proeminente (e infelizmente com alguma notoriedade): o místico conhecido como Conde Cagliostro. Sua vida é cercada de mistério e ele foi muito difamado devido a suas práticas ocultas.

Muita controvérsia cerca a verdadeira identidade de Cagliostro, mas o que se sabe é que ele era contemporâneo de Mozart, provavelmente um discípulo do alquimista Althotas e dizia-se que tinha sido iniciado por Saint-Germain, que, por sua vez, era um místico Rosacruz de grande sutileza espiritual e clareza intelectual[2]. Esta tradição é importante porque ilustra a influência da Ordem Rosacruz, que passou então por Cagliostro e teve algum peso em A Flauta Mágica.

Cagliostro criou um “Rito Maçônico Egípcio” que usava um simbolismo iniciático do Egito antigo, assim como formas maçônicas existentes. Sua grande popularidade como curador e conselheiro não poderia deixar de produzir algum efeito em outros rituais maçônicos da época. Existe uma tradição esotérica que diz que Mozart e Cagliostro tinham conhecimento um do outro. Um irmão maçom, que também era músico, relatou amplamente, nas lojas, sobre uma cura que ele teve através de Cagliostro, um acontecimento que muito provavelmente chegaria aos ouvidos de Mozart. Mais tarde, relatou-se que Cagliostro tinha aceitado uma casa em Wahring, um bairro de prestígio de Viena[3]. Esses contatos podem muito bem ter estimulado a curiosidade de Mozart a ponto de ele querer conhecer Cagliostro ou, pelo menos, admirá-lo à distância[4]. Esta ligação não é feita claramente em nenhuma das fontes exotéricas que se referem à Flauta Mágica, mas em uma lenda esotérica, de onde surge a possibilidade de eles terem se conhecido.

A composição da ópera

Com esse contexto em mente, vamos voltar para a ópera em si. Como é que esses fatos e tradições se relacionam com sua composição? Mozart queria escrever uma ópera maçônica e cumprir a meta de compor uma ópera mágica alemã ao mesmo tempo. Embora houvesse muitas óperas baseadas em contos de fadas em destaque na ópera, apresentando uma variedade de instrumentos “mágicos”, parece que Mozart usou esse formato apenas como veículo para difundir um simbolismo mais profundo.

Há vários níveis de percepção do significado da ópera. O público desinformado vê e ouve uma ópera-resgate Singspiel alemã, cheia de incidentes cômicos, músicas e efeitos dramáticos maravilhosos. O público pouco informado, conhecendo a finalidade óbvia da ópera, tem consciência de algum simbolismo iniciático incluído – como o das provas pelo fogo e pela água. Mas é apenas quando atinge o nível interno de interpretação que você percebe o grande número de atos e objetos simbólicos em cada cena. O filósofo e dramaturgo alemão Goethe, que era maçom e místico, declarou sobre A Flauta Mágica:

“É suficiente que a multidão tenha prazer em ver o espetáculo; mas, ao mesmo tempo, seu significado elevado não vai escapar aos iniciados.”[5]

O próprio livreto (texto) da ópera foi escrito por Emanuel Schikaneder e possivelmente por algum outro colaborador desconhecido. A história em si se baseia em várias fontes do período: um romance esotérico, Sethos, por Jean Terrason; tramas de óperas egípcias mais antigas, por exemplo Thamos, Rei do Egito (para a qual Mozart escreveu a música incidental); e contos de fada alemães, estes já muitas vezes contendo simbolismo iniciático. Isso tudo defende e ilustra o combate das forças das trevas contra a Luz e a final aniquilação das forças do mal, com o grand finale no Templo do Sol.

O simbolismo de Cagliostro – como indicado em seu rito egípcio[6] – incluía uma oposição e união final do Sol com a Luz… a meta da iniciação. O Sol é o elemento positivo e a Lua é o elemento negativo. Isso se reflete na união do céu com a terra, do masculino com o feminino, do dia com a noite e outras polaridades. Outros símbolos encontrados no rito de Cagliostro eram a serpente, que aparecia no alto de seu brasão; a acácia um tipo de árvore significando a Matéria Prima; o pentagrama; e o gabinete ou Câmara de Reflexão, uma gruta ou caixa onde o candidato era deixado antes do ritual. Muitas vezes uma pirâmide era um dos símbolos nessa câmara. Columbas também eram usadas nas cerimônias de Cagliostro.

A ópera simboliza um conflito entre dois mundos. Não se trata apenas de um conflito entre o bem e o mal, mas envolve muitas referências sutis a outras polaridades. Cada um dos personagens de uma ópera tem um significado que se liga diretamente ao resultado final. Sugere-se que a história da ópera seja lida de fontes disponíveis para que o que se segue fique mais claro.

Os personagens principais

Os nomes de Tamino e Pamina, personagens principais, significam “consagrado a Min ou Deus”, em egípcio. Eles são os dois candidatos para a iniciação, que finalmente passam pelos testes do fogo e da água. A Rainha da Noite representa o lado negativo ou mau. Ela procura destruir o sacerdote da Luz e vê em Tamino um agente que pode realizar isso. Sempre aparece à noite e acompanhado da escuridão e do trovão. Monostatos, o Mouro, representa a pura existência física. Seu nome em grego significa “o isolado”. Ele sequestra Pamina antes de seu resgate e iniciação.

Sarastro é representado como um mago mau no início da ópera. Talvez este personagem seja a evidência mais forte de uma ligação com Cagliostro. Primeiro, a má reputação de Cagliostro foi atribuída por suas assim chamadas práticas “mágicas” e muitos acharam que ele era perigoso. Embora o nome Sarastro provavelmente tenha sido tirado de Zoroastro, parece bastante com Cagliostro para sugerir que o modelo tenha sido ele. Muitos acham que Sarastro representava um maçom famoso chamado Ignaz Von Born, mas Born não era nem mágico nem um alto sacerdote. Cagliostro se dizia o Alto Sacerdote de Ísis, e toda a cena iniciática da Flauta Mágica nomeia Ísis e Osíris como os deuses a quem os inciados devem apelar. Finalmente, Sarastro demonstra ser o Sacerdote do Sol e não o mal, como se acreditava, o que novamente aponta para a verdade referente à pessoa de Cagliostro. A esposa de Cagliostro, ou a “Grande Senhora”, também era conhecida como “Rainha de Sheba”. Na ópera, Sarastro e a Rainha de Noite pareciam ter sido casados em algum momento.

Papageno (da palavra alemã Papagei, “papagaio”) se assemelha ao Louco das cartas do Tarô. Ele acrescenta relevos cômicos à ópera. Sendo uma criatura de penas, também representa o elemento “ar”. Significa a humanidade “comum”, indigna da iniciação. Ele tenta, mas não consegue passar por ela. Quer, acima de tudo, ser um bom marido e uma pessoa “normal”.

Elementos simbólicos

É impossível, dentro dos limites deste artigo, detalhar todo o simbolismo da ópera e mostrar como ele está relacionado tanto com a história quanto a possíveis influências rosa-cruzes que possam por intermédio de Cagliostro a Mozart através da Maçonaria, quer direta ou indiretamente. Alguns dos símbolos mais importantes ainda estão disponíveis, e estudos adicionais da ópera por interessados vão revelar a riqueza das influências esotéricas, assim como uma referência constante aos quatro elementos ou princípios: água, fogo, terra e ar.

A serpente, encontrada no alto do brasão de Cagliostro, assim como no bastão do caduceu de Hermes Mercúrio, tem uma história de simbolismo iniciático e era usada nos ritos egípcios e nas histórias bíblicas. No início da ópera, uma enorme serpente é morta sendo dividida em três partes enquanto Tamino está desfalecido. Esse desfalecimento – e outras perdas de sentidos que acontecem no decorrer da ópera a candidatos à iniciação – basicamente simboliza a morte do velho e o renascimento para uma nova vida como resultado da iniciação.

A flauta mágica, simbolizando o elemento “ar”, é usada apenas para superar obstáculos, não para destruí-los. Sua história, recontada mais tarde na ópera, diz que ela foi esculpida em madeira pelo pai de Pamina numa noite de tempestade (água e escuridão) repleta de sons de trovoes (terra) e de relâmpagos (fogos). Assim, a própria flauta sintetiza todo o simbolismo iniciático.

Antes da iniciação em si, os candidatos são libertados da flauta e dos sinos mágicos por um momento, como acontece no ritual maçônico quando o candidato é “despido de seus metais”[7], significando coisas profanas que não devem ser trazidas para o templo. Tamino e Papageno são então leva-os para uma caverna subterrânea, que corresponde à “Câmara de Reflexões”, para meditar sobre a iniciação que aconteceria. Eles são obrigados a fazer silêncio e Tamino deve rejeitar Pamina quando ela aparece, não falando com ela. No ritual de Cagliostro, o silêncio é a primeira instrução na Câmara de Reflexões, e a virtude do celibato é louvada.

A rosa, além de ter significados rosa-cruzes e outros significados antigos, é o símbolo da iniciação maçônica. No rito egípcio, um lema recorrente é: “Eu acredito na Rosa”. Pamina está deitada, adormecida num jardim de rosas; este é seu “adormecimento” antes da iniciação, que ela interpreta no elemento “terra”. Também fica sugerido que os três espíritos que levam Tamino para o templo devem ser carregados numa cesta decorada com rosas.

União dos opostos

As provas do fogo e da água são graficamente ilustradas na ópera. Tamino e Pamina de fato caminham por uma gruta e superam os elementos. Depois, eles se apresentam no Templo do Sol em vestes sacerdotais. Aqui, a mulher é igual ao homem: o sol (o reino de Sarastro) e a lua (o reino da Rainha) estão unidos espiritualmente. O rito de Cagliostro era o único ritual maçônico que admitia igualmente homens e mulheres. Essa união, através da iniciação do masculino com o feminino, estava na base da filosofia dos ritos egípcios. Apenas através do casamento do sol com a lua é que a verdadeira iniciação poderia ser atingida. As vestes sacerdotais usadas por ambos provavelmente devem sua aparência ao ritual de Cagliostro[8].

Mozart, além de supervisionar o libreto, proporcionou a música e o gênio inspirador, que realmente traduz o simbolismo visual em som. Também usou numerologia musical (através das relações de tonalidade e de padrões rítmicos, por exemplo, na representação do número 3 e ilustrou as três batidas na porta da Loja pelos acordes rítmicos que surgem em pontos chaves na ópera.

O uso desses símbolos, quando vistos dentro da história da ópera, tem uma semelhança com os rituais de iniciação influenciados pelo rito de Cagliostro e a criação dessas referências esotéricas torna A Flauta Mágica, um trabalho que trata do lado interno da humanidade, como os símbolos alquímicos e alegóricos dos primeiros rosa-cruzes. A influência do rito egípcio, descendente de Cagliostro e Saint-Germain, sem dúvida liga a ópera de Mozart aos mistérios antigos, pois nos fala de uma nova vida.

*Melanie Braun, SRC*
* SRC – Soror Rosacruz, membro feminino da Antiga e Mística Ordem da Rosacruz.

Fonte: Revista O Rosacruz. Verão 2011, n. 275. Curitiba: AMORC, 2011. p. 32-38

Notas

[1] – Jacques Chailley. The Magic Flute Unveiled (1971), trad. por H. Weinstock (Inner Traditions, 1992) p. 63.
[2] – Manly P. Hall (ed.) The Most Holy Trinosophia of Saint-Germain(Philosophical Research Society), Introdução.
[3] – Paul Nettl. Mozart and Masonry. Nova York, Da Capo, 1970, p. 42.
[4] – Outras referências à tradição de que Mozart e Cagliostro se conheciam são encontradas em The Soul of Lilith, um romance de Marie Corelli, e em um artigo que surgiu alguns anos atrás em El Rosacruz, revista rosacruz espanhola por H. Rios, intitulado Cagliostro, o Vento do Sul.
[5] – Citado em Chailly, op. cit. p. 7.
[6] – Vide Conde de Cagliostro, Secret Ritual of Egyptian Rite Freemansonry(reimpressão, Kessinger Publishing, 1992); também a série da AMORC de monografias suplementares sobre Cagliostro. Para maiores informações de base: artigo de Ralph M. Lewis intitulado Cagliostro, Man of Mystery, publicado no Rosicrucian Digest LXII, n. 3 (março de 1984), pp. 24-…
[7] – Ritual de Cagliostro mencionado acima, p. 166 Chailley, op. cit., p. 77.
[8] – Chailley. op. cit., p. 77.

Fonte: https://opontodentrocirculo.com

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