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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

A MORTE INICIÁTICA

A MORTE INICIÁTICA
Aldery Silveira Júnior (*)

A INICIAÇÃO é inerente à natureza humana, independente de se pertencer ou não a uma ordem ou instituição esotérica. A iniciação está presente nas diversas fases ou situações vivenciadas pelo ser humano: a criança passa por uma iniciação no início de sua existência; o universitário é iniciado em um novo mundo, o mundo da investigação do conhecimento, da ciência; assim como igualmente passam por um processo de iniciação os membros de ordens religiosas e os integrantes de forças militares.

No entanto, há de se distinguir a iniciação vivenciada pelo ser humano em geral, nas diversas fases da vida, da iniciação a que são submetidas os candidatos de ordens esotéricas, como a Maçonaria.

Nestes casos, a iniciação segue um ritual específico, onde se pode perfeitamente identificar, simbolicamente, a morte do candidato em relação à vida passada e a ressurreição para uma nova realidade, uma nova vida.

Tal constatação é corroborada por Mircea Elíade (1958, pg. 12), apud William Almeida de Carvalho, quando afirma que:
"A maior parte das provas iniciáticas implica, de maneira mais ou menos transparente, numa morte ritual que se segue a uma ressurreição ou novo nascimento. O momento central de toda iniciação vem representado pela cerimônia que simboliza a morte do neófito e sua volta ao mundo dos vivos. Mas o que volta à vida é um homem novo, assumindo um modo de ser distinto. A morte iniciática significa ao mesmo tempo o fim da infância, da ignorância e da condição profana."
Obviamente, para que isto aconteça, faz-se necessário que o candidato realmente tenha sido “iniciado” e não apenas tenha sido submetido a um processo de iniciação.

OS PROCESSOS INICIÁTICOS são responsáveis pela perduração por séculos e milênios de importantes ordens e instituições que têm caráter iniciático, como a igreja católica, as universidades, as organizações militares e as ordens esotéricas, como a Maçonaria.

A formação dos sacerdotes e de militares, assim como um exame de vestibular ou as provas, simbólicas ou não, a que são submetidos os candidatos ao ingresso em ordens esotéricas, são processos iniciáticos, pois possuem um aspecto comum: os aspirantes ou candidatos desconhecem as provas ou rituais a que serão submetidos, ou seja, realizam provas sem ter um conhecimento exato do que lhe será pedido, mas decide se expor, entrega-se à vontade de outro porque confia, de antemão, que aquele outro tem as respostas que está procurando.

O certo é que depois de passar com êxito por uma prática iniciática, o candidato, nunca mais volta a ser o mesmo, pois quando se atravessa o portal iniciático, passa-se a “pertencer” àquela instituição ou ordem.

O ato de “pertencer” a algo, ou a uma nova “família” é de uma importância impar para o ser humano. É ter a certeza de não se estar sozinho, é ter a certeza de poder contar com alguém com maior desenvolvimento intelectual e espiritual para suprir as suas necessidades e as suas carências, tanto emocionais quanto afetivas.

Este é, sem dúvida, o aspecto mais valioso de um processo iniciático.

Muito embora, há de se afirmar, que no caso de ordens esotéricas o profano, em grande parte dos casos, se sente atraído muito mais por conhecer como é um ritual de iniciação ou o que ocorre dentro de um templo, do que propriamente se aperceber, de antemão, o verdadeiro valor ou a sua importância, o que em geral é percebido com o tempo.

SÓCRATES, importante filósofo grego que viveu nos séculos V e IV a.C., por meio da maiêutica, processo dialético e pedagógico desenvolvido pelo mesmo, baseado na “parturição das idéias” (em homenagem à sua mãe que era parteira), procurava incutir nos seus discípulos o “conhece-te a ti mesmo”. A Maçonaria, de certa forma, adota a doutrina socrática ao induzir aos seus membros o “conhece-te a ti mesmo”. E isto começa a ocorrer no início do processo iniciático propriamente dito, ou seja, na Câmara de Reflexão, pois é ali que tudo começa.

NA CÂMARA DE REFLEXÃO o profano e candidato a Aprendiz Maçom é instado a exercer uma ação para dentro, a fazer uma introspecção, levando-o a meditar sobre o seu papel diante da pátria, da família e de si mesmo.

De acordo com Ir∴ Erton Alves Costa (2004, pág. II) “esse esforço reflexivo o leva a pensar sobre a vida, o passado e o futuro na procura do seu Eu interno. Essa Reflexão sobre a sua origem e destino constitui a benesse do autoconhecimento”.

Dentro do simbolismo maçônico, a Câmara de Reflexão pode ser compreendida como a fase inicial do processo iniciático, à qual será submetido o candidato, cujo isolamento em que irá se encontrar, envolta na atmosfera existente e nos símbolos apresentados, há de levá-lo a novas descobertas, de tal modo a proporcionar-lhe novos conhecimentos.

Considerando o seu aspecto de isolamento, de solidão, a Câmara de Reflexão tende a induzir ao candidato um período de maturação silenciosa do seu “Eu Interior”, por meio da meditação e da concentração em si próprio, característico daquele que busca a via do conhecimento, partindo do pressuposto que a visão introspectiva prepara o homem para o verdadeiro progresso, para o aperfeiçoamento enquanto ser humano e construtor social do seu templo interior.

Esta passagem pela Câmara de Reflexão pretende mostrar ao candidato a idéia da mudança, expressada pelo simbolismo da morte nela contido, aludindo a chegada deste momento para o vício, para as paixões, para os preconceitos e para os maus costumes, incutindo a idéia de que diante da morte desaparecem o orgulho e a ambição humana.

A Câmara de Reflexão não representa unicamente a preparação preliminar do candidato para a sua iniciação, mas é principalmente e ponto crítico, a crise interior, onde começa o renascimento que conduz à verdadeira iniciação, à realização progressiva, e ao mesmo tempo especulativa e operativa, da realidade espiritual que anima o candidato a prosseguir com o processo iniciático.

A Câmara de Reflexão, com seu isolamento e com suas negras paredes, proporciona um período de obscuridade e de maturação silenciosa da alma do candidato, por meio da meditação e da concentração em si mesmo, que o prepara para o seu progresso efetivo e consciente.

Por esta razão, encontram-se nela os emblemas da morte e uma lâmpada sepulcral, e acham-se sobre suas paredes inscrições destinadas a pôr à prova a firmeza de propósitos do candidato e a sua vontade de progredir, que tem de ser selada num testamento.

Ao ingressar naquele quarto semi-escuro, o candidato tem de despojar-se dos metais que porta consigo, tem de voltar a seu estado de pureza original, despojando-se voluntariamente de todas as aquisições que lhe foram úteis para chegar até o seu estado atual, mas que constituem outros tantos obstáculos para seu progresso ulterior.

Deve cessar de depositar sua confiança e cobiça nos valores puramente exteriores do mundo, para poder encontrar em si mesmo, realizar e tornar efetivos os verdadeiros valores que são os morais e espirituais. Deve cessar de aceitar passivamente as falsas crenças e as opiniões exteriores, com o objetivo de abrir seu próprio caminho para a verdade.

Isto não significa que o candidato tem de despojar-se de tudo o que lhe pertence e adquiriu com o resultado de seus esforços e prêmio de seu trabalho, mas, unicamente, que deve deixar de dar a estas coisas a importância primária que pode torná-lo escravo ou servidor delas, e que deve pôr, sempre em primeiro lugar, sobre toda a consideração material ou utilitária, a fidelidade aos princípios e às razões espirituais.

Este despojo tem por objetivo conduzi-lo para ser livre dos laços que de outra forma impediriam todo o seu progresso futuro. Trata-se, portanto, em essência, do despojo de todo apego às considerações e laços exteriores, com a finalidade de poder ligá-lo à sua realidade íntima interior, ou seja, morrer para o mundo profano.

A Câmara de Reflexão, como salientado, tem a finalidade de processar a morte do candidato, a morte para a vida profana, para a vida pregressa e prepará-lo para o renascimento, para a ressurreição espiritual.

Da Câmara de Reflexão brota uma semente, a semente de um novo homem apto e disposto a ingressar em uma nova vida, apto a receber a luz. Esse novo estado, esta nova maneira de ser e de viver, é o que caracteriza o "iniciado" e o distingue do profano. Assim, esta admissão não é nem pode ser somente a recepção ou a aceitação de uma determinada associação, ao contrário, deve considerar-se como o ingresso em um novo estado de consciência, num novo modo de ser interior, do qual a vida exterior é efeito e conseqüência.

Por esta razão, o símbolo fundamental da iniciação é o da morte, como preliminar para uma nova vida; a morte simbólica para o mundo ou para o estado "profano", necessária para o renascimento iniciático; ou seja, para a negação dos vícios, erros e ilusões que constituem os metais grosseiros ou qualidades inferiores da personalidade, para a afirmação da verdade e da virtude, ou da íntima realidade, que constitui o ouro puro do ser, a perfeição do espírito que em nós habita e se expressa em nossos ideais e em nossas aspirações mais elevadas.

O processo de iniciação maçônica atual difere, em muito, das iniciações levadas a efeito há poucos séculos atrás, onde o candidato era submetido a provas duríssimas. A iniciação atual é eminentemente simbólica. Simbolismo este altamente significativo e capaz de processar, marcantemente, a morte e a ressurreição simbólicas do candidato. É capaz de promover uma sensível modificação na essência e no seu aspecto interior.

Na Câmara de Reflexão, o candidato, por meio da reflexão e da introspecção, morre para a vida profana, e já sai dali com a predisposição para aceitar uma nova realidade.

Ele é a semente de um novo ser. E o novo ser começa a se consolidar ao longo do processo de iniciação, nas viagens, no juramento e nos demais aspectos da ritualística iniciática, onde o candidato passa por provas que se constituem no primeiro degrau da extensa escalada da virtude.

A última fase do processo iniciático, quando o candidato recebe a luz e é recepcionado pelos Irmãos que lhe apontam espadas, não deixa de ser também mais uma prova, a prova das espadas, que simboliza, simultaneamente, o poder de ferir e a proteção que lhe darão os Irmãos, caso o mesmo venha a sofrer ataques externos. Finda essa prova, desaparece a figura do candidato e entra em cena o Iniciado, renascido para uma nova vida – um novo Maçom.

Por fim, salienta-se que para ser Maçom, é preciso morrer para renascer, morrer para a vida profana e renascer para uma nova vida, este é o sentido maior da iniciação, ou seja, isto é a morte iniciática.

(*) O Autor é Membro da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal - Cadeira nº 8. Integra os Quadros das Lojas Fraternidade Brasiliense no 2300 e De Pesquisas Maçônicas do GODF nº 3994

BIBLIOGRAFIA:

1 ADOUM, Jorge. Grau do Aprendiz e seus Mistérios – Esta é a Maçonaria. São Paulo: Pensamento (sem ano de publicação).

ASLAN, Nicola. Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia. Londrina, A Trolha, 2000.

2 BECK, Ralph T. A Maçonaria e Outras Sociedades Secretas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2005.

3 CAMINO, Rizzardo. Rito Escocês Antigo e Aceiro – Loja de Perfeição (Graus 1º ao 33º). 3ª Ed. São Paulo: Medras, 2004.

4 CARVALHO, William Almeida De. O Rito de Iniciação: Uma Abordagem Antropológica. Disponível em <Http://Www.Geocities.Com/Mason_Inf/087_ Iniciacao_Almeida.Doc>, Acessado em 12/04/07.

5 CASTELLANI, José. Dicionário Etimológico Maçônico. 2a Ed. Londrina: A Trolha, 1996.

6 COSTA, Erton Alves. A Iniciação como Ponto de Partida para o Desenvolvimento Moral e Espiritual do Iniciado. Adaptação de Tese de Mestrado, Publicado em A Oficina, Ano XII, Janeiro/2004.

7 JAKOOBI, Heinz Roland. Graus Simbólicos: Compêndio Maçônico. Volume 2. Londrina: A Trolha, 2007.

Fonte: JBNews - Informativo nº 108 - 17/12/2010

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