Márcio dos Santos Gomes*
Em determinados contextos, desenvolve-se um diálogo sutil e investigativo, possível tanto em encontros sociais quanto em congressos maçônicos ou visitas a outras Lojas/Potências. Surgem perguntas como: Qual o seu Grau? Que função exerce em sua Loja? E na Potência? Já percorreu os Graus Superiores? Qual sua ocupação fora da Maçonaria? Frequentemente, esse tipo de abordagem, ainda que indesejada, limita-se a ambientes sociais ligados à Ordem.
Respondidas essas e outras indagações, o altivo demandante então avalia se vale a pena prosseguir o diálogo com seu interlocutor. Nesse jogo velado de hierarquias, muitos acreditam que o capital social maçônico[1] deve gerar retornos concretos, e não se deve investir tempo onde não há perspectiva de vantagem. No entanto, se o irmão mais simples deixa escapulir algum vínculo com figuras influentes dentro ou fora da Maçonaria – como ser vizinho da prima da esposa de certa autoridade – o semblante do demandante logo se suaviza, e o sorriso oportunista desponta, semelhante ao do gato de Cheshire, sinalizando que o papo pode, enfim, prosperar.
Esse comportamento, infelizmente, revela uma distorção dos princípios fundamentais da Ordem. Para alguns, mais importante do que o conhecimento simbólico e a vivência filosófica dos Graus é a visibilidade dos Cargos. São esses que acreditam que somente acumular títulos, comendas, medalhas, diplomas, pins, alfaias corruscantes e homenagens construirão uma “carreira” dentro da Maçonaria — como se esta fosse uma instituição burocrática comum, e não uma escola iniciática.
Poucos, contudo, atingem os postos almejados; a maioria se frustra ou abandona a busca quando percebe que o reconhecimento verdadeiro é sutil, silencioso e raramente vem do palco, mas da consciência tranquila e do respeito dos que caminham com integridade. Afinal, o Grau representa a elevação interior, o progresso pessoal e espiritual. Já o Cargo, embora necessário para a organização da Potência, é transitório, funcional, e jamais deveria se sobrepor à essência iniciática da jornada maçônica.
Assim, a verdadeira pergunta não deveria ser “qual o seu Cargo?” ou “qual o seu Grau?”, mas sim: “o que você tem feito com o que aprendeu?” ou “como a sua vida mudou depois que você foi iniciado?”, porque na Maçonaria — como na vida — mais importante do que títulos é a transformação real do ser.
É pensamento majoritário na Maçonaria de que o Grau mais instigante é o de Aprendiz Maçom e o melhor e o maior Cargo é o de “irmão” e esta é a forma mais afetuosa que podemos tratar uma pessoa. Senão vejamos. Pode parecer paradoxal, sobretudo àqueles que projetam sua jornada como uma escada hierárquica rumo a cargos e títulos, mas não há nada mais profundo, simbólico e transformador do que o primeiro grau ou o primeiro, libertador e decisivo, passo no Templo do autoconhecimento.
O Aprendiz não é um iniciado em formação — ele é a própria essência da iniciação. Sua postura de escuta, seu silêncio reflexivo, sua atenção às lições básicas da arte real representam o espírito ideal do maçom em todos os estágios. Quem permanece, mesmo em altos graus, com a alma de um verdadeiro Aprendiz, demonstra humildade, abertura e disposição constante para aprender. A sabedoria começa exatamente aí: no reconhecimento de que jamais saberemos tudo e de que sempre haverá uma pedra a desbastar.
Na mesma linha, não é exagero dizer que o maior de todos os Cargos é simplesmente o de Irmão. Títulos administrativos vêm e vão – Grão-Mestre, Venerável Mestre, Vigilante, Orador, Tesoureiro, Secretário, Chanceler, Delegado, Deputado, etc., – todos são funções úteis, sim, mas temporárias. O título efetivo de Irmão, porém, é eterno dentro da Ordem. Ele não é dado por eleição, não é conquistado por influência, nem é perdido com o fim de um mandato. É um laço que une todos os obreiros, independentemente de Potência ou Rito.
Chamar alguém de irmão é reconhecer nele um semelhante, alguém com quem se compartilha valores, aspirações e responsabilidades. É, sobretudo, um gesto de afeto e respeito. Ao tratarmos alguém como irmão, afirmamos que não há superioridade, apenas fraternidade. E, no mundo profano cada vez mais marcado por disputas de vaidade, egos inflados e relações utilitárias, a Maçonaria se mantém firme como um refúgio onde o título mais nobre é o de quem estende a mão e caminha ao lado.
Não são todas as Oficinas que estão preparadas para um diálogo aberto e franco sobre esse e outros temas momentosos, mormente em face do medo de instaurar-se clima desfavorável, agora que a peste do “nós x eles”, ódio do bem e ódio do mal, está até mesmo dentro de nossas famílias. E aí, fazer o quê? A opção costuma ser a de ceder a qualquer nova ideia, na expectativa de parecer moderno, sem se envolver, ou recorrer à estratégica política da cara de paisagem e continuar o jogo dentro das quatro linhas do campo, concebendo que a bola está sempre do outro lado. Porém, na Maçonaria, o trunfo ainda é ser irmão e aí reside a esperança de tempos melhores.
E que assim permaneça. Que nunca esqueçamos que o verdadeiro progresso não se mede por quantos graus acumulamos ou quantos cargos exercemos, mas sim por quanta luz conseguimos refletir – como obreiros em permanente estágio de aprendizagem – e por quantas mãos fomos capazes de apertar sinceramente, como irmãos desinteressados e de bom coração.
“A beleza do aprendizado é que ninguém pode roubá-lo de você.” (B. B. King).
(*) *Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro da Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda (BH); Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON; Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras de Piracicaba (SP); Membro Correspondente da Academia Internacional de Maçons Imortais; e, colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.
Notas
[1] Ver artigo “O Capital Social da Maçonaria”, publicado no Blog “O Ponto Dentro do Círculo”, em 04.09.2015: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2015/09/04/o-capital-social-da-maconaria/
A elaboração deste trabalho contou com o uso da Inteligência Artificial, por intermédio do Chat.GPT, subsidiando as pesquisas: https://chat.openai.com/.
Fonte: https://opontodentrocirculo.com
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