Por toda parte, no mundo moderno, avolumam-se e multiplicam-se os chamados grandes problemas da condição humana: a fome, a miséria, o subdesenvolvimento, as guerras, as lutas insensatas por um pedaço de terra ou por uma crença, em que pese o crescimento e progresso da tecnologia e das ciências. Os frutos amargos e as variantes de sofrimento que acarretam, por sua continuidade e persistente falta de solução, atingem fundo o Homem na carne e no espírito.
À visão desse quadro pareceria, pois, que quanto mais desprovido de meios ou de recursos, ou de acesso à Educação e à Informação, mais seria o Homem propenso a gerar tais problemas. Mas, não. Hoje, um mal que tem se avolumado desde as últimas décadas, talvez mais grave que esses outros, por ser mais profundo, invade o organismo social e exatamente através dos povos mais evoluídos e das pessoas mais civilizadas. É como que uma desintegração, uma deterioração do próprio Homem.
Não se pode negar que o mundo atual, mercê de suas fantásticas realizações e progresso, é maravilhoso e o Homem, orgulhoso do poder que exerce sobre a matéria e a vida, parece estar atingindo um domínio cada vez melhor sobre essas mesmas realizações. Todavia, na medida em que vai se apoderando do Universo pela ciência e pela técnica, o Homem também está gradativamente perdendo o domínio de seu Universo Interior. Mergulhando no mistério dos mundos – dos infinitamente pequenos e dos infinitamente grandes – perde-se em seus próprios mistérios. Cego de orgulho, pretende agora dirigir a Obra Divina quando se esqueceu de como dirigir a si mesmo. Domesticou a matéria, sim, mas eis que ela se volta contra ele e o torna seu escravo, levando-lhe o espírito à agonia.
Não perderá tudo, então, o Homem se vier a perder o espírito? Sem a primazia desse espírito, é forçoso compreender, não haverá mais Homem. A matéria se organiza sob suas mãos e prossegue através dos tempos porque a idéia nasce exatamente do espírito, que engendra o plano, faz a cidade se erguer da terra e a máquina sair da fábrica. É porque o espírito concebe e vê a Beleza que o mármore inanimado toma vida e se transforma em estátua, que as cordas ressoam em notas harmoniosas, que as cores se combinam e enlevam; é porque o espírito alça vôo em direção a outros espíritos que o Amor nasce e vive, que os Homens se unem e a Humanidade cresce e progride.
Mas, quando esse mesmo espírito se deteriora, o Homem periga. A carne gerada pelo seu Amor, a máquina que construiu, a cidade que ergueu, o mundo que edificou voltam-se contra ele e o esmagam. Essa tem sido a triste e repetida história de muitas civilizações desde que o primeiro Homem deixou atrás de si os portais do Paraíso Perdido. Muito poucas dessas civilizações caíram mercê de golpes externos pois que a maioria foi seu próprio carrasco, minadas que estavam interiormente por uma lenta mas inexorável deterioração.
Que postura paradoxal e angustiante a nossa! Para salvarmos a civilização temos participado de monstruosos genocídios; por isso morreram milhões e outros tantos milhões padeceram atrozmente. E ainda assim continuamos nos armando e armazenando forças terríveis, quais aprendizes de feiticeiro irresponsáveis e despreparados, capazes de extirpar todo sopro de vida da face do planeta!
A civilização está em perigo, mas não tanto em suas fronteiras geográficas; o perigo está nas fronteiras do próprio coração humano. O vírus dessa insanidade está em nosso interior, fortificando-se continuamente pois é alimentado pela materialidade, que oferece ao corpo as delícias e ao espírito o orgulho do poder. E os frutos disso estão aí, diante de nossos olhos e os estamos colhendo a mancheias. A moralidade decai vertiginosamente e as doenças mentais e os desequilíbrios de toda sorte nos oferecem um trágico retrato do Homem denominado “civilizado”, servido por um exército cada vez maior de Psicanalistas e Psiquiatras que tentam salvar-lhe o espírito. E é esse mesmo Homem que se aventura agora a visitar outros planetas. Mas, qual será o conteúdo desse Homem?
Todavia, apesar de tudo, não temos o direito de frear o progresso do mundo e sim o dever de trabalhar para esse progresso, particularmente nós Maçons, pois temos por missão dar continuidade à construção iniciada pelo Grande Arquiteto do Universo. É preciso que trabalhemos para reconquistar a consciência de nosso espírito, refazendo-nos para que o Universo – por nós – seja refeito na Ordem e no Amor.
Temos que compreender que quanto maiores forem as facilidades de viver e gozar, mais necessidade de Luz teremos para compreender que essas mesmas facilidades não são mais que meios para atingirmos um fim mais alto; mais necessidade de amor fraterno teremos, a fim de não capitalizá-las em nosso próprio benefício e em detrimento de nossos semelhantes, particularmente os desvalidos e os indefesos. Da mesma forma que, à medida que uma construção progride, ela reclama do engenheiro cálculos mais precisos e mão mais segura, assim também, para que possamos construir mais solidamente o mundo que vai crescendo, devemos animá-lo mais com Espírito e Amor.
E também, se nosso espírito cai vencido em face da matéria triunfante é porque se esquece, ignora ou nega que toda sua força proveio de uma única força, o Criador. Esquecendo-nos ou afastando-nos Dele nós continuamos a produzir mais porém, perpétuos esfomeados e lançamo-nos sobre esses bens sem jamais nos saciarmos. Que infernal esse círculo vicioso onde as necessidades surgem mais depressa do que nascem as coisas e onde nós, escravos, nos debruçamos para colher os frutos da matéria que geramos e terminamos por tombar de joelhos diante de um novo ídolo. Afastados da fonte onipotente de Vida, que é o Grande Arquiteto do Universo, fazemos das coisas o nosso deus, arvoramo-nos em deuses, usamos a nós mesmos em lugar Dele.
Nosso sonho, como Homens, sempre foi o de sermos totalmente senhores de nossa existência e nisso temos razão, pois que nossa superioridade sobre o animal consiste em podermos nos analisar, analisar o mundo, julgar e dirigir nossas vidas segundo as normas de nossos ideais. Mas, sós e auto-suficientes somos inconcebíveis. Se quisermos nos realizar devemos nos abrir livre e totalmente para os nossos semelhantes. Não estamos sós, estamos ligados indissoluvelmente uns aos outros e devemos nos unir uns aos outros, especialmente dentro da Maçonaria, para podermos nos encontrar, pois que somente o santo é um Homem realizado e completamente liberto de si mesmo.
Como Maçons, pois, é nossa missão sagrada nos envolvermos na luta para deter a progressão de todo esse mal e lançar luz onde as trevas invadem, resgatando nosso espírito. Embora simbolicamente, firmamos com sangue o compromisso de participação na obra da Criação. Que só repousem, então, nossos instrumentos de trabalho quando não houver mais sobre a face da Terra uma única criatura que seja uma fome sem alimento, uma sede sem água, uma pergunta sem resposta ou um amor sem Amor.
A Humanidade no pensamento do Grande Arquiteto do Universo é uma só família de filhos gerados pelo mesmo Pai. Cada um de nós, então, precisa refazer interiormente a unidade original da Humanidade, redefinindo nossa própria síntese. E não poderemos nos considerar acabados enquanto um só de nossos irmãos universais ficar excluído dela e enquanto não pudermos lealmente chamar a nós mesmos de irmãos.
Fonte: JBNews - Informativo nº 227 - 12.04.2011
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