Em 24/08/2020 o Respeitável Irmão Felipe Junior Costa Simões, Loja Alípio Soares, 4.576, REAA, GOB-MG, Oriente de Conceição do Mato Dentro, Estado de Minas Gerais, apresenta as questões seguintes:
QUESTIONAMENTOS SOBRE O REAA
Sou um apaixonado pela Maçonaria e suas histórias, na medida do possível tento ler muito sobre a ordem e seus ritos, especialmente o REAA ao qual faço parte desde minha iniciação. Minha cidade é do interior e fica a 160 km da capital Belo Horizonte, cerca de três horas de viagem, mesmo assim, para os graus superiores me desloco a fim de buscar mais conhecimento.
Acompanho vosso trabalho há algum tempo, devido às peças de arquitetura e respostas aos irmãos pelo seu blog, inúmeras dúvidas surgiram. Como o irmão é o atual Secretário Geral de Orientação Ritualística, além de ser também uma referência e uma sumidade no REAA no Brasil. Venho humildemente expor minhas dúvidas, questionamentos e intenções de melhoria de nossa Ordem, especialmente no REAA.
As principais são referentes ao REAA, pois se entende que foi criado na França derivado ou batizado de Rito de Heredom possuindo apenas 25º, mas repensado e reformulado no EUA e criado o primeiro Supremo Conselho do Mundo do REAA em 1801 em Charleston, Carolina do Sul, acrescendo mais oito graus e tomando o formato de 33º como temos atualmente. Em 1855 Albert Pike iniciou uma reformulação do rito, organizando os graus e suas instruções, finalizando em 1877 dois anos após, mudando conforme sua principal obra Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of FreemasonryMoral e Dogma, publicado em 1871. Dando instruções aos maçons deste Rito dos graus 1º ao 32º.
Tendo em vista que nos EUA o REAA tem poucas lojas dos graus simbólicos e maior parte da adesão neste rito, vai do 4º ao 32º, pois o grau 33º é concedido por investidura como no Brasil, mas o processo é muito diferente.
Derivando desta pequena introdução, minhas dúvidas são:
Por que no Brasil usamos o avental errado e não o correto, pois sabemos que não devemos nos guiar pelo que achamos bonito ou feio e sim pelo que é certo, uma vez que somos buscadores da verdade?
Por que houve tantas mudanças no ritual do GOB, pois estou com uma relíquia Guia dos Maçons Escocezes, ou reguladores dos Trez Gráos Symbolicos do REAA de 1834.
Onde podemos usar de exemplo a pergunta de aprendiz, Sois Maçom? Obtendo respostas diferentes das de hoje. Com textos interessantes e completamente importantes para a formação de um maçom.
Não entendo também o motivo da proibição do uso das medalhas dos Graus Superiores em lojas Simbólicas, pois tudo faz parte de um rito apenas, por que não incentivar aos iniciados a seguir no caminho do conhecimento?
Pensando que as lojas espalhadas pelo interior, não tem uma porta de entrada que são as lojas de perfeição e muitos, muito mais do que temos conhecimento, param apenas no grau de Mestre e creem que isso é a plenitude.
Porque as instruções dos graus simbólicos no ritual do GOB são tão poucas? Falando com respeito a Potência, porque é tão pobre em informações? Talvez não existisse outra forma de melhorarmos isso?
Hoje fazendo os graus superiores, vejo a falta de instrução na base maçônica, pois se não fosse pelo meu interesse e curiosidade, teria muitas dificuldades para responder coisas simples e também, vejo essa dificuldade nos irmãos dos interiores.
Porque os graus superiores ou filosóficos do REAA são tão diferentes de potência para potência? Sendo o mesmo no mundo, seus ensinamentos derivam de dois tipos de filosofia, mas no REAA tem apenas um objetivo, quando tive acesso a rituais do outro supremo conselho vi que muitas coisas como PALAVRAS, toques e sinais variam, confundindo completamente os irmãos do rito, pois com a intervisitação sendo algo normal hoje, ficamos perdidos quando chegamos a uma loja, até mesmo no simbolismo.
Porque usamos a palavra de aprendiz errada, uma vez que comprovadamente a palavra correta é a usada pelas GL?
Com todas essas dúvidas corriqueiras, imagino, seria utopia termos um Rito, unido pela verdade, com todos os rituais iguais e seus ensinamentos? Imagine como seria importante termos uma base educadora como nos EUA, onde as Blue Lodge são os mesmos rituais praticados em todos os estados, ou como o Rito de York, que no mundo todo tem o mesmo ritual, mudando apenas expressões e palavras conforme as tradições locais, mas sem alterar a essência ou sentido do rito?
Claro que sei que toda mudança gera problemas ou controvérsias, pois cada um absorve a maçonaria de forma gradual, conforme for passado ao iniciado que por si, busca sempre a verdade. Sendo um eterno aprendiz, alimento a esperança de termos um ritual apenas, com todas as coisas de direito do rito que foram retiradas ou acrescentadas erroneamente, fruto de brigas por vaidade de vaidades, pois percebemos que muitas vezes tudo é vaidade, mesmo que não queiramos admitir, nossa lapidação depende mais do que meia dúzia de instruções em loja e mais de instruções sobre a ordem, sobre o rito, sobre nossa história e principalmente, como os ensinamentos maçônicos podem ser ministrados no mundo profano, para sermos homens livres de preconceito, de termos os bons costumes da tolerância e por fim, termos o amor incondicional, tanto por nossos irmãos quanto por nosso próximo.
Por fim, despeço, esperando um retorno para preencher um vazio que paira sobre minha mente, uma forma mais assertiva que podemos mudar o que está errado e buscar firmemente a VERDADE absoluta. Eu acredito que sejamos capazes de mudar o presente e criar um futuro melhor, mas para isso devemos entender o passado, com ele nos fortalecer e amadurecer para que sejamos dignos do legado que temos.
Li atentamente a sua súplica e de início me cabe salientar que no trato com as coisas dos ritos e rituais maçônicos a empreitada não é fácil, sendo que muitas vezes podem existir muitas opiniões divergentes, das quais a grande maioria advém de paixões e julgamentos próprios que não tenham sequer passado por uma análise mais crítica e racional.
Quando se trata do REAA as coisas se complicam ainda mais, principalmente pelo desconhecimento que acompanha boa parte dos pretensos estudiosos da história e da liturgia desse rito. Aqui no Brasil, sobretudo pela presença de três Obediências, ainda há uma infinidade de rituais que foram um dia construídos para servirem os ritos por aqui praticados.
Nesse sentido, infelizmente, a grande maioria deles, para não dizer a sua quase totalidade, ainda traz elementos conflitantes hauridos de enxertos, invenções e outros procedimentos contraditórios. Mesmo assim, pseudos ritualistas se abraçam a esses rituais anacrônicos tendo-os como elementos verdadeiros, o que tem causado ainda mais estragos na cultura ritualística.
Assim, dentro do que é mencionado na sua questão, deixo esse pequeno texto no qual procuro abordar de modo superficial as suas colocações. Segue o texto.
No que diz respeito a cor do REAA, infelizmente algumas Obediências no Brasil equivocadamente de há muito adotaram a cor azul para o avental do Mestre Maçom do REAA. Eu, assim como uma gama de outros tantos autores, já escrevi bastante sobre isso. Não depende só da minha vontade como Secretário Geral de Orientação Ritualística do GOB fazer essa correção, pois esse processo muitas vezes se torna demasiadamente desgastante, sobretudo porque nem sempre são os conhecedores autênticos do assunto que se posicionam.
É comum nessas oportunidades fluírem paixões e opiniões particulares. No que diz respeito ao assunto no GOB, podemos afirmar que já tivemos a cor encarnada corretamente implantada no REAA, contudo paulatinamente, influenciado por Irmãos egressos de outra Obediência que por aqui aportaram, o GOB acabou alterando para azul a cor de aventais que são reconhecidamente vermelhos.
É bem verdade que houve também influência de outros Ritos que reconhecidamente adotam a cor azul. Por tudo isso somado é que os aventais vermelhos do escocesismo acabaram equivocadamente azulados no GOB.
Sobre o retorno às origens, eu ainda pretendo propor essa correção, embora saiba que haverá resistência ferrenha em prol dos “azuis”, principalmente por aqueles que, não se importando com o que correto, “acham” o azul mais bonito que o vermelho.
A propósito, não é só o avental do Mestre Maçom do REAA que deve ser orlado em vermelho, mas também a cor encarnada para os elementos decorativos do Templo (dossel, toalhas e estofos), além das paredes do interior da sala da Loja.
Sobre os rituais brasileiros, em que pese as diferenças entre os ritos conhecidos por azuis e vermelhos, os do REAA (vermelho) indubitavelmente são os que possuem o maior número de equívocos. Isso é até compreensível se levarmos em conta a história da Maçonaria Brasileira que teve seu início ainda em um Brasil Colônia.
Adotar simplesmente um ritual antigo não significa retorno às origens. Um bom exemplo disso pode ser constatado na posição das Colunas B e J que não raramente encontram-se invertidas, isto é, contrárias ao que verdadeiramente expressa o REAA (B a esquerda de quem entra e J à direita). Muitos desses rituais escoceses brasileiros antigos trazem a posição das colunas invertidas, isto é, posicionadas de modo análogo ao do Rito Moderno, ou Francês, e do Rito Adonhiramita (J e B).
A bem da verdade, falar em ritual do REAA original é algo muito complexo e carece de uma investigação minuciosa, isto é, desde 1804 na França, época em que apareceu de fato o primeiro ritual para o simbolismo do REAA. Compreenda-se que nos EE. UU. da América do Norte, onde o rito ganhou o título de Escocês em 1801 quando foi então alçado de 25 para 33 graus (por uma constituição forjada), na verdade não eram 33 graus, mas 30 graus, já não havia simbolismo para o Rito em questão naquela ocasião. Esse problema era solucionado em solo norte-americano se fazendo uso dos rituais do Craft da Maçonaria norte-americana conhecido com as Blue Lodges (o termo simbolismo ainda era desconhecido na época). Assim ficavam 30 Altos Graus mais outros três primários emprestados das Blue Lodges.
A história da sedimentação dos rituais simbólicos do REAA é longa, exaustiva e muitas vezes complicada, sobretudo pelas adequações já iniciais oriundas das Lojas Capitulares (hoje extintas) criadas pelo Grande Oriente da França no século XIX para acomodar sua ingerência sobre os graus da Perfeição e do Capítulo do Segundo Supremo Conselho do REAA em França.
Desse modo, reitera-se que em termos de Brasil não é tão simples se pensar na adoção de um ritual só porque foi ele por aqui praticado em tempos passados. Repito que a imensa maioria desses rituais traz consigo uma constelação de enxertos e achismos que às vezes tem feito alguns ritos se tornarem verdadeiras colchas de retalho.
No que diz respeito às insígnias de graus superiores não serem usadas no simbolismo eu penso que é atitude correta, pois as Obediências não são Altos Corpos, portanto a elas destina-se apenas o simbolismo que atende à Maçonaria Universal, que é composta única e exclusivamente por três graus – Aprendiz, Companheiro e Mestre. Graus superiores, laterais, ou de aperfeiçoamento, são peculiaridades dos ritos e não devem interceder no simbolismo, sobretudo para não ferir a unidade simbólica.
É certo que cada qual atue na sua competência. Simbolismo não se mistura com graus superiores porque existem ritos que não possuem sequer um grau além do de Mestre e nem por isso eles se caracterizam como inferiores aos que possuem mais ou menos Altos Graus.
Desse modo, é correto que nos trabalhos do simbolismo utilizem-se apenas insígnias e paramentos do simbolismo, não importando o rito. É oportuno lembrar que os Altos Corpos não se envolvem no simbolismo dos Ritos, e vice-versa. Pensar ao contrário é atitude equivocada.
Desde os meados do século passado o GOB deixou de ser uma Obediência mista, isto é, desvinculada dos Supremos Conselhos. Assim, uma Potência Simbólica atua apenas e tão somente no simbolismo que é composto universalmente por três graus, enquanto que compete aos Altos Corpos, Supremos Conselhos, etc., gerenciar os demais graus, não havendo, sob qualquer hipótese, interferência de uma sobre a outra.
Oitocentos anos de história autêntica da Maçonaria podem comprovar que na Maçonaria Primitiva só existiam duas classes de trabalhadores (não eram graus). O grau especulativo de Mestre Maçom somente viria aparecer já na Moderna Maçonaria no ano de 1725. A partir da adoção do 3º Grau, com ele se estabeleceu a plenitude maçônica. Graus acima do terceiro, como dito, é particularidade de rito. Nenhum rito para ser reconhecido carece de algum grau além do de Mestre Maçom, portanto a plenitude é atingida quando o maçom alcança o 3º Grau. Não existe nenhuma regra que obrigue o Maçom seguir jornada além do Mestrado. Essa é uma opção dele, o que não o faz inferior, sob nenhuma hipótese, diante de um maçom que esteja colado em um ou mais graus superiores – plenitude é o Grau de Mestre Maçom.
Em relação às instruções e o ritual, devo mencionar que originalmente, não é apropriado o ritual trazer instruções. Ritual expressa e orienta a execução da cerimônia de um rito. A liturgia ordena a cerimônia.
Na verdade, as instruções só ingressaram nos rituais em tempos mais recentes, principalmente como uma maneira de obrigar as Lojas a ministrarem instruções aos seus operários, já que havia muita carência desse procedimento. Foi assim que os rituais acabaram ganhando um período específico para o estudo.
Sob a óptica da razão, as Lojas é que deveriam promover instruções em sessões apropriadas para isso. Para tal seria de boa geometria que as Lojas possuíssem instrutores de habilidade comprovada e trazida de conhecimento haurido de fontes de água limpa (bibliografia autêntica).
De fato, é de competência das Obediências Maçônicas fornecer através das suas Secretarias de Cultura, material e informações que orientem o aprimoramento do quadro da Loja. É bom que se diga que em se tratando de roteiros bibliográficos, é de bom alvitre que antes seja separado o joio do trigo
Em que pese as instruções dos rituais até parecerem pobres, afirmo que que elas não são, mesmo que reduzidas. O que é preciso é desenvolver um método e sobre elas traçar instruções organizadas. Assim, vários tópicos mencionados naquela dialética podem ser perscrutados com profundidade e busca de bibliografia auxiliar. As instruções não se resumem numa simples repetição de perguntas e respostas. Cada uma delas inspira outras mais. As Lojas, além das instruções contidas no ritual, precisam também preparar material para instruir os seus Aprendizes, Companheiros e Mestres. Material para pesquisa é o que não falta, desde que se saiba separar o real do aparente. Um belíssimo elemento para instrução e que pode ocupar muitos períodos de instrução é o Painel do Grau. Simplesmente todo o caminho iniciático do Grau ali está contido. Vide, por exemplo, as preleções das Tábuas de Delinear do Craft. São procedimentos que se equivalem, mesmo em ritos diferentes. Cada qual diligenciando os seus símbolos.
No que diz respeito às diferenças existentes entre os graus superiores de um mesmo Rito em Altos Corpos distintos, entendo que isso deveria ser respondido pelos canais competentes das respectivas delegacias litúrgicas. É bom que se diga que no Brasil, vivemos uma Maçonaria de raiz latina e que tudo precisa estar escrito senão o maçom não acredita.
Veja, em se tratando de Brasil só para o REAA possuímos Supremos Conselhos relacionados às Grandes Lojas, ao GOB, e ainda aqueles relativos à COMAB. Desse modo, não é de se estranhar que num mesmo rito existam práticas diferenciadas, sobretudo por se tratar de uma Maçonaria que é filha espiritual da França, portanto, latina. Reitero essas diferenças e contra-sensos devem ser encaminhadas aos Corpos Litúrgicos de cada um dos Altos Corpos ou Supremos Conselhos que atuam por aqui.
Cabe destacar ainda, que nos EE. UU. cada uma das suas Grandes Lojas possui o seu ritual. É bem verdade que todos estruturados sobre uma mesma espinha dorsal, contudo, nem tanto como aqui no Brasil, mas há diferenças entre alguns dos rituais das Lojas Azuis dependendo à qual Grande Loja que eles venham a pertencer.
Por fim, pensar em unificação de ritos e rituais aqui no Brasil eu diria que é coisa humanamente impossível pois cada Obediência, no melhor dos costumes latinos, entende que o seu ritual é que é o certo. Só isso basta para que não haja consenso. Quem sabe um dia isso até seja possível, mas até lá devemos procurar a Verdade para que possamos compreender aquilo que é certo e aquilo que é errado. Enquanto isso eu tenho feito tudo o que me é possível para transmitir o que apurei nos meus mais de trinta anos de estudos sobre a nossa Sublime Instituição. Por certo que os meus apontamentos não são laudatórios, contudo, continuo com as minhas convicções. Tenho procurado sustenta-las com estudo acadêmico e bom senso, até que algo comprovadamente novo e verdadeiro me faça, quem sabe, mudar de opinião.
T.F.A.
PEDRO JUK - jukirm@hotmail.com
Fonte: http://pedro-juk.blogspot.com.br
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