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PERGUNTAS & RESPOSTAS

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sexta-feira, 2 de agosto de 2024

DO FIO DE PRUMO AO NÍVEL

Por Joaquim Grave dos Santos

Do fio de prumo ao nível, da construção pessoal ao combate pela equidade social

Subordinado ao Fio de Prumo, Jóia Móvel do 2° Vigilante, o Aprendiz trabalhou na vertical, na profundidade de si mesmo, aprendendo a conhecer melhor as irregularidades da sua Pedra Bruta, e a retificá-las. Muito embora este labor não tenha cessado, porque tanto o autoconhecimento como o autoaperfeiçoamento estão sempre na base de qualquer trabalho iniciático, ao passar da Perpendicular ao Nível, o novo Companheiro depara-se com uma dimensão até então inexplorada, a horizontalidade. Que interpretação podemos retirar desta descoberta, e deste Instrumento Simbólico que acabou de receber, e que é também a Joia Móvel do Vigilante da sua Coluna?

De acordo com um Ritual do Rito Francês já do meio do século XIX, “o Nível, que orna o 1° Vigilante, simboliza a igualdade social, base do direito natural”. Também no nosso Ritual de Elevação ao 2° Grau, o Recipiendário, que recebe o Nível e o Fio de Prumo para realizar a sua Quarta Viagem de Instrução, na qual irá descobrir o quadro temático “A Humanidade”, é exortado pelo Venerável Mestre a progredir “para a Justiça e para a Igualdade”, através do bom uso destes instrumentos. Salienta-se também que, nesta Cerimónia, de todas as ferramentas recebidas no decurso das Cinco Viagens do Companheiro, é precisamente o Nível que o Recipiendário é convidado a depositar na Mesa dos Compromissos, juntamente com a Trolha, estando o mesmo presente na fórmula da obrigação deste Grau: “Sobre este Nível, emblema da igualdade social…’.

Não restam, pois, dúvidas que existe, no Rito Francês, uma interpretação societária muito acentuada, no que concerne a este Símbolo, que é sobejamente enfatizada nos textos que integram os seus Rituais. Mas também resulta igualmente claro que, neste sistema de trabalho Maçónico, horizontalidade e verticalidade são eixos inseparáveis, aparentemente opostos, mas na realidade complementares, que se revelam indispensáveis na comprovação da adequação da Obra realizada. O conhecimento adquirido pelo Aprendiz no decurso da sua experiência iniciática “na vertical’, deverá agora ser empregue aprofundando “na horizontal’ o seu relacionamento com os seus semelhantes, de modo a que desta conjugação de domínios resulte um contributo mais efetivo para o progresso da sociedade. Contributo este que deve ser fundamentado numa perspetiva mais abrangente do mundo, plano no qual o Companheiro se integra, explorado sem dogmas nem preconceitos, à luz de um novo olhar sobre os factos sociais, verificados a Nível e a Fio de Prumo. Observação esta na qual “o Maçon deve fazer prova de prudência, de estabilidade, e de equilíbrio, mas também de espirito crítico e de invenção, tirando sempre partido das lições da experiência’.

Esta inseparabilidade da vertical e da horizontal encontra-se, aliás, bem presente no funcionamento mecânico do Nível. Este instrumento é composto por um Fio de Prumo, que só equilibrará numa posição vertical, se a base de sustentação das suas pernas for perfeitamente horizontal. Ou seja, o “bom equilíbrio’ só é conseguido quando todos os pontos, que compõem os seus apoios no plano, se encontram à mesma cota altimétrica. Pessoalmente, penso que esta realidade física, transposta analogicamente para o contexto do relacionamento interpessoal, ilustra que a nossa interação com os nossos semelhantes só pode ser positivamente equilibrada, quando baseada na equidade, e no respeito pelas liberdades e pelos direitos dos outros, ponto de partida essencial para que se verifique a reciprocidade de comportamentos relativamente a nós próprios. E porque não há planos perfeitamente horizontais, o Rito Francês faculta-nos ainda a Trolha, para rematarmos a Obra, colmatando com o cimento da Tolerância, da Fraternidade, e da Solidariedade, os pequenos desníveis que possam prejudicar a perfeita verticalidade do Fio de Prumo, que integra o Nível. Compete ao Maçon, enquanto Obreiro esclarecido, e conhecedor tanto dos Planos da Obra como das boas regras da Arte, determinar quando o cimento já não é suficiente para equilibrar este instrumento de controlo. Desníveis existem, que introduzem tais desequilíbrios, que só pela desconstrução e pela posterior reconstrução do trabalho realizado, se torna possível obter o aprumo necessário à boa qualidade do Edifício. Princípio este, que tanto se aplica à Construção do Templo Interior, que é o Homem, como do Templo Exterior, que é a Sociedade.

Assim, o Companheiro, que aceitou o desafio do combate da passagem da Pedra Bruta à Pedra Cúbica Pontiaguda, deve tomar consciência que, com este Aumento de Salário, o seu trabalho iniciático deixou de se focalizar apenas em si próprio, pois a Maçonaria do Rito Francês não tem por objeto apenas o aperfeiçoamento ético e intelectual dos indivíduos, busca também o progresso moral e material das sociedades. É nesta dupla demanda, que se fundamenta o percurso iniciático neste sistema Maçónico, que visa transformar o Maçon num melhor Homem, e num melhor Cidadão, construtor de uma sociedade mais justa, que ambiciona ser Universal. Ideal este que se persegue, através de um trabalho incessante, que tem a Estrela Flamejante por guia, e o Mundo por horizonte. E, porque neste nosso Rito terreno, a Perfeição é um conceito que não existe, aqui a Pedra Cúbica não representa a Pedra de Fecho da Obra, na qual o Maçon aspira converter-se, é tão somente o sítio onde o Companheiro afia as suas ferramentas, como é claramente referido nos textos das nossas antigas Instruções do século XVIII, para depois retornar ao desbaste da sua Pedra, sempre Vigilante e Perseverante.

Meus Queridos Irmãos recentemente recebidos neste novo Grau, é tempo de começarem a procurar a melhor posição na qual a vossa Pedra, já aperfeiçoada pelo trabalho do Aprendiz, melhor se integra nas Grandes Obras da Maçonaria, e da Sociedade. À criança, que configura o neófito que fostes, sucede-se o jovem, que procura completar a sua formação, mas que já é chamado a participar ativamente nos Trabalhos da Oficina, e da Cidade. A Maçonaria, como todas as Artes Operativas, aprende-se fazendo, pois toda a ação é também uma nova fonte de aprendizagem. Espera-se, pois de vós, a partir de agora uma maior proatividade. Não basta ficarem apenas pela observação do Trabalho dos Mestres, sempre fecunda em termos de Transmissão. Importa agora que também parteis à procura de novas “verdades aqui adquiridas”, através das leituras e da reflexão, das viagens a outros Estaleiros, e da oportunidade de participação nos debates, que agora se vos apresenta. É um novo direito, que devereis aproveitar com ponderação, sempre que sentirdes que a vossa Palavra poderá acrescentar algo de útil à Prancha coletiva que está a ser traçada. Devereis ter sempre em atenção que essas “verdades aqui adquiridas” se tornarão estéreis, se não forem devidamente irradiadas através de uma ação consistente no mundo profano, que contribua para fazer despertar a tal “Humanidade melhor e mais iluminada”, que alimenta a nossa Utopia, e a nossa fé de Maçons. Parti, pois, meus Queridos Irmãos Companheiros, para esta viagem iniciática de Estaleiro em Estaleiro, de livro em livro, de Sessão em Sessão, sempre com o bordão na mão, e a sacola das ferramentas às costas. Segui a nossa Estrela Polar, astro do Pensamento Livre que nos incita a Pensar, e a tomar o nosso destino nas nossas mãos, enquanto seres emancipados de obscurantismos, e dotados de Razão. Abastecei-vos com os alimentos do espírito, que saciarão a vossa fome e sede de conhecimentos e, tal como é dito no nosso Ritual, “que os nossos votos vos acompanhem”, pois os vossos passos, embora não tão guiados como o foram na vossa Idade anterior, continuarão a ser amparados, por uma Câmara do Meio ansiosa por vos receber. Sois Espigas de Trigo caídas à terra, nas quais depositamos as nossas intenções, e a nossa esperança de que vinguem, para que já suficientemente instruídos, se juntem a nós neste trabalho sempre difícil de traçar os planos de uma Obra tão imprevisível, como é a da construção de uma Loja Maçónica. Desfrutai, todavia, este vosso tempo de explorações, e de novas descobertas sem pressa, pois há todo um novo mundo para apreender e, “tudo chega para quem sabe esperar”.

Recordo com boa memória o meu tempo de Companheiro, que foi longo. O começar a usar da palavra não foi fácil. Era Obreiro de uma Loja na qual havia vários Irmãos de grande capacidade retórica e, durante o meu tempo de Aprendizagem, sempre achei que nunca conseguiria verbalizar com aquele brilho. A primeira vez que falei em Loja foi à força, o Venerável Mestre disse ao Vigilante que lhe parecia que eu tinha pedido a palavra, e assim fui projetado no abismo, sem ter sequer comigo o paraquedas de ter pensado antes no que iria dizer. Mas fui, a pouco e pouco, ganhando confiança, encorajado por constatar que as minhas primeiras intervenções, sempre muito tímidas, em geral até tinham bom acolhimento, e que as pequenas Pedras que ia acrescentando eram consideradas, pelos meus Irmãos e Irmãs, uteis para a Construção. Tudo isto fez-me compreender que pela Palavra se Constrói e, que em Maçonaria, se as demandas são individuais, a Obra é sempre coletiva. Depois, o Caminho fez-se caminhando, como diria o poeta António Machado.

Daí que eu pense que, nos nossos percursos Maçónicos, nunca devemos perder o espírito exploratório do Companheiro. As zonas de conforto conduzem sempre ao estancamento, pelo que experimentar a riqueza da diversidade, procurando trabalhar com novos grupos, novas formas de trabalho, são desafios que todo o Mestre não deve rejeitar. E, uma visão mais transversalizada da Maçonaria é sempre um meio excelente para compreendermos melhor o trabalho que se faz no nosso Rito, e na nossa Loja. Da mesma forma, a Ação é também um instrumento fundamental na nossa autoconstrução, e na nossa inserção no mundo profano, e parte integrante da nossa dupla demanda. Recordemo-nos novamente que, tal como escreveu o Irmão Philippe Guglielmi, num dos seu Editoriais da revista JOABEN,

“Do vazio íntimo, no momento da Iniciação quando morre o antigo homem, ao vazio social, página em branco de uma sociedade mais justa cujas regras se encontram por escrever, o Franco-maçom que trabalha no Rito Francês constrói a sua emancipação, tijolo após tijolo”

Termino pois, por aqui, esta minha Viagem de hoje, permanentemente disponível para novas aventuras intelectuais, e sempre pensando que, tal como cantou Jacques Brel, “telle est ma quête, suivre l’Etoile” !

Fonte: https://bibliot3ca.com

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