O PAVIMENTO MOSAICO DO TEMPLO
(Desconheço a autoria)
O peso do noviciado levou-me às primeiras fontes disponíveis: a Constituição do Grande Oriente do Brasil e seu Regulamento Geral e não encontrei ali qualquer referência ao Piso Mosaico. No manual do Rito Escocês Antigo e Aceito, de 1º grau, deparei-me com a Planta do Templo, na página XII. Vemos ali que o Pavimento Mosaico ocupa todo o Ocidente do Templo, em lajes assentadas em linhas diagonais. E nada mais é dito sobre o tema do meu trabalho em todo o Manual.
No entanto, nós, os aprendizes, fomos informados de que não devemos pisá-lo; de que é preciso contorná-lo no sentido horário em nossa circulação em Templo. Mais que isso, o piso domina o centro do Templo e nos enche de respeito à sua simbologia, ainda que, nesses primeiros contactos com a Maçonaria, desconheçamos o seu significado. Era preciso pesquisar mais, encontrar respostas a perguntas simples como: por que o branco e o preto? Por que o piso mosaico do nosso Templo não tem as mesmas dimensões e tipo de assentamento das lajes da planta apresentada no Manual?
As respostas que encontrei demonstram que pesquisar é imprescindível no exercício de ser Maçom. O primeiro tema desta pesquisa foi exatamente:
DE ONDE VEM A IDÉIA DE UM PISO DIFERENCIADO PARA TEMPLOS?
RIZZARDO DA CAMINO nos ensina que o Templo Maçônico contém ornamentos sem valor filosófico. Entre eles, a Estrela Flamígera, de raios ondulantes como chamas, com um “G” gravado em seu centro, e é, em muitos Templos inclusive este, colocada sobre o altar do 2º Vigilante; a Corda de 81 Nós e o Pavimento Mosaico.
Diz a lenda que Moisés, líder do povo hebreu na passagem bíblica do Êxodo, teria assentado pequenas pedras coloridas no chão do Tabernáculo, que era o templo móvel utilizado na longa caminhada dos hebreus. Aquelas pedras vieram a chamar-se ao longo da história, piso mosaico. A palavra “mosaico” pode ser usada tanto como adjetivo ou substantivo. Neste uso, serve hoje para designar “qualquer pavimento de ladrilhos ou os desenhos formados por pedras ou peças coloridas”, na definição de AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA. Como adjetivo, relaciona-se ao patriarca e líder Moisés, como nos exemplos “legislação mosaica”, “pavimento mosaico” e outros.
JOSÉ CASTELLANI, pesquisador maçônico, é muito enfático e convincente ao afirmar que o Piso Mosaico dos templos não tem origem hebréia e que melhor seria chamá-lo Pavimento Quadriculado, de origem sumeriana, não havendo qualquer ligação entre o piso colorido do Tabernáculo e o quadriculado que hoje conhecemos.
Os sumérios desenvolveram uma grande civilização na Mesopotâmia, região entre os rios Tigre e Eufrates, hoje em todos os noticiários em virtude da guerra no Iraque. Aquela civilização, já no século IV A. C., inventou a escrita, desenvolveu um tipo de administração baseada em Códigos, criou instrumentos de troca e de produção e formas de pensamento religioso; desenvolveu técnicas de construção e outros prodígios da inteligência humana. A religião foi a força motora de todo esse desenvolvimento e seu ideário serviu de base para toda a religiosidade cósmica do mundo antigo e da mitologia greco-romana. Entre os símbolos religiosos sumerianos, encontrava-se um pavimento quadriculado, composto de quadrados brancos e negros. Era território sagrado e só podia ser pisado pelo sacerdote hierarquicamente mais elevado, em dias de eventos importantes.
Outros povos usaram o piso sumeriano como motivo de decoração para seus templos, sem a atribuição de sagrado e é certo que os hebreus não o utilizaram.
A Maçonaria adotou para seus templos o piso quadriculado, sem a conotação de sagrado. Sequer houve unanimidade na adoção do piso, pois alguns ritos escoceses do século XVIII sequer o mencionam, ainda segundo JOSÉ CASTELLANI.
Quando a lenda é mais bonita que os fatos, adota-se a lenda. É linda a lenda segundo a qual o pavimento mosaico adornava o Templo de Jerusalém e que lá os antigos maçons teriam buscado inspiração para a adoção do Piso Mosaico. Mas os fatos apontam que não havia piso mosaico no Templo de Jerusalém e que sua origem é, verdadeiramente, sumeriana e sobre seu resgate como adorno dos templos maçônicos, falarei mais adiante.
Outra questão de que me ocupei nesta pesquisa foi:
POR QUE O PISO MOSAICO DO NOSSO TEMPLO PARECE UM TAPETE?
Vimos que o rito Escocês Antigo e Aceito sugere um piso que ocupe todo o Ocidente do Templo e que seus mosaicos sejam assentadas no sentido diagonal. No entanto, nosso piso mais lembra um tapete retangular, com 42 ladrilhos brancos e outro tanto de ladrilhos negros, assentados alternadamente como retângulos alinhados com o eixo central do Templo. Abraçando esse tapete de retângulos, vemos uma orla de triângulos, também esta de ladrilhos brancos e negros. Sobre o tapete, no centro do Ocidente, o Símbolo do Grau.
Estaríamos nós, da Respeitável Loja Aurora Lemense, e nossos Irmãos anfitriões da Respeitável Loja Barão de Ramalho, destoantes da grande família maçônica, marchando com o passo errado? Não! Também estamos certos, como descobri.
O Pavimento Mosaico, como adorno sem valor filosófico que é, não consta das obrigações estatuídas nos artigos da Constituição do Grande Oriente do Brasil. Mais que isso, o artigo 18 dessa Constituição, em seu inciso IV, assegura às lojas até o direito de mudar de Rito.
Aí entra outro tema obrigatório neste trabalho: os ritos.
RIZZARDO DA CAMINO, em seu trabalho “Introdução à Maçonaria”, lista 117 diferentes ritos maçônicos em ordem alfabética, indo do Rito da Adoção, que nasceu na França em 1730, que admite mulheres em seus quadros e é popular no Brasil, até o Rito Zodíaco Maçônico, que aplicava a astrologia em seus trabalhos e que teve efêmera duração. Entre eles, apenas como curiosidade, consta até um Rito Gaúcho, inspirado no Escocês Antigo e Aceito, que muda os três graus simbólicos para peão, capataz e patrão, ao invés dos nossos aprendiz, companheiro e mestre. (isso não confere, é uma confusão com um riutual extra da semana Farroupilha, praticado pelo GORS, mas não pode ser considerado rito).
Da longa lista, destacam-se dois ritos pertinentes ao tema do Pavimento Mosaico. Esses ritos são o SCHROEDER e o de YORK, ambos fundados na Europa no século XVIII, atualmente bastante divulgados entre os brasileiros e reconhecidos pelo Grande Oriente do Brasil.
Ambos se preocupam com os símbolos maçônicos e conclamam que o Pavimento Mosaico deve ter sua importância restaurada, readquirindo o status de espaço reservado, quase ao estilo sumeriano, podendo ser pisado apenas pelos candidatos à Iniciação, Elevação e Exaltação, e, ainda assim, uma única vez durante a cerimônia. Assim é nosso tapete retangular, que abriga o Painel de Grau, ao estilo SCHROEDER. O iniciado maçom, ao pisá-lo, deve caminhar na divisa entre os ladrilhos, na fina argamassa que une os mosaicos, caminhando na chamada via esotérica, mais fina que o fio da navalha.
POR QUE O BRANCO E O NEGRO?
Os templos sumérios adotaram o branco e o negro para seu piso sagrado. JOSÉ CASTELLANI afirma que o fizeram para “simbolizar os opostos: o dia e a noite, o bem e o mal, a virtude e o vício, o espírito e a matéria”, o que parece muito lógico hoje, quando essas duas cores são imediatamente associadas a tal antonímia. Ouso propor outra explicação: talvez os sacerdotes e arquitetos sumérios as tenham escolhido pela raridade, por sua combinação incomum há 25 séculos atrás. Imaginemos o grau de dificuldade em encontrar-se o branco e o negro perfeitos em pedras naturais, poli-las e combiná-las no interior de um templo. O efeito decorativo deve ter sido deslumbrante, inacessível aos mortais comuns de 2.500 anos atrás, e um efeito assim somente poderia ser encontrado no interior de uma obra grandiosa: um templo sumério.
A idéia se sustenta, pois ainda hoje há pigmentos raros. O vermelho carmim natural, por exemplo, somente é produzido através de um tipo de besouro encontrado apenas nos Andes e seu preço é estratosférico. O amarelo puro, ainda que sintético, é o corante mais caro dentre todos. Há apenas 500 anos atrás, o pau-brasil fez a fama de nosso País exatamente pela raridade do tom de seu pigmento, que tingia as vestes de autoridades eclesiásticas e de nobres das cortes européias.
Se hoje aceitamos com naturalidade que o branco e o negro simbolizam o bem e o mal, resta sabermos quando esse conceito foi trazido ao interior do Templo Maçônico, com finalidade estética e simbólica. Viajemos no tempo.
NICOLA ASLAN sugere o dia 24 de junho de 1717 como data histórica da fundação da Maçonaria moderna e que a história da própria Inglaterra até essa data deve ser o ponto de partida para os estudiosos maçônicos. O tempo histórico compreendido entre 1.277 e 1.666, foi conhecido como Maçonaria Operativa, quase um precursor dos atuais sindicatos. Naqueles tempos, os operários que exerciam algum ofício do tipo autônomo eram obrigados a aderir às respectivas Livery Companies. Os talhadores de pedras especializados organizaram a sua, a Company of Masons, que era uma das 91 associações de classe existentes em Londres e sequer figurava entre as 12 maiores e mais importantes. Mas ela resistiu.
Em 1666, o grande incêndio de Londres destruiria a sede da Company of Masons e a data coincide com o fim da Maçonaria Operativa e o início de um período de transição, que vai até o ano de 1 717.
Ainda estou pesquisando o Piso Mosaico, embora vos possa parecer uma longa volta no tema e no tempo.
Qual era o pensamento estético dominante nesse longínquo primórdio da Maçonaria moderna? Qual era o fermento social e político que formava o contorno dos pensamentos e preocupações desses precursores maçônicos? Pesquisemos.
Na França, a partir da ação de Richelieu, impôs-se o absolutismo, e o rei passou a ser o próprio Estado e a dominar também a Igreja francesa. Daí surgirem vários movimentos sócio-político-religiosos, havendo, inclusive, a luta aberta entre católicos e protestantes. As idéias absolutistas francesas deram o tom a outras sociedades européias.
A Espanha entrou em declínio, impondo-se a Inquisição e o fanatismo religioso. Embora surgissem intelectuais de altíssimo nível, a criação artística, no seu todo, decaiu consideravelmente, porque ela pede liberdade para florescer. Sufocada, a literatura autêntica foi substituída pela distorção do pensamento, a naturalidade foi substituída pela afetação.
Portugal, que desde 1580 passara a depender politicamente da Espanha, sentiu na própria carne o absolutismo, o Santo Ofício e a censura. Nem a restauração da Monarquia Portuguesa, em 1640, conseguiu reerguer o país ao brilhantismo do século anterior. A nação ficou adormecida e ensimesmada, até meados do século XVIII.
Na Inglaterra, o povo conhecia duzentos anos de guerras civis e religiosas, culminando com o mais baixo nível moral de sua história.
Diante de tais contornos sociais e políticos, o pensamento da época tinha duas características básicas: o cultismo e o conceptismo.
O cultismo é caracterizado pela afetação, pelo preciosismo, que faz da literatura um simples jogo. É o artificialismo dos jogos de palavras, com trocadilhos e empregos de termos com duplo sentido; dos jogos de imagens, que transfiguram a realidade; dos jogos de construções, com abundância de antíteses, principalmente.
O conceptismo caracteriza-se pelo jogo de conceitos. Os silogismos e as artimanhas da lógica substituem a experiência e o sentimento da própria vida. A tudo isso (cultismo e conceptismo) é que se dá o nome de Barroco, palavra que também designa o exagero de requintes nas artes, notadamente na literatura, arquitetura, escultura e na música.
Na pintura, ganhava destaque o jogo de luz e sombra, do branco e do negro como símbolos do bem e do mal, da virtude e do vício.
Tudo isso coincide com o surgimento das Sociedades para a Reforma da Conduta, que leva o autor NICOLA ASLAN a indagar-se: “Não teria a Maçonaria realizado a sua metamorfose de 1.717 a fim de servir de Sociedade para a Reforma da Conduta das classes superiores?” Mas eram tempos difíceis, de poder absoluto e conflitos e perseguições religiosas. Como já disse um crítico, “quando o espírito não pode criar, esmerilha frases.”
O propósito de reforma da conduta, se ocorrido, somente poderia ser demonstrado veladamente, através de símbolos, alegorias, jogos de palavras, distorção do sentido original dos vocábulos, que são, ainda hoje, as primeiras características da Maçonaria com que nós, os aprendizes, nos deparamos com alguma dificuldade. São características barrocas, próprias do período de formação da Maçonaria Operativa, e que persistem incrustadas nos ritos e permitem a longevidade da própria instituição. Como uma catedral gótica, a Maçonaria atravessa os séculos, provocando admiração e suscitando hipóteses.
O Pavimento Mosaico do Templo, simples ornamento de inspiração sumeriana, pode ter, naquela época barroca, adquirido o valor simbólico de contraste entre o Bem e o Mal, o Vício e a Virtude, entre Matéria e Espírito, e os maçons aceitos na fase aristocrática que se seguiu, deveriam caminhar na divisa entre os ladrilhos brancos e negros, na fina argamassa que une os mosaicos, caminhando na chamada via esotérica, mais fina que o fio da navalha.
Desta forma, dentro do contexto histórico e social do período operativo, que coincide com a fase barroca do pensamento humano, o branco e o negro podem ter sido o primeiro símbolo da Maçonaria como Sociedade para a Reforma da Conduta. Assim, aquele caminhar no fio da navalha que faz o candidato à Iniciação, aqueles passos na via esotérica, convivendo com as divergências e os opostos, podem abrir uma larga e luminosa estrada ao seu ideal e vislumbrar o objetivo básico da instituição, que é o alcance da Fraternidade Universal, através da reforma da conduta, entre outros preceitos.
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