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PERGUNTAS & RESPOSTAS

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domingo, 28 de abril de 2024

NOVIDADES SOBRE A ORIGEM DA MAÇONARIA ESPECULATIVA

J. Filardo
Desde sempre, os historiadores da Maçonaria vêm repetindo como papagaios que a Maçonaria Especulativa foi “inventada” em 1717 com a organização da Grande Loja de Londres, que se autodenomina Grande Loja Primaz da Maçonaria especulativa. Também toma para si a condição de Primeira Grande Loja de Maçons, o que é discutível visto que, conforme já publicamos anteriormente, https://bibliot3ca.com/a-verdadeira-primeira-grande-loja/ fora fundada uma Grande Loja de maçons operativos, em 1250, a Grande Loja de Colônia, Alemanha, quando da construção da Catedral.

Nesse século XXI, surgiram historiadores “profanos” que abordaram a história da Maçonaria no quadro da história geral da humanidade, abordando a fundação da Maçonaria sem achismos e argumentos infundados, usando métodos científicos, bem como abordagens isentas de paixão.

Desde a origem dos maçons operativos, em suas ligações com as ordens monásticas que explicam muita coisa, até a origem da maçonaria especulativa que foi deslocada do século XVIII para o final do século XVI e século XVII, explicando a fundação da Grande Loja de Londres no contexto histórico do momento e classificando esse evento mais como um “renascimento” da Maçonaria Especulativa que um “nascimento” súbito e improvável.

Ao sair da Antiguidade e ingressar na Idade Média, as corporações de pedreiros romanas ─ os Colégios ─ organizados em irmandades religiosas hierarquizadas, no culto de Mitras, assistem à substituição do seu deus solar por uma outra figura também herói solar que aproveita sua lenda para se estabelecer nos escombros do Império Romano: o Cristianismo.

Apesar de não ser unanimidade entre os historiadores, uma teoria formulada para a transição dos colégios romanos para as irmandades de pedreiros foi que na região do Lago de Como, mais particularmente em uma ilha chamada Comacine, havia um mosteiro que abrigou membros remanescentes dos colégios romanos, e que esses “monges” assumiram o papel de construtores e se dispersaram pelo continente europeu e teriam dado origem às corporações de pedreiros.

Alguns historiadores, entre eles Robert Freke Gould e H.L. Haywood, chegam a aceitar a possibilidade, mas devido à falta de provas documentais, não se comprometem com a teoria. Mas, Lead Scott desenvolveu a ideia e reuniu provas, circunstanciais, é verdade, do papel que monges construtores desempenharam desde a queda do Império Romano. A teoria tem consistência e é difícil considerar mera coincidência que os colégios desaparecessem e ao mesmo tempo surgissem grupos organizados em forma de irmandade (de monges) que desempenhavam exatamente o mesmo papel que os colégios.

Assim, as irmandades de construtores teriam se transformado em ordens monásticas retendo assim suas características de hierarquia e organização.

Aqui é preciso esclarecer um detalhe que a maioria dos católicos ignoram. Um monge não é necessariamente padre, ou seja, um monge nem sempre pode, por exemplo, rezar missa, ouvir confissão, enfim, praticar atos cerimoniais religiosos, a menos que seja um padre que se tornou monge. Era esse o caso, por exemplo, do capelão do mosteiro que rezava missas e confessava os monges.

Uma ordem monástica é o que se chama em direito canônico uma prelazia pessoal do Papa, ou seja, os monges não estão sujeitos à hierarquia da Igreja, não são membros de uma dioceses e só devem obediência ao Papa. “Elas são institutos religiosos de vida consagrada, caracterizada por seus membros fazerem votos conforme o carisma de seu fundador.”(wikipedia)

A Ordem de São Bento, por exemplo é a ordem religiosa católica monástica mais antiga, datando do ano 529 quando Bento de Nursia a compôs na abadia de Monte Casino, na Itália. Os votos dessa ordem incluem, pobreza, virgindade, obediência, oração e trabalho, bem como a obrigação de hospedar peregrinos e viajantes, ajudar os pobres e promover a educação e ensino. Seu lema era “Ora et Lavora”. Entre os monges beneditinos famosos está Agostinho (não confundir com Santo Agostinho de Hipona, apesar desse Agostinho também vir a ser canonizado com o nome de Santo Agostinho de Cantuária – https://pt.wikipedia.org/wiki/Agostinho_de_Cantu%C3%A1ria ) que era o prior de um mosteiro em Roma.

O filme “O Nome da Rosa” é bem interessante, mostrando a vida monástica. Notem que entre os monges havia até um herege cátaro que se refugiara ali, e as diferenças entre beneditinos e franciscanos, por exemplo. Entre os monges do mosteiro temos o “Venerável” Jorge que era o encarregado da biblioteca. Adso era um noviço, ou Aprendiz e William of Baskerville era monge.

Pois bem, a queda de Roma foi arbitrada como o ano 476 d.C., quando Odoacro, um bárbaro derrubou o Imperador de Roma e tomou seu lugar, e em 590 d.C., Gregório ele mesmo um sacerdote e monge, foi escolhido Papa com o nome de Gregório I e este, logo em seguida, promoveu as chamadas Missões Gregorianas, em que enviou grupos de monges a outras terras, para evangelizar os gentios.

Em 597 d.C. mandou Agostinho, o prior beneditino de seu mosteiro de Sto. André, para a Inglaterra, acompanhado de “monges construtores”, para evangelizar a Inglaterra. Na realidade, a evangelização cristã das ilhas já começara no século V quando São Patrício iniciou a evangelização da Irlanda, de onde partiram monges para a Escócia e costa oeste da Inglaterra onde evangelizaram os Pictos, Scots e Britânicos a partir de mosteiros que fundavam e construíam. Antes disso, existia na Inglaterra um cristianismo primitivo trazido pelas tropas romanas 200 anos antes, mas Roma não tinha controle sobre esses cristãos. Com a retirada dos romanos, os Saxões atacaram e destruíram grande parte do que restava da civilização romana nas regiões em que se fixaram, incluindo estruturas econômicas e religiosas.

Entre os diversos reinos em que se fracionou a Inglaterra pós romana, estava o Reino de Kent, cujo rei Etelberto se casara com uma princesa franca cristã, chamada Berta, da linhagem merovíngia francesa.

A influência da rainha Berta contribuiu para que Gregório I enviasse a missão beneditina à Inglaterra para batizar o Rei Etelberto e evangelizar os anglo-saxões e ele escolheu Agostinho, prior da Abadia de Santo André para essa missão. Consagrado Bispo, ele fundou sua sé episcopal em Canterbury de onde ele conduziu a evangelização. Batizou o rei e conseguiu muitas conversões em todo o sul da Inglaterra e nos anos seguintes, foi promovido a Arcebispo e instruído a criar bispados em York e Londres.

Em 601, escreveu um relatório ao Papa onde, entre outras coisas, solicitava o envio de mais monges construtores para construir as igrejas, abadias, mosteiros e capelas. Uma nova missão beneditina foi enviada à Inglaterra e a ordem de São Bento assentou pé nas ilhas, de onde, em 718 d.C., partiu Bonifácio, monge inglês, para a Germânia para evangelizar os bárbaros. Percorreu toda a Alemanha onde conseguiu converter milhares à fé cristã. Com ele, foram monges construtores com a missão de construir igrejas e catedrais por todo o país.

Da Alemanha ele prosseguiu para a França e daí para os Países Baixos onde morreu assassinado por pagãos da Frísia, com um golpe de espada que partiu ao meio sua cabeça.

Vimos assim, que a Arte da Construção foi transportada para a Inglaterra, daí para a Alemanha, então para a França e Países baixos, pelas missões beneditinas de evangelização que traziam a reboque os monges construtores.

Estamos falando do Século VIII ao final do qual assistimos a mais uma mudança na Europa, quando surge o Sacro Império Romano, comandado por Carlos Magno, que ajudou a definir a Europa Ocidental e a Idade Média na Europa.

As corporações de pedreiros se descolaram dos mosteiros, mantendo sua estrutura (noviço, monge, Venerável Abade), votos (juramento) e segredos de ofício. Eles diferiam dos pedreiros comuns por sua especialização em construções eclesiásticas, construíram as mais belas catedrais do mundo.

Mas, aquele vínculo com a Igreja se traduzia nos requisitos ou obrigações dos pedreiros que em documentos mais antigos menciona a fé católica, a Santa Madre Igreja, a Virgem Maria e os Quatro Santos Coroados.

Esse último elemento é bastante interessante, pois fornece mais uma pista da trajetória da maçonaria operativa na geografia europeia.

Voltemos ao século III, onde quatro escultores (há quem diga que eram nove, mas no final ficaram só cinco, e depois, na canonização só quatro[1]) Castório, Cláudio, Nicóstrato e Sinfrônio foram torturados e mortos na região onde hoje fica a Hungria e a Áustria por se recusar a esculpir uma estátua de Esculápio para o Imperador Diocleciano, e tendo sido canonizados foram adotados como santos padroeiros dos escultores das corporações de pedreiros.

Essa tradição era eminentemente alemã, visto que a Panônia estava localizada bem próxima da Alemanha.

Entre os documentos sobreviventes dos maçons operativos, vemos as constituições dos maçons de Estrasburgo datada de 1459 que se inicia com “Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo, e de nossa graciosa Mãe Maria, e também de seus servos abençoados, os quatro santos mártires coroados de memória eterna…” enquanto a Carta de Bologna de quase duzentos anos antes (1248) menciona “todos os santos” e não os quatro santos coroados.

Mas, o documento inglês mais antigo dos maçons operativos, o Manuscrito Halliwel ou Poema Regius diz “Para confirmar os estatutos do rei Ahtestane, Que ele ordenou a este ofício por boa razão. A arte dos quatro coroados.” Mais adiante: “Assim como fizeram estes quatro santos mártires, que neste ofício foram de grande honra”, na parte do poema em que se narra as circunstâncias da morte deles.

Nota-se assim, um fluxo de influências do Continente para as ilhas britânicas atingindo a Escócia onde desde o século VI havia mosteiros cristãos originários da Irlanda e construídos por St. Columba, incluindo o mosteiro de Kilwinning sobre o qual HL Haywood nos diz:

“O que York é para as tradições da Maçonaria Inglesa, Kilwinning é para a Escócia. De acordo com um livro antigo, “uma série de pedreiros (maçons) vieram do continente para construir um mosteiro em Kilwinning.”

Não é possível afirmar categoricamente por falta de documentos sobreviventes desse período, mas há uma trilha de indícios que fundamentam a teoria de que os collegia se transformaram em irmandades de monges que sendo parte da igreja tinham passagem livre pelos caminhos medievais.

Poucos documentos sobreviveram e o mais antigo deles data do século XIII (Carta de Bologna) e mostra que uma organização bastante desenvolvida existia no continente europeu.

Com a passagem dos anos, naturalmente a manutenção das corporações exigia a renovação dos quadros e não parece razoável pensar que os monges tivessem continuado a prover os membros das corporações e ensinar o ofício às novas gerações. Sem falar que o acesso ao ensino era restrito e os pedreiros nem sempre sabiam ler e escrever.

É nesse ponto que entra uma novidade trazida pelos pesquisadores do século XXI entre eles David Stevenson[2] e Frances Yates[3], que não sendo maçons, têm uma visão mais objetiva da história, que abordam cientificamente, uma vez que a Maçonaria é um acontecimento que se insere na história ocidental.

A novidade se chama Arte da Memória sobre o que já publicamos uma excelente matéria de Clarence A. Anderson https://bibliot3ca.com/a-arte-da-memoria-e-maconaria/ .

Stevenson aponta que “quando Schaw se referia à Arte da memória, “ele não estava apenas usando um termo extravagante para a capacidade de memorizar. [vi] A Arte da memória, ou ars memorativa, era uma técnica específica para memorizar coisas, bem conhecida na época em que Schaw estava escrevendo, que tinha suas origens nos tempos Clássicos. [vii] Originalmente, a intenção da arte da memória era aumentar grandemente a capacidade natural da memória humana. Os praticantes da arte da memória tentaram encontrar maneiras de manter, recuperar e usar uma grande quantidade de informações. Nos tempos medievais e renascentes tardios, a arte da memória gradualmente tornou-se altamente simbólica. Os neoplatonistas e hermeticistas gradualmente a adaptaram para desenvolvê-la em uma forma especial de conhecimento, uma maneira especial de se relacionar com o universo. É nesta tradição que Stevenson encontra as origens do uso maçônico da memória.”


“Todo aprendiz tinha que escolher um tutor que lhe ensinasse os segredos do ofício que tinham que ser memorizados e “nunca devem ser escritos”. E o vigilante da loja deveria “julgar a arte da memória e da ciência dela de todos os companheiros e de todos os aprendizes”. Historiadores maçônicos inicialmente trataram essa frase como se referindo simplesmente à necessidade de lembrar as lições aprendidas, mas Stevenson apontou que ela claramente significava a arte da memória como uma habilidade mnemotécnica. Como ele colocou, “essa única frase curta fornece uma chave para entender os principais aspectos das origens da maçonaria, ligando o ofício de maçom operativo aos poderosos esforços do mago Hermético (Giordano Bruno).”[4]

(…)

“Tal abordagem do significado e ritual de maçonaria, com suas raízes na magia hermética neoplatônica e técnicas de visualização cabalística, ainda pode ter sido praticada no século XVII na Inglaterra, quando o auge da Revolução Científica era paralelo a um novo surto de interesse pela alquimia e pelo ocultismo. Muitas vezes, os líderes de ambos os movimentos intelectuais também eram maçons, como mais bem exemplificado por Sir Robert Moray e Elias Ashmole mencionados anteriormente”.

Temos assim, como conclusão dos estudos de Stevenson e Yates, que a transformação da maçonaria operativa em maçonaria especulativa ocorreu durante o século XVII na Escócia, por obra de Cabalistas, Alquimistas, Hermeticistas e Rosa Cruzes que efetivamente criaram os rituais, a decoração do templo, os aventais e o uso da terminologia e das ferramentas dos pedreiros como simbologia da Maçonaria Especulativa.

As novas lojas se espalharam pela Escocia, Irlanda e Inglaterra onde desenvolviam seus trabalhos de maneira soberana e independente, inclusive com rituais diversificados adaptados à cultura local e tinham sua parcela de influência na sociedade.

Recentemente, 2014, foi publicado um texto bastante interessante: A verdadeira história da Maçonaria Esotérica Escocesa por Eric Wynants https://bibliot3ca.com/2020/11/18/a-verdadeira-historia-da-maconaria-esoterica-escocesa/ em que ele afirma:

“Em 1988, o historiador escocês David Stevenson publicou sua pesquisa sobre as origens escocesas do final do século XVI e o subsequente desenvolvimento escocês da Maçonaria “moderna”, que ele colocou dentro de um contexto intelectual europeu de sério interesse nas ciências ocultas.

Trabalhando a partir dos documentos escoceses sobreviventes de lojas operativas e especulativas, Stevenson preencheu as frustrantes lacunas entre a cultura Stuart primitiva, seus vínculos com a Maçonaria escocesa e sua preservação dentro da diáspora jacobita ocorrida após a expulsão do último rei da dinastia Stuart, James VII e II.

A aluna de doutorado de Stevenson, Lisa Kahler, levou essa pesquisa adiante, ao início do século XVIII e documentou as imprecisões e distorções da versão inglesa “ortodoxa” da história maçônica, que servia a propósitos políticos hanoverianos-whigs.”

(…)

“Com a ascensão do Eleitor de Hanover como Rei George I da Inglaterra, em 1714, os apoiadores maçônicos dos Stuarts montaram uma campanha clandestina de décadas para reconquistar o trono britânico.

Em 1717, um sistema rival hanoveriano de Maçonaria foi estabelecido, com o objetivo de suprimir e derrotar aquela campanha. Quando os hanoverianos venceram na Inglaterra – e seus descendentes entre os historiadores Whig escreveram as histórias desta grande rivalidade cultural e política – criaram seu próprio mito de progresso e tolerância protestante, que quase obliterou os elementos celtas-católicos-judeus na luta contra seus opositores e que ignorou a sobrevivência desses elementos em uma cultura jacobita internacional.”

Esses novos estudos deslocam a criação da Maçonaria Especulativa para o século XVII e desmascaram os objetivos da Grande Loja de Londres de 1717 de neutralizar as lojas que apoiavam o Pretendente legítimo ao trono inglês e controlar a proliferação de lojas maçônicas em território inglês.

Dessa forma, coloca-se em discussão a legitimidade da United Grand Lodge of England para ditar regras para a Maçonaria Universal vez que sua própria regularidade maçônica seria duvidosa, por vício de origem, quando ela mesma exige que uma Grande Loja somente tem existência se tiver sido originária de uma Grande Loja regular e legítima. https://bibliot3ca.com/e-sob-que-autoridade-estavam-aquelas-quatro-lojas-trabalhando-na-inglaterra/

A Grande Loja de Londres foi apenas um golpezinho de estado ou melhor um oportunismo inglês de se apossar da res derrelicta que era o controle das lojas e monetizar esse controle passando a vender a patente e cobrar taxas.

Venceu o mais apto.

[1] Mais ou menos como a história dos estudantes que morreram em 1932, na Revolta Paulista. Oficialmente são Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, o MMDC, mas depois descobriu-se um quinto mártir, mas a sigla já estava consagrada e o pobre Oliveira ficou esquecido, só porque não morreu na hora. Também no caso dos quatro coroados, o pobre Simplício ficou de fora.

[2] Stevenson, David – As Origens da Maçonaria, o século da Escócia 1590-1710

[3] Yates, Frances – A Arte da Memória

[4] PRINKE, RAFAŁ T. Memória na Loja. Um recurso Mnemônico da Maçonaria no final do Século XVII

Fonte: https://bibliot3ca.com

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