Ir∴ Luiz Felipe Brito Tavares,
AM da Loja Luz do Planalto nr. 76 São Bento do Sul – SC
Em iniciação recente, após o término das atividades, que transcorreram sem anormalidades, um miado constante surgiu na Sala dos Passos Perdidos.
Pensei a princípio que fosse brincadeira de algum irmão, mas de fato quando me virei, na direção do repetitivo som, pude constatar uma cena para lá de curiosa.
O venerável estava tentando pegar um gato preto que inadvertidamente entrou na loja.
Após alguns minutos, com o devido cuidado, o gato preto já estava sendo posto para fora.
As brincadeiras de imediato começaram e não faltaram comentários sobre as possíveis maldições envolvidas.
Em uma análise baseada no senso nada comum de pessoas afeitas à razão, poderíamos rejeitar de princípio quaisquer misticismos.
Porém a história está repleta de fenômenos interessantes que nos induzem a uma reflexão um pouco mais demorada, e como apreciadores da simbologia deveríamos nos deter um pouco nelas.
Existem diversas histórias famosas e mesmo cotidianas relacionando sincronicidades de acontecimentos, e muitas vezes intermediadas por elementos simbólicos.
Na antiguidade não era raro, mesmo freqüente, que nativos primitivos associassem acontecimentos relacionados com suas vidas aos sinais que captavam do mundo ao entorno, dando a estes sinais, além do figurativo naturalmente usado, um valor ativo e com o potencial mesmo transcendente de gerar mudanças.
Os símbolos eram para eles entidades vivas e ativas.
Natural que pensassem assim dado aos poucos recursos cognitivos de análise e interpretação que possuíam.
Natural também que nós, como seres culturalmente mais avançados, supuséssemos que tais inferições fossem equivocadas.
Porém muitas vezes os sinais captados na natureza e interpretados segundo cada cultura simbólica, ao contrário do que podemos esperar, possuem aparente relação de autenticidade, ou seja, não só correspondem à realidade dos acontecimentos presentes e futuros, como também “parecem” mesmo ter o poder de modificar o rumo dos acontecimentos.
A conclusão clara de mistificação esbarra então em um jogo de ilusionismo, e tudo deixa de se encaixar de forma tão nítida e lógica diante de tais “aparentes” evidências.
Os símbolos primitivos de fato funcionam como elementos realistas e ativos de influencia dos acontecimentos?
Se os símbolos são apenas elementos figurativos, ou de depósito de valores que lhe outorgamos, como podem ter vida própria e tornarem-se representantes da realidade natural?
Não seria um contra senso?
Como a natureza pode se apropriar destes símbolos criados por nós mesmos para transmitir suas próprias informações? Torná-los vivos e autênticos mensageiros de sua vontade?
Teria os símbolos uma autenticidade acima daquela que lhe conferimos?
Haveria magia de fato nos símbolos? Estaria nossa razão iluminada enganada?
Ou tudo isto não passa de uma sala de espelhos confundindo nossas percepções?
Sabemos pelo nosso desenvolvimento cultural e pelo desenvolvimento das ciências racionais que símbolos são apenas elementos figurativos e representativos sem, no entanto serem possuidores de autênticos poderes místicos.
Através desta percepção moderna somos levados a crer que os primitivos davam valor demasiados ao seu simbolismo justamente pela pobreza de recursos de abstração e análise, como dito, para compreensão da realidade.
À semelhança da física moderna que cada vez mais quebra a matéria bruta em busca de suas unidades elementares, o homem moderno quebra seus símbolos pesados e arcaicos em busca por símbolos cada vez mais detalhados da existência.
O homem pega o saco de gatos e o transcende, percebendo que existe uma miríade interminável de tipos de gatos e miados. E que a natureza essencial das coisas é muito mais etérea e misteriosa do que pensamos, vide o gato Scrhödinger.
A física cada vez chega mais perto da conclusão de que não existem de fato unidades elementares, e de que tudo é energia em diferentes estados vibracionais. Cada elemento que conhecemos seria, dentro deste pensamento, acorde musical constituído pela harmonia de diversas vibrações. Tudo seriam de fato vibrações e possibilidades harmônicas de vibrações.
Elucubrando poderíamos dizer licenciosamente que tudo são matrizes ou espaços de possibilidades e as possibilidades mesmas em interações de sinergia.
De maneira semelhante ao físico o pensador moderno percebe que talvez não consiga alcançar o símbolo elementar, pois que ao contrário do que esperamos nada é estático, mas tudo é movimento. O símbolo é um conjunto harmônico de movimentos de relação.
O macro se torna pobre diante do micro, que se faz um mundo imenso.
Tudo são relações, tudo são sincronias e sinergias.
Porém o que seria o movimento perceptível se não apenas mudança?
Mas a ordem é uma espécie particular de mudança. Uma mudança sincrônica e sinérgica. Miados simétricos dentro de um saco de gatos possíveis.
Símbolos são padrões harmônicos de movimento, ou de relações dinâmicas. “Inteirezas complexas e ativas que inclinam, com maior ou menor grau de sentido determinado, o seu entorno”.
Quando se quebram os símbolos encontra-se apenas sentido em sua forma essencial. Pacotes de sentido.
Para nós seres em evolução o sentido precisa ser encadeado, pois partimos do nada em direção ao pleno, e precisamos de pontes que nos sirvam de barcos para singrar tal gradiente. Precisamos encadear ou engarrafar o sentido na forma de degraus que se encaixem. Porém sabemos que degraus são transitórios e só existem enquanto nos servem à passagem.
Para os primitivos, no entanto os símbolos eram detentores de existência própria e também de poderes mágicos. Da mesma forma que para os primeiros físicos o elemento básico da matéria era uma esfera sólida minúscula.
Não eram apenas pontes, mas elementos essenciais e vivos. Por isto pareciam ter o poder de modificar acontecimentos.
Confundiam o espelho com a própria luz refletida por ele.
Portanto seria fácil para um ser moderno dotar de imperfeito tal conceito e suas conseqüências.
De fato nossa percepção inicial de homens de bom senso não estava de todo equivocada.
A realidade é uma cebola e o sentido se manifesta em diversos níveis. Existem ferramentas brutas e polidas, mas todas servem ao sentido.
Se no universo não houvesse um sentido imanente, ou seja, presente e interligando tudo, poderíamos pensar que os símbolos seriam realmente possuidores de autêntico valor místico. Porém devemos considerar que tudo está sob a imanência de um sentido superior. Tal sentido a tudo integra, e naturalmente se utiliza dos símbolos que albergamos para transmitir suas mensagens. Tudo está interligado e os símbolos provêm do conhecimento que temos da realidade, sendo que a realidade é formada ela mesma por um sentido presente. Símbolos carregam o sentido. Quanto mais evolui uma sociedade mais evoluem seus símbolos que passam a ser mais eficientes em captar todos os detalhes e patamares, e todas as relações que envolvem a vida em seus níveis mais diversos.
A simbologia se aperfeiçoa em compreender de forma macroscópica e microscópica a realidade em todas as suas profundidades.
Portanto os símbolos não são místicos enquanto elementos reais, mas carreiam um sentido imanente e essencial da natureza. São mágicos no sentido de carregarem a mágica da existência.
Somos um com O Criador quando fazemos sua vontade.
Os símbolos por si não são mágicos, mas servem à mágica do grande Arquiteto que nos reconstrói a cada dia.
Por si os símbolos só são apenas pedras, ou se preferir pó, mas quando carreadores de mensagens se tornam pontes ativas.
Se um símbolo significa algo para alguém, não importando seu grau de sutileza e densidade, a natureza com certeza poderá dele se utilizar para lhe comunicar alguma mensagem de sentido; mas não devemos nos prender às pontes rudimentares, pois devemos substituí-las por símbolos cada vez mais densos que terão um poder cada vez maior de nos trazer toda luz que necessitamos.
Assim nos capacitaremos a receber a mensagem sem ruídos e com grande eficiência, ou seja, sem perdas e em sua maior amplitude potencial.
O sentido da natureza não se prende a símbolos, mas se utiliza deles. O sentido segue o caminho ao seu alcance para atingir sua meta principal.
Nada está ao acaso, embora o acaso seja uma aparente ilusão de realidade.
O símbolo representa o sentido encadeado.
O importante é o sentido que desejamos e não a estrada que viabiliza o sentido. Podemos construir sempre estradas melhores.
A natureza não precisa de gatos pretos para passar mensagens, mas se for o caso, e se não houver simbologia mais sutil, assim o fará.
Se é nisso que você acredita?
Então assim é se lhe parece, dizia Pirandello.
Resta saber se ficaremos presos aos gatos pretos ou se buscaremos por símbolos mais próximos da simbologia essencial.
O venerável mestre da loja não ficou assustado com o gato preto, mas percebeu o pânico do pobre bichinho ao ver tantos outros seres estranhos trajados de negro em um mesmo lugar.
O gato percebeu a mensagem de perigo, e o venerável captou o sentido da misericórdia, através de seus miados perdidos, e deu ao pequeno gatinho a liberdade que tanto ansiava da sala dos passos perdidos.
O venerável pela sua ação elevada e despreocupada, acima do primitivismo, pode ficar tranqüilo quanto às conseqüências, pois a mensagem passada foi de vida e luz.
Gato preto em dia de iniciação é renascimento para um caminho de simbolismos ricos e maravilhosos.
Fonte: JBNews - Informativo nº 0304 - 28 de junho de 2011

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