O DEVER, CAMINHO PARA A REALIZAÇÃO
Rui Bandeira
Rui Bandeira
Os
maçons falam muito de Dever. É natural. O aperfeiçoamento individual a
que se dedicam implica, inevitavelmente, que identifiquem o que têm a
corrigir e definam como fazer a correção, isto é, o que se deve fazer para melhorar.
O caminho do maçom não é uma avenida de direitos, é uma vereda de deveres a cumprir. Mais: um conjunto de deveres que o maçom escolhe cumprir.
Na
ética maçónica, em primeiro lugar vem a obrigação, o cumprimento dos
deveres - só depois se atenta nos direitos. Porque o caminho é este, não
há constrangimentos nem vergonhas na reclamação ou no exercício dos
direitos, porque se interiorizou que estes são o reverso correspondente
aos deveres que se cumprem. Assim, o cumprimento do dever é preâmbulo do
exercício do direito - nunca o oposto.
Esta postura, que é o oposto do facilitismo e do hedonismo tão propalado por certos media comummente
referidos de cor-de-rosa, que insidiosamente vai influenciando as
mentes mais frágeis ou menos avisadas, é, no entanto, a mais consistente
com as caraterísticas da espécie humana - as caraterísticas que nos
permitiram evoluir, descer das árvores, deixar de ser meros
caçadores-recoletores, nos possibilitaram aprender a produzir o que
necessitamos para consumir e até mais do que aquilo que necessitamos,
enfim, o que nos fez chegar, como espécie, ao estádio atual (no melhor e
no pior...) e nos fará, creio-o firmemente, evoluir sempre mais e mais.
Ao contrário do que se possa levemente pensar, desde a mais tenra infância que o bicho-homem valoriza mais o que deve
fazer, o que esforçadamente conquista, o que trabalhosamente obtém, do
que aquilo que recebe sem esforço, fonte porventura de prazer imediato,
mas arbusto sem raiz sólida para segurar o interesse por muito tempo.
Todos aqueles que educam crianças verificam que, ao contrário do que as
próprias julgam, elas não apreciam tanto assim - e, no fundo, temem - a
liberdade total, a possibilidade de fazerem o que querem, quando querem,
como querem. Se isso lhes for temporariamente possibilitado, poderão
extasiar-se perante a ausência de limites, mas não tarda muito que
procurem o aconchego, a segurança, a certeza das fronteiras, dos
limites, das restrições - contra as quais tanto refilam, mas que tão
securizantes são. Afinal de contas, quando não há limites, como se pode
transgredir? Como se pode forçar barreira inexistente para ir além dela?
E o crescimento, a evolução humana, da criança como da espécie, é feito
de transgressões, de ultrapassagens de barreiras, de partidas para o
incerto apenas possíveis porque se sabe que, se e quando necessário, se
pode recuar e voltar para o certo e seguro...
O dever é,
pois, essencial para a espécie humana. Para o cumprir e, por vezes,
para o transgredir, aceitando os riscos e as consequências, mas também
buscando o além para lá do horizonte...
Os
direitos possibilitam-nos satisfação e conforto, mas são redutores,
limitadores, meras pausas agradáveis, obviamente necessárias, mas afinal
fatores de simples manutenção, não de conquista ou avanço. Os direitos
gozam-se e. ao gozarem-se, fica-se - não se vai, nem se avança. É no
cumprimento do dever, com o esforço e o custo que isso necessariamente implica, que se avança, se conquista, se constrói, se vai além.
Gozar
os direitos é obviamente bom e agradável. Mas, bem vistas as coisas,
cumprir os deveres, ainda que tal implicando trabalho, custo, esforço, é
melhor. Porque no fim do cumprimento do dever acaba por estar sempre um
prémio. Por vezes de simples, mas saborosa, satisfação. Outras vezes
com vitórias, com prazeres, com ganhos que não teríamos se nos
tivéssemos mantido no simples gozo dos direitos que já se tinham, sem
mais nada fazer. A áurea mediocridade pode ter brilho - mas não deixa de
continuar a ser mediocridade...
Os
maçons falam muito do Dever, dão atenção aos seus deveres, cumprem os
seus deveres. Não por serem masoquistas. Pelo contrário: por entenderem
que é assim que conseguem realizar-se. E a realização pessoal é mais do
que meio caminho andado para a felicidade...
Fonte: A Partir a Pedra (*Portugal)
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