REFLEXÃO
Rui Bandeira
No século XVIII, quando se expandiu a Maçonaria Especulativa, esta seguia e divulgava os princípios do Iluminismo. A Maçonaria foi então um farol que apontou o caminho da evolução social, da conceção laica, livre, igual, fraterna e tolerante do mundo, da sociedade e do lugar nela do Homem.
Rui Bandeira
No século XVIII, quando se expandiu a Maçonaria Especulativa, esta seguia e divulgava os princípios do Iluminismo. A Maçonaria foi então um farol que apontou o caminho da evolução social, da conceção laica, livre, igual, fraterna e tolerante do mundo, da sociedade e do lugar nela do Homem.
O
pensamento escolástico é substituído pela Ciência Experimental;
racionalismo e empirismo substituem o pensamento arcaico apenas fundado
nas interpretações teológicas dominantes; Locke teoriza a Tolerância
como valor social; emerge o reconhecimento e proteção dos direitos
humanos; o absolutismo é substituído pela submissão à Lei; a soberania
por direito divino é substituída pelo conceito de que a soberania
pertence ao Povo e deve ser exercida em nome do Povo, para o Povo e
pelos representantes designados pelo Povo; emerge e triunfa a noção de
que as sociedades devem prezar e preservar a Liberdade, assegurar a
Igualdade, possibilitar a vivência em Fraternidade; o princípio da
separação de poderes triunfa. Em toda esta evolução os maçons deram o
seu contributo.
Trezentos
anos depois, o mundo e a sociedade são radicalmente diferentes em
relação ao que eram no início do século XVIII. Os valores que a
Maçonaria adotou implantaram-se progressivamente em toda a
sociedade e - felizmente! - hoje são essencialmente valores da
sociedade, não de qualquer estrutura social, Maçonaria incluída.
Trezentos
anos depois, verificando-se que o essencial do ideário maçónico venceu e
está institucionalizado no mundo desenvolvido, inevitavelmente que
surge a interrogação: continua, nos dias de hoje, a Maçonaria a fazer
sentido? Não será hoje uma instituição ultrapassada pelo sucesso do seu
ideário, transitada da modernidade no passado para o arcaísmo no
presente?
Em
termos sociais, só o que mantém utilidade e sentido permanece. Tudo o
que não preenche já o requisito da necessidade, do interesse,
inevitavelmente estiola, fenece, cai em desuso, desaparece. Ou então
transforma-se, assegurando a sua existência e pujança pela assunção de
valores e interesses socialmente úteis e necessários no momento
presente. Qual a função da Maçonaria hoje? Apenas a defesa dos valores
que o tempo e a evolução social consagrou? Apenas uma instituição
"anti-reviralho"? Ou será que a matriz genética da Maçonaria lhe permite
vislumbrar, aprofundar, consensualizar novos caminhos ainda por
explorar ou desenvolver, valores a implementar? Se assim é, quais os
caminhos a que dar atenção, como consensualizar a direção a tomar?
Os
tempos de hoje são radicalmente diferentes dos de há trezentos anos, de
há duzentos anos, de há cem anos, mesmo de há cinquenta anos. As
sociedades complexizaram-se visivelmente. A comunicação e os meios de a
efetuar evoluíram, modernizaram-se, democratizaram-se, vulgarizaram-se.
Onde antes havia poucos meios apenas ao alcance de uns poucos
privilegiados, hoje tudo está praticamente à disposição de todos. A
informação hoje é tudo menos escassa. Pelo contrário, começamos a ter
dificuldade em selecionar, em determinar de entre a abundante cascata
que incessantemente jorra sobre nós o que verdadeiramente interessa e o
que é dispensável, o que é fundamentado e o que é apenas boato, palpite
ou mesmo patranha. A segmentação de interesses e a extrema variedade de
temas para os múltiplos interesses pessoais instalou-se. A informação
hoje é multipolar e mundividente, cabendo ao indivíduo - a cada
indivíduo - selecionar o que lhe agrada, o que lhe interessa, o que
pretende. Neste circunstancialismo, qual o papel da maçonaria? Como pode
e deve comunicar? Com que meios? Seguindo que estratégias? Procurando
assegurar que objetivos?
Trezentos
anos depois, estamos no fim do caminho, chegámos a uma encruzilhada ou
simplesmente somos nós que temos de desbravar o caminho para que a
Humanidade chegue aonde ainda não imaginou sequer poder chegar? O nosso -
dos maçons, da Maçonaria, mas também da Humanidade - caminho chega até
ao horizonte ou vai para além dele?
Tudo
isto são interrogações que hoje se abrem à reflexão dos maçons e que é
bom que os maçons se coloquem, em reflexão individual ou em análise
coletiva, mas sempre plural.
Por
mim, penso que há ainda muito a fazer, que os sonhos e anseios do
ideário maçónico estão ainda por completar. Quanta intolerância ainda
campeia! Como são ainda vulneráveis muitos dos valores que, muitas vezes
ligeiramente, consideramos solidamente implantados! E continua a haver -
sempre continuará, acho - espaço e meio para cada um de nós poder
melhorar e contribuir para a melhoria da sociedade.
Mas
também penso que as interrogações que atrás coloquei devem ser postas e
que é tempo de lhes darmos atenção, de estudarmos os seus contornos e
de buscarmos as respostas mais adequadas para cada uma delas. Nesse
aspeto, a Maçonaria tem em si mesma uma caraterística organizacional que
constitui uma poderosa ferramenta: a sua estrutura nuclear, com plena
autonomia de cada Loja e, dentro destas, com plena aceitação dos
caminhos e reflexões individuais de cada um. Isto permite que todas as
interrogações acima colocadas - e muitas outras - sejam tratadas de
formas diferentes, por gente diferente, em tempos diferentes, com
diversas perspetivas. Cada Loja escolhe ou naturalmente dedica-se a um
pequeno aspeto de um problema. Cada maçom interroga-se sobre o que lhe
chama a atenção. Umas e outros buscam caminhos, propõem soluções. Cada
Loja por si. Cada maçom em si. Em aparente desorganização e
descoordenação. Mas é precisamente essa desorganização que se revela,
afinal, muito bem organizada, na medida em que permite e gera o máximo
de liberdade na reflexão dos grupos e dos indivíduos. Desse cadinho, a
seu tempo emerge uma ideia que se espalha. Das ideias que se espalham,
algumas fortalecem-se. Das que se fortalecem, algumas atingirão o
patamar do consenso. E assim as ideias e os valores que o tempo presente
reclama emergem e fazem o seu caminho, em sociedades modernas cada vez
mais complexas.
Daqui
a outros trezentos anos, quem então viver e se interessar fará o
balanço sobre o êxito dos trabalhos, pistas, soluções e caminhos que
agora efetuamos, buscamos, encontramos e prosseguimos.
Rui Bandeira
Fonte: A Partir a Pedra
Fonte: A Partir a Pedra
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