Nesta pequena prancha, irei
tentar falar-vos de Espiritualidade, entendendo-a como a vida do espírito, e
este, como o poder de pensar. Não deveremos confundir Espiritualidade com
religião, que é apenas uma das maneiras de a viver, ou com espiritualismo, que
é apenas uma das maneiras de a pensar.
Entendo que a espiritualidade é
uma dimensão da condição humana, mais do que o bem exclusivo de Igrejas,
Religiões ou Escolas de pensamento.
Tomo como pressupostos que existe
uma Espiritualidade religiosa, que pode ser comandada por razões de fé, ou
seja, de carácter esotérico, ou por razões de temor, ou seja, de carácter
exotérico; e que existe também, entre outras, uma Espiritualidade totalmente
diferente, de carácter individual, mas não solitária, libertária na sua
essência, a que irei chamar Espiritualidade Maçónica.
Será possível uma espiritualidade
laica? Provavelmente, mais do que uma espiritualidade clerical ou do que uma
laicidade sem espírito! Será possível uma espiritualidade sem Deus? Porque não?
É aquilo a que tradicionalmente chamamos a Sabedoria, pelo menos numa das suas
vertentes. Será necessário acreditar em Deus para que viva um espírito em nós?
Passemos à etimologia. A palavra
vem do latim spiritus, o que em grego seria traduzível por psukhê (a etimologia,
nestas duas línguas, faz referência ao sopro vital, à respiração) e também por
pneuma. Isto significa que a fronteira entre o espiritual e o psíquico é
porosa... O amor, por exemplo, pode pertencer a ambos. A fé é um objecto
psíquico como outro qualquer. Mas é também uma experiência espiritual. Digamos
que tudo o que é espiritual é psíquico, mas nem tudo o que é psíquico é
espiritual. O psiquismo é um conjunto cujo vértice ou extremo seria a
Espiritualidade…
Na prática, fala-se de
Espiritualidade para a parte da vida psíquica que nos parece mais elevada:
aquela que nos confronta com Deus ou com o absoluto, com o infinito ou com o
todo, com o sentido ou a falta de sentido da vida, com o tempo ou com a
eternidade, com a oração ou o silencio, com o mistério ou o misticismo, com a
oração ou a contemplação. É por isso que os crentes se sentem tão à vontade com
ela. É por isso que os ateus têm (ou sentem?) tanta necessidade dela. Da
Espiritualidade!
A Espiritualidade, para os
crentes, tem um objectivo claramente definido (mesmo que não conhecível), que
será um sujeito, que será Deus. A Espiritualidade é aqui um encontro, um
diálogo, uma história de amor ou de família. “Meu Pai”, dizem eles. Será isto
espiritualidade ou psicologia? Mística ou afectividade? Religião ou
infantilismo?
O ateu é menos despojado ou menos
pueril. Ele não busca um Pai, nem o encontra. Não instaura um diálogo. Não
encontra um amor. Não habita uma família. Mas sim o Universo, o Infinito, o
Silencio, a presença do Todo. Não uma transcendência, mas sim a imanência. Não
um Deus, mas o devir universal, que o contém e transporta. Não um sujeito, mas
a presença universal. Não um Verbo ou sentido, mas a verdade universal. Mesmo
que conheça apenas uma ínfima parte dela, isso não impede que ela o contenha
completamente…
Uma espiritualidade sem Deus?
Será uma espiritualidade da imanência, mais do que da transcendência, da
meditação mais do que da oração, da unidade mais do que do encontro, da
fidelidade mais do que da fé, da “enstase” mais do que do “êxtase”, da
contemplação mais do que da interpretação, do amor mais do que da esperança, e
que será igualmente motivadora de uma mística, ou seja, de uma experiência da
eternidade, da plenitude, da simplicidade, da unidade, do silêncio…
Estou em crer que é exactamente
na síntese destes dois extremos que se situa aquilo a que ouso chamar a
Espiritualidade Maçónica. Mas antes de a procurar definir, deverei afirmar que
é apenas no trabalho maçónico que ela poderá ser verdadeiramente aprofundada.
Em primeiro lugar, importa
esclarecer que a Maçonaria não sendo uma religião, é profundamente religiosa. É
também pressuposto, em particular no nosso Rito, que o trabalho maçónico seja
feito à glória do G∴A∴D∴U∴ No entanto, a Maçonaria não revela nenhuma
verdade superior. Pelo contrário, convida os seus membros a procurarem a
verdade para a realizarem em si mesmos, o que é profundamente diferente,
colocando-os na via dessa procura e dessa realização, situando-se aqui o
verdadeiro significado da iniciação.
É na sua própria interioridade
que cada Maçon deve descobrir a verdade, longe de qualquer ensinamento ou
sistema dogmático que lhe seja administrado do exterior. Ao contrário da
maioria das religiões ocidentais, a Maçonaria ensina-nos que a verdade é algo
que se deve procurar! Não existe, contudo, qualquer incompatibilidade, para
cada Maçon, entre o método maçónico (chamemos-lhe assim) e a verdade revelada
da sua religião (se ele a tiver), desde que ele se mantenha um livre pensador…
(Não sendo eu membro ou fiel de
qualquer religião organizada, admito que seja possível, por exemplo, um
aprofundamento da espiritualidade religiosa para um cristão, através de uma
busca interior no do trabalho de Loja. É de qualquer modo inquestionável a
origem cristã da Maçonaria, apesar de uma progressiva descristianização, por um
lado, na Maçonaria inglesa, para uma melhor inserção dos judeus no seu seio, e
na francesa, por outro lado, por influência do iluminismo. Esta temática
caberá, contudo, noutro contexto).
A tolerância é uma das principais
virtudes da Maçonaria e do Maçon. Trata-se de uma atitude interior que repousa
no respeito pela pessoa humana, pela liberdade de pensamento e pelo percurso
intelectual e espiritual de cada um. É neste pressuposto que assenta a minha
afirmação de que a Espiritualidade Maçónica é uma Espiritualidade Libertária:
ao sugerir um caminho individual para a descoberta da verdade, constrói também
um percurso libertador. Esse percurso adquire uma força particular no momento
do diálogo: “P: Que vimos buscar em Loja? R: A LUZ!”. É essa Luz, que só o
trabalho de Loja é capaz de nos transmitir, que permite a cada um de nós o
aprofundamento da nossa própria espiritualidade.
E o que é esse Trabalho de Loja
senão o da Construção do Templo? Os Franco-Maçons colaboram conjuntamente na
construção de um Templo, o que é determinante do carácter essencialmente
colectivo da iniciação maçónica, (contrariamente por exemplo à alquimia, que é
uma via iniciática solitária). Assim, se é no interior de si próprio que o
Maçon encontra a sua espiritualidade, é no trabalho colectivo da Loja que ele
absorve o método para a aprofundar.
A colaboração no mesmo projecto
permite a construção de uma unidade fraternal e espiritual, que assenta na
harmonia da Loja, como nós bem sabemos. A construção dessa unidade fraterna e
espiritual que é a Loja é o primeiro nível em que se edifica o Templo em que
trabalham todos os Maçons. O segundo nível é o da Ordem no seu conjunto. O
terceiro, o da Humanidade no seu todo, através da irradiação que os Maçons
devem exercer em seu torno, no mundo profano. Reside aqui o verdadeiro
significado simbólico e operativo da Cadeia de União.
Poderemos, deste modo afirmar, em
jeito de síntese, que a Espiritualidade Maçónica consiste na busca individual
da Verdade, que se atinge através da Luz, assente num trabalho colectivo que
consiste na construção de um Templo à glória do G∴A∴D∴U∴, e pressupondo
o desbaste da pedra bruta que é cada um de nós, tendo por base a tolerância.
Esta tarefa é libertadora porque
nos ajuda a combater a injustiça, os preconceitos e os erros, e realiza-se no
espaço infinito do Templo, que é cada um de nós, a Loja, a Maçonaria Universal
e toda a Humanidade, e na trilogia do tempo, que a nossa língua permite
integrar: o metereológico (a coberto), o cronológico (do meio dia até à meia
noite) e o kairológico (em cada momento é o tempo certo).
Porque a harmonia é um acordo
feliz e agradável entre vários elementos simultâneos mas independentes uns dos
outros, que condiciona a Beleza…, a vontade, a perseverança e o trabalho são o
verdadeiro sustentáculo da Força…, atingiremos um dia a Sabedoria, através da
busca da Verdade, que consiste no aprofundamento da nossa Espiritualidade
individual!
L∴ C∴
M∴ I∴, Loja Convergência
(G∴O∴L∴) - Lisboa, Portugal
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