Maurício Corrêa
Advogado
As corporações de ofício se expandiram e se consolidaram ao longo da Idade Média Baixa — no período compreendido entre os séculos 12 e 15 — como conseqüência das grandes transformações infligidas à supremacia feudalista. O fenômeno derivou da concentração de comerciantes, artistas e artesãos ao redor dos burgos formados por castelos e mosteiros, de que se originaram vilas e cidades. Buscavam proteção e segurança para viver e trabalhar ao abrigo das fortificações e muralhas que cercavam os monastérios e as residências dos barões feudais.
Com o fim do trabalho servil, a diminuição do domínio clerical e o fortalecimento dos poderes do monarca, que se robusteciam velozmente, formou-se a burguesia, constituída de profissionais dessas corporações ou guildas e hansas — as primeiras reunindo os artesãos e artistas, e as últimas ,os comerciantes. Tais organizações tinham o escopo de resguardar seus negócios, estabelecer os preços dos serviços e disciplinar o sistema de trabalho de seus membros. As pessoas que já as integravam ou que pretendiam a elas se integrar tinham que se submeter às regras antes estabelecidas se quisessem seguir um ofício: quem desejasse ser um artesão teria que começar como aprendiz, depois passar a companheiro e, só bem mais tarde, poderia chegar a mestre.
Das corporações de ofício que atuavam na Escócia e que, para preservar seus interesses, reuniam-se secretamente, nasceu o embrião das lojas maçônicas especulativas — com similar estrutura gradativa das corporações de ofício: aprendiz, companheiro e mestre —, assim chamadas porque delas poderiam participar não apenas os membros de uma única corporação, mas outras de ofícios distintos. Para que pudessem agir sem embaraços, foram, em 1583, legitimadas pelo rei Jorge VI da Escócia. Em 1646, fundou-se a loja maçônica de Warington, na Inglaterra. Em 1689, expandiu-se a entidade para a França com a implantação de uma loja pioneira em Saint-Germain-en-Laye.
Não pararam mais de se alastrar pela Europa. Fala-se que, na Inglaterra, todo o antigo almirantado inglês era constituído de maçons. Por motivos políticos entre a Escócia e a Inglaterra, as lojas escocesas deram início à formação do Grande Oriente e, na Inglaterra, as Grandes Lojas — potências maçônicas até hoje existentes. Os dois principais ritos maçônicos — forma pela qual se identificam, se organizam e se comunicam os maçons — são o Escocês Antigo e Aceito e o Francês ou Moderno. Em 1730, se instalaram na Filadélfia, nos Estados Unidos. A proclamação da independência americana, em 4 de julho de 1776, teve o patrocínio delas. Thomas Jefferson e Benjamin Franklin eram maçons, 14 dos presidentes americanos também. O mesmo diga-se da Revolução Francesa, que adotou a trilogia liberté, égalité ou la mort —, que, embora nada tenha a ver com o triângulo da maçonaria, teve sua inspiração e participação.
Um de seus símbolos mais emblemáticos é o triângulo, representando cada um de seus lados os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Essa a razão de conservar-se na bandeira do Estado de Minas Gerais a mesma divisa ilustrada com a expressão latina libertas quae sera tamen— liberdade ainda que tardia — que resumia o espírito da Conjuração Mineira.
Em Portugal, a maçonaria teria chegado pelas mãos de ingleses, conforme alvará de autorização do grão-mestre inglês lorde Weimouth, em 1730. No Brasil, há controvérsia sobre o tema. A primeira loja, com o nome de União, teria formalmente se instalado no Rio de Janeiro, em 1800. Em 1802, foi a vez da Bahia, com as lojas Virtude e Razão. Em 1804, as lojas Constância e Filantropia passaram a atuar no Rio. A partir daí, se espraiaram pelo Brasil afora. Quase todos os movimentos libertários no país tiveram inspiração e participação de maçons. A libertação dos escravos é exemplo típico, ainda que, à época, contrária aos interesses dos fazendeiros e de boa parte da Igreja.
A Independência foi quase toda obra da maçonaria, que, sob os auspícios de Gonçalves Ledo e José Bonifácio, maçons, que, com outros, ardentemente a defenderam, e que levaram Dom Pedro a nela se iniciar com o nome de Guatimozim. José Bonifácio tornou-se o primeiro grão-mestre no Brasil. Depois, o próprio Dom Pedro. Uma das colunas internas do templo onde se reuniam tinha o sugestivo nome de “Independência ou Morte”, que serviu de mote a Dom Pedro no histórico brado proferido às margens do Ipiranga. Em decorrência dos conflitos entre o governo e a Igreja, advindos da “questão religiosa”, da insatisfação dos militares pós-Guerra do Paraguai, com suas idéias libertárias, e da franca presença dos maçons sob a liderança de Quintino Boacaiúva, Campos Salles, Prudente de Morais e tantos outros, sedimentou-se o cadinho que resultou na Proclamação da República. O marechal Deodoro da Fonseca, que era maçom, foi o agente de sua execução, compelido por militares e civis maçons.
Por certo, o que as instituições nacionais devem à maçonaria não caberia neste espaço. No mínimo mereceria um denso ensaio. Vale o registro apenas para situar o reconhecimento do papel que exerceu. O resto fica na expectativa de que seu espírito possa orientar nossos políticos e nos faça livrar da tragédia da corrupção — praga do momento.
Fonte: Correio Braziliense de 12 de fevereiro de 2006
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