O RITO MODERNO E O FUTURO DA MAÇONARIA
(Trabalho preparado para o Encontro do Rito Moderno de 2008 em Santa Catarina)
Loja Acadêmica Razão e Virtude no 3786 – GOB-SC
INTRODUÇÃO
Vivemos um momento crítico e conturbado: crítico na ordem moral, na ordem política e social, na relação entre as pessoas, na ecologia, nas relações diplomáticas, na economia nacional e internacional, na fé depositada nas doutrinas religiosas, enfim um momento crítico humano e conturbado pois o humano tende a reagir com violência em suas crises.
Estamos diante de uma bifurcação no Caminho, e precisamos decidir entre adotar novos e mais modernos padrões, quer sociais, quer religiosos ou filosóficos, quer políticos, iluminados pelo vasto conhecimento científico atual e, por esse caminho, encontrarmos um novo desiderato em que possamos sobreviver em paz e prosperidade; ou persistir nos velhos padrões superados pelo conhecimento e que tendem a nos levar à destruição, quer pelo colapso ecológico, quer pelo colapso social.
DAS TREVAS AO ILUMINISMO
Quando a Igreja Cristã da seita de Paulo, auto-denominada Católica – que significa "universal" – assumiu o poder no Império Romano, em torno do ano 300 de nossa era, tornando-se por decreto do Imperador Constantino, a Igreja Oficial do Estado, não teve escrúpulos de perseguir as demais religiões com a mesma violência de que fora vítima antes de ser tolerada e depois oficializada.
Tendo colocado em cheque as antigas religiões passou a perseguir aquilo que denominou "heresias", ou seja, todo pensamento cristão não alinhado com a doutrina Católica. Nesse tempo tudo que não estava na Bíblia (e interpretado segundo o Catolicismo) era heresia. A violência contra os cristão heréticos foi tal qual ou maior que a praticada contra os pagãos das antigas religiões. Verdadeiros assassinatos!
Consolidado o seu poder, passou a censurar o conhecimento. Proibiu o estudo dos filósofos gregos (que formaram a base da doutrina cristã reformada pela doutrina helenista de Paulo, que originou o Catolicismo, do ponto de vista filosófico e teológico distante do cristianismo original judaico), restringindo seus livros à alguns mosteiros e a Biblioteca do Vaticano com restrições de acesso.
Como toda a ciência da época estava baseada no conhecimento filosófico grego, a ciência e a arte foram submetidas ao dogmatismo católico e todos que ousaram desafiar essa orientação pagaram com a vida.
Foi, assim, instituído o longo e ignominioso período das trevas e da ignorância, no qual as superstições grassavam até dentro da Igreja.
Quando da invasão Muçulmana em parte da Europa Ocidental, na Espanha instalaram-se sábios judeus e muçulmanos, os quais trouxeram novamente para a Europa os livros dos filósofos gregos, tornando-se foco do saber laico, que deu origem primeiramente ao Renascimento e depois ao Iluminismo.
O ILUMINISMO E O SURGIMENTO DA MAÇONARIA MODERNA
É justamente no período iluminista que a Maçonaria Moderna (dita Especulativa) tem nascimento, trazendo em seus rituais a essência filosófica iluminista que é voltada para a ciência, o racional (a razão) e para a libertação do jugo do autoritarismo religioso e monárquico.
Grandes pensadores do período destilaram suas idéias em livros que circulavam sem o "imprimatur" da Igreja em franco desafio ao poder que já tinha sido sacudido primeiramente com a divisão da Igreja em Oriental – com sede em Constantinopla – e Ocidental – com sede em Roma – e depois uma agitação ainda mais contundente, pois resultou na alteração dos costumes, que foi a reforma de Lutero na Alemanha, dando azo ao surgimento de outras denominações religiosas independentes que buscavam a purificação do cristianismo, uma espécie de "volta as origens", em busca do simples e do fraterno.
Os pensadores iluministas colocam em cheque todo o pensamento da época e o ridicularizam, entre outros, na pena de Voltaire, e o submeteram à um método rigorosamente científico, lógico e com tendências ateístas.
É então preciso encontrar-se a Verdade, perdida pelo exercício do Poder que censurava; é então preciso restabelecer a liberdade, perdida pelo beneplácito concedido pela Igreja que testemunhava que o Poder era uma concessão divina; é então preciso que se reconheça a igualdade entre todos os seres humanos, perdida na consolidação das classes que reconheciam na nobreza o poder e aos plebeus o direito de servir e de ser escravo...
Para se alcançar esse desiderato foi necessário mudar o foco dos conceitos até então estabelecidos, mudar os paradigmas e encontrarem-se argumentos que – à luz da lógica e da razão – revelassem um mundo novo! E foi o que aconteceu!
A Maçonaria Operativa recebeu um novo formato, filosófico, pragmático, descristianizado1 e votado a confraternização entre homens de diferentes e até divergentes tendências religiosas, filosóficas e políticas, e essa nova Maçonaria foi taxada pejorativamente de "Moderna" pelos conservadores, e nem poderia ser de outra forma num tempo de intolerância. Mas, a despeito do radicalismo conservador daquele tempo, a Maçonaria Especulativa e Moderna nasceu sob a luz do iluminismo e da tolerância no dia 24 de junho de 1717, em Londres.
Em seus novos rituais os maçons eram incitados à busca da verdade pelo uso da razão e da ciência e seus juramentos ou compromissos já não exigiam submissão ao Rei e a Igreja, apenas o comprometimento com os novos ideais, com os costumes estabelecidos e com o segredo.
O QUE ACONTECEU DESDE ENTÃO?
O uso da Bíblia teve início somente em 1736, antes o Livro da Lei era o Livro da Lei Maçônica.
Na medida em que a Maçonaria se propagou pelo mundo e facilitou o ingresso de homens inadequados em seus quadros foi, também, perdendo a força moral que a fez crescer e ser respeitada inicialmente.
Homens com tendência à traição invadiram seus quadros e publicaram seus segredos, tanto na Inglaterra quanto na França, facilitando, assim, a falsificação e o surgimento de novos ritos impregnados de uma filosofia estranha à Maçonaria Moderna autêntica.
Os tradicionalistas também fizeram seu papel na Inglaterra e, na unificação, que deu origem a Grande Loja Unida da Inglaterra, prevaleceram tanto no ritual quanto na filosofia, com sua doutrina reacionária contaminada pelo cristianismo e pelo dogma, exigindo orações, a presença da Bíblia e a fé para quem pretendesse ingressar em seus quadros, em substituição a religião moral que de todos era conhecida e aceita independentemente de facção religiosa.
O surgimento de ritos esotéricos, hermetistas, gnósticos e mágicos na França contaminou a pura Maçonaria até então praticada, dando inclusive origem aos Altos Graus eivados de títulos de inspiração nobiliárquica e de um espiritualismo contraditório, anacrônico, descomprometido com a filosofia original de buscar a verdade pela razão e pela ciência.
Desde então a ciência foi interpretada como Ciência Hermética, e a razão foi confundida com a fé, que não questiona!
Com o surgimento de centenas de ritos surgiu o mau costume de revisar e alterar os rituais ao bel prazer de Comissões inspiradas nas mais diversas tendências, menos a preservação da Maçonaria original, autêntica.
Foram tantos os reformadores e os escritores maçônicos e não maçônicos "achando isso e aquilo" que em nossos dias herdamos uma Maçonaria descaracterizada, descomprometida com a cultura e o estudo, alijada da busca da verdade pela razão e pela ciência, dominada por "achistas" que acham tudo, menos que já disseram besteira suficiente e que para encontrar a verdadeira Maçonaria é preciso estudá-la.
O mundo também mudou à luz da ciência e da razão, e com essas mudanças surge a necessidade de uma reavaliação de valores. Mudou o mundo e mudou a Maçonaria, ainda que esta não tenha se adaptado para aquele; vivendo do passado a Maçonaria distanciou-se do mundo assim como a religião, a política.
COMO O RITO MODERNO PODE CONTRIBUIR PARA A SOBREVIVÊNCIA DA MAÇONARIA?
Para restabelecer o projeto original da busca da verdade pela razão e pela ciência não podemos nos dissociar da atualização científica moderna, pois a Maçonaria Moderna foi criada à luz da ciência e da razão.
Para cumprirmos nosso papel de difusores da verdade é preciso sepultar em definitivo as tais "ciências herméticas", o "ocultismo", os "misticismos" com o mesmo vigor que devemos sepultar na religião tudo aquilo que é dogmático e que ofende a lógica, a razão e as descobertas científicas.
Terão os demais ritos coragem de abrir mão de sua beleza cênica para restabelecer seus costumes originais?
Certamente não!
Cabe, portanto, a nós que constituímos um rito agnóstico, comprometidos com a filosofia racional e a ciência experimental desfraldarmos nossa bandeira, divulgarmos nossos ideais e formarmos Quadros de fato comprometidos com o Rito Moderno, e não com diversos ritos produzindo as mais diversas confusões em nossas práticas. Precisamos preservar o Rito Moderno como ele é: uma ferramenta para o pensamento racionalista aprimorar-se e difundir seus ideais em busca de uma sociedade melhor.
A humanidade tende ao afastamento do dogma e a prática da ciência, apenas a minoria menos dotada de luzes continua monoliticamente presa às antigas doutrinas dogmáticas.
Atinjamos a maioria, pois.
Tenhamos em mente que somente o Rito Moderno está filosoficamente preparado para a modernidade científica, para o pensamento quântico e a tolerância universal em virtude de sua absoluta liberdade de consciência, indispensável à busca da verdade.
PARA TANTO O QUE SE REQUER?
Falta em nossas Lojas o estudo responsável e profundo do Rito Moderno, sua filosofia, seus costumes, suas tradições.
Falta em nossas Lojas o estudo de nossa atualidade social, suas causas e conseqüências. Sem isso não poderemos estar preparados para responder as questões básicas desse desafio, a saber:
1) Que tipo de sociedade queremos?
2) Como podemos contribuir para construir essa sociedade?
3) No que eu – enquanto Homem Maçom – tenho que mudar para me tornar um agente desse projeto?
4) Que tipo de homens devemos iniciar para fortalecer a capacidade de realização desse projeto?
Sabemos que é indispensável ultrapassar o perfil maçônico atual que é:
1) Uma minoria que trabalha autenticamente pela causa maçônica;
2) Uma minoria que trabalha autenticamente para glorificação de seu próprio ego;
3) Uma minoria que dá trabalho (...);
4) Uma maioria que só assiste;
5) Uma minoria que assiste e critica tudo, sem nada fazer para mudar.
Para uma nova realidade, a saber:
1) Uma maioria de Homens Maçons participativos, conscientes de sua missão, colaboradores em todas as etapas do projeto;
2) Que tenham capacidade de pensar sistematicamente e de realizar o projeto;
3) Que possuam uma visão holística para que todos osaspectos (social, científico, filosófico, ecológico, etc.) sejam contemplados nesse projeto;
4) Que possuam notório saber em sua área de atuação e que se qualifiquem para o que for necessário;
5) Que sua maior parcela tenha estabilidade financeira para contribuir de forma efetiva quando necessário (sem sacrifícios dos seus).
Capitalista, Comunista, Socialista, um novo modelo? Qual?
Hol (o) + ismo, substantivo masculino, filosoficamente é a tendência que se supõem seja própria do Universo, a de sintetizar as unidades em totalidades organizadas. Teoria segundo a qual o homem é um todo indivisível e que não pode ser explicado por seus distintos componentes (físico, psicológico ou psíquico), considerados em separado. Holística.
Portanto, teremos que quebrar paradigmas, exatamente como nossos antepassados que “fizeram acontecer”. Quebrar paradigmas requer coragem para inovar, disposição de romper com o passado e trabalhar para a realização do projeto passo a passo, devemos romper com a dependência da política partidária e nos tornarmos independentes para que nossa filosofia se imponha (não podemos esperar que os outros façam por nós) e, ainda, precisamos encerrar a era dos manifestos inúteis e hipócritas, retrato fiel da incapacidade de interferência da Maçonaria atual.
Nossos Homens Maçons devem estar bem formados em nossa filosofia e em nosso projeto a fim de que possam atuar conscientemente, sem a necessidade de serem conduzidos por nossos líderes; cada um de nós deve ser um líder em seu meio e devemos agir inter-dependentemente, ou seja, com a independência que possuem aqueles que estão completamente esclarecidos – conscientes – do que devem fazer no conjunto, do que se espera que eles façam, esse é o papel e o perfil do Líder Maçom no meio social.
AUTORIA DO TEXTO E AUTORIZAÇÃO PARA USO
O presente texto foi concebido individualmente pelos Irmãos ativos da Loja Acadêmica Razão e Virtude no 3786, GOB-SC, Brusque SC, os quais apresentaram seus textos individuais na sessão do dia 18 de outubro de 2008, após o que recebeu a forma final aqui apresentada.
Os autores autorizam o seu uso por todas as Lojas do Rito Moderno na preparação de seus Obreiros desde que seja citada a autoria.
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