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PERGUNTAS & RESPOSTAS

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quinta-feira, 13 de setembro de 2018

A BATALHA DE GETTYSBURG

A BATALHA DE GETTYSBURG
José Herculano Paulo
Vale de Lisboa, 17 de Fefereiro de 2017 (e∴v∴)

O dia de 1 de Julho de 2013, marcou o 150º aniversário do início da Batalha de Gettysburg, confronto decisivo da Guerra Civil Americana. Esta guerra fratricida é fonte de estatísticas, e mal entendidos, que ainda hoje nos chocam, mas também contém factos, vinhetas da vida real que mereciam ser melhor ponderados. Esta guerra tem como pano de fundo o combate à abominação da escravatura, mas os seus actores têm motivações, vivências e objectivos bem mais complexos. É uma guerra de grilhetas, sim, mas nem todas, nem sequer as mais fortes, são feitas de ferro. A Batalha de Gettysburg desenvolveu-se entre os dias 1 e 3 de Julho de 1863. A vitória, necessária e incerta, salvou a presidência de Abraham Lincoln, anunciada no auspicioso 4 de Julho de 1863, aniversário da Independência dos Estados Unidos da América.

Os 8 mil mortos em combate e os 27 mil feridos, muitos deles amputados, muitos deles mais tarde falecidos em consequência das limitações da medicina do seu tempo, marcam a parte mais referida desses 3 dias de combates. Logo de seguida temos as histórias de heroísmo, de ambos os lados, de camaradagem e de sacrifício, de amor fraterno.

E de amor fraterno de outro tipo, noutra dimensão, vou falar agora. É provável que esta batalha tenha sido aquela na história em que mais maçons se enfrentaram, de lados opostos.

Robert E. Lee, o reverenciado general dos Estados Confederados, que não era maçon, foi uma vez apelidado como o homem mais nobre que jamais defendeu uma causa mais ignóbil. Mas para abordar este tema, vou ainda mais fundo na história, história remota, envolta em lendas e mistérios, chegada até nós destilada em textos religiosos.

No Mahabharata, que condensa o pensamento e os mitos de origem Indo-Europeus, a grande guerra dinástica que opõe os Kaurava aos seus primos Pandava, tem o seu desenlace último na grande Batalha de Kurukshetra, a batalha mais longa, mais sangrenta, em que todas as regras se vão violando, em que toda a crueldade entra em crescendo, e todo o heroísmo e pureza são maculados.

No início da batalha, Arjuna, o Pandava que é filho de Indra, o deus da guerra, olhando os familiares e amigos do outro lado do campo, vacila, recusa soprar a trombeta de batalha e desfalece. O condutor da sua quadriga, Krishna, fala-lhe longamente de Dharma, das coisas perfeitas, da ordem do universo, do primado dos princípios. Enquanto isso Yudhisthira, líder dos Pandava, aproxima-se do seu tio, Bhishma, que criou ambas as facções em confronto. E diz-lhe:

Encontro-me perante ti, tu que nos criaste, perante ti, que supremamente respeitamos. Dá-me permissão para que te combata.

Bhishma, perante o sobrinho prostrado, diz-lhe:

Desprezar-te-ia se não tivesses vindo ter comigo. Desejo a tua vitória, mas estou acorrentado aos teus inimigos. Vai e combate-me.

Em todas as grandes batalhas, em todos os momentos decisivos da história, há quem combata por ideais, por princípios, e há quem lute incerto de princípios, incerto da sua causa, mas acorrentado por questões de família, de honra, de fidelidade a uma terra ou a um grupo. E causas nobres são defendidas por gente ignóbil, e causas ignóbeis por gente nobre.

Porque nas fronteiras, nos momentos chave, nas alterações de paradigma, habita o caos.

No parque federal que é hoje o terreno de batalha de Gettysburg existe uma estátua erigida por maçons, que comemora um episódio maçónico. A estátua tem por título Friend-to-Friend, A Brotherhood Undivided.

Os eventos comemorados por esta estátua tiveram lugar no 3º dia da batalha, no fim do último e decisivo assalto das forças confederadas, travado mesmo em cima das linhas federais, naquilo a que se chamou doravante como “Pickett’s Charge”.

Por terra, moribundo, está o general sulista Lewis Armistead, que comandou o assalto. As forças que se lhe opunham eram comandadas pelo general Winfield Hancock, seu companheiro de armas antes da secessão, seu amigo pessoal e seu Irmão Maçónico. Caído nos últimos metros do assalto, no ponto doravante conhecido como “a maré alta da confederação”, pediu o auxílio do Filho da Viúva. Atendido pelo Irmão Henry Bingham, também ele ferido, capitão do staff do general Hancock, entrega-lhe o seu relógio maçónico e a sua Bíblia, para que sejam entregues a Hancock, com a expressão da sua mágoa.

Armistead e Hancock tinham-se separado na Califórnia, entre demonstrações de amor fraterno, para se dirigirem para os campos oponentes. Uma nação dividida, chamando às diferentes fileiras os seus filhos, alguns motivados por princípios e ideologias, outros acorrentados a estados de origem, famílias e modos de vida. Mas uma Irmandade Indivisa.

É-nos difícil a nós, maçons de hoje, moldados nos princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, entender como outros maçons poderiam defender uma sociedade esclavagista, construída sobre o sofrimento humano. Mas lembremo-nos da Constituição de Anderson e da sua literal ordenação de que para se ser maçon terá de se ser “um homem livre”. Lembremo-nos de uma sociedade que seguia a Bíblia, onde abundam as referências a ser escravo e a ter escravos, e faltam as referências à condenação da escravatura.

Consideremos ainda uma sociedade jovem, formada em ideais de auto-suficiência e em coragem galante, ansiosa de aventura. William Faulkner, prémio Nobel da literatura, escreveu sobre a alma sulista:

É tudo agora, não vês? Ontem não terminará antes de amanhã, e amanhã começou há dez mil anos. Para todo o rapaz sulista de catorze anos, não por uma vez, mas sempre que o queira, existe o momento em que ainda não são duas horas naquela tarde de Julho de 1863, as brigadas estão em posição por detrás da cerca, as armas prontas na floresta e as bandeiras enroladas já estão soltas para serem desfraldadas e Pickett ele mesmo, com os seus caracóis oleados e o seu chapéu numa mão e a sua espada na outra, olhando para a colina à espera da ordem de Longstreet, e está tudo na balança, nada aconteceu ainda (...) Talvez desta vez, com tanto a perder e tanto a ganhar (...)

Há que contemplar esses Irmãos que lutaram pela ignóbil causa com a mercê da compreensão da sua época e das grilhetas que os acorrentavam, porque a mercê, numa frase que me é grata, é “entrar no caos de outro”.

Mas esta mercê não implica ceder à tentação de baixar as armas que atormentou Arjuna. Maçons vindouros olharão para nós, maçons de hoje, e serão atormentados pelas nossas posições e pelos lados que escolhemos, num tempo que embora de outra forma, é fratricida.

Em Gettysburg exércitos de homens bravos defrontaram-se com tácticas antiquadas face aos avanços da tecnologia militar, e pagaram no corpo e no espírito essa bravura.

Hoje afrontamo-nos com ferramentas económicas e culturais arcaicas num período de globalização e modernização tecnológica acelerada, e esta incongruência temporal é causa de sofrimento e de desespero.

É nosso dever absoluto de maçons, ajuramentados aos princípios da Liberdade, Igualdade eFraternidade, “entrar nesse caos de outros”, e lutar por princípios e valores que nos são gratos e fundamentais.

E na nossa luta contra as grilhetas com que querem acorrentar ao arcaísmo gerações de agora e gerações que virão, não nos esqueçamos que dentro da nossa Irmandade haverá Irmãos acorrentados aos nossos inimigos.

E compreendamos algo mais, quando pretendemos consagrar os nossos Espaços Sagrados a esses ideais que juramos. Abraham Lincoln, no seu discurso em Gettysburg, que nunca é demais reler, e que para o efeito deixo apenso a esta prancha, disse:

Mas, num sentido mais vasto, não podemos dedicar – não podemos consagrar –não podemos sacralizar – esta terra. Os homens valentes, vivos e mortos, que lutaram aqui, consagraram-na muito acima do nosso pobre poder de adicionar ou remover. O mundo pouco notará, nem muito lembrará, o que dizemos aqui hoje, mas nunca esquecerá o que eles fizeram aqui. É para nós vivos, ao invés, sermos dedicados aqui ao trabalho inacabado que aqueles que aqui lutaram tão nobremente avançaram. É ao invés para nós sermos aqui dedicados à grande tarefa que está diante de nós – que destes honrados mortos tomemos a devoção acrescida àquela causa pela qual deram a última medida da sua devoção – que tomemos aqui a resolução mor de que estes mortos não tenham morrido em vão– que esta nação, na protecção de Deus, tenha um novo nascimento de liberdade– e que o governo do povo, pelo povo, para o povo, não pereça da face da terra.

Na nossa cadeia de união tocamos simbolicamente as mãos daqueles que nos antecederam no nosso Espaço Sagrado, mãos essas que muitas vezes deram a última medida de devoção pela causa da liberdade. Lembremo-nos deles, e de que mais não somos que obreiros por eles responsabilizados para continuarmos o trabalho por essa causa.

E recordemos ainda o exemplo do N.̇. Q.̇. Ir.̇. Joshua Chamberlain, herói do primeiro dia de combate em Gettysburg, cuja coragem e brilhantismo militar fez com que o exército federal não fosse flanqueado e vencido, e que esteve presente na rendição do exército confederado dois longos anos – e para Chamberlain dois ferimentos quase mortais – depois. Robert E. Lee tinha acabado de assinar a rendição, e retirava-se com a sua escolta esfaimada, em andrajos e exausta, quando sem que para isso tivesse instruções Chamberlain mandou os seus homens formar alas e prestar homenagem aos vencidos. Porque após o combate é dever do maçon abraçar os irmãos desavindos, sarar as feridas e retomar o caminho como um só povo de iguais.

Termino esta prancha com um poema de Walt Whitman, que acompanhou de perto as consequências da guerra, e que escreveu em 1867:

Pensiva, os seus mortos olhando, eu ouvi a Mãe de Todos, 
Desesperada, nos corpos destroçados, as formas cobrindo os campos de batalha vendo 
Quando chamava à sua terra com voz de mágoa enquanto passava:
Absorve-os bem, O minha terra, ela gritou – ordeno-te, não percas os meus filhos! 
Não percas um átomo; E vós regatos, absorvam-nos bem, tomando o seu sangue morto; 
E vós locais, e vós ares que nadam acima levemente, 
E todas as essências de solo e crescimento – e vós, funduras dos meus rios; E vós, colinas – e os bosques onde o sangue dos meus queridos filhos, 
vertendo-se avermelhou; 
E vós árvores, no fundo das vossas raízes, para dar a todas as árvores futuras, 
Os meus mortos absorvam – os belos corpos dos meus jovens absorvam – e o seu precioso, precioso, precioso sangue; 
Que para mim guardarás, e fielmente devolverás de novo, muitos anos passados, Em essência invisível e odor de solo e erva, séculos após; 
Em ares soprando dos campos, devolve-me os meus queridos – dá os meus heróis imortais; 
Exala-mos daqui a séculos – respira-me o seu respiro – não deixes perder um átomo; 
O anos, e sepulturas! O ar e solo! O meus mortos, um aroma doce! Exala-mos perenalmente, doce morte, anos, séculos após. 

Fonte: http://cavaleirosrosacruz.com/blog1

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