A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
José Castellani
O início do processo emancipador
A obra máxima da Maçonaria brasileira e a única de que ela participou de fato, como Instituição, foi a independência do Brasil, em 1822, no mesmo ano em que os Maçons brasileiros criavam a primeira Obediência nacional, o Grande Oriente Brasílico, ou Brasiliano, que posteriormente viria a ser o Grande Oriente do Brasil.
Não se pode afirmar, todavia, que a independência política do país foi obra exclusiva da Maçonaria. Em uma análise imparcial dos acontecimentos, pode-se deduzir, como faz Oliveira Lima, em sua “História de Portugal”, que “(...) quem separou o Brasil foi D. João VI”; na realidade, elevando o Brasil à categoria de Reino Unido ao de Portugal e Algarves, a 16 de dezembro de 1815, D. João dava o primeiro passo para a independência do país.
O bonachão e sonolento D. João, com um tino extraordinário, já previra a marcha dos acontecimentos, sabendo que a partir do estabelecimento da corte no Rio de Janeiro e da revolta das colônias espanholas, era impraticável o retorno do Brasil ao estado primitivo; dessa maneira, ele previu bem a situação posterior: ele e D. Pedro deveriam empalmar os tronos de Portugal e do Brasil, garantindo-os para a Casa de Bragança.
D. João desenvolveu tal amor pelo Brasil que chegou a assinar um decreto nomeando D. Pedro, regente de Portugal, com a conseqüente permanência dele mesmo no país, quando após a Revolução Liberal do Porto de 1820, com a queda da junta governativa chefiada pelo militar inglês Beresford, as Cortes Gerais Extraordinárias Constituintes da Nação Portuguesa exigiam a volta de D. João e o retorno do Pacto Colonial, através do qual a burguesia lusitana, ainda predominantemente mercantilista, pretendia tirar Portugal da crise econômica, restabelecendo o monopólio de comércio sobre o Brasil.
A evolução dos acontecimentos, todavia, provocou a inversão do plano, fazendo com que ele retornasse a Lisboa, deixando D. Pedro no Brasil, com instruções quase explícitas para que o príncipe se colocasse à frente do movimento emancipador. Seu projeto em essência era este: D. Pedro, sendo o herdeiro das duas coroas, reuniria, após a morte do pai, os cetros dos dois países.
Toda a vasta correspondência trocada entre os dois, nos dias que antecederam a declaração de independência, comprova o entendimento que havia entre ambos: nenhum dos fatos ocorridos no Brasil, nesses dias, deixou de ser conhecido por D. João.
Já a 09 de janeiro de 1822, por ocasião do “Fico”, em carta a D. João, o príncipe regente descrevia toda a solenidade, remetendo, inclusive, o auto feito pela Câmara, com todos os pormenores da cerimônia. Tratando-se, o “Fico”, de uma desobediência aos Decretos nº 124 e 125, emanados das Cortes Gerais portuguesas e que exigiam o retorno do príncipe a Portugal e a reversão do Brasil à condição colonial, claro está que D. Pedro omitira o fato ao rei, ao invés de fazê-lo, em pomposa comunicação, se D. João não o estivesse apoiando.
Uma carta, a 15ª enviada por D. Pedro, desde que D. João retornara a Portugal, tinha o seguinte texto:
“Rio de Janeiro, 09 de Janeiro de 1822.
Meu Pai, e meu Senhor. Dou parte á V. Mag., que no dia de hoje á dez horas da manhã recebi huma participação do Senado da Câmara pelo seo Procurador, que as Câmaras, nova e velha, se achavão reunidas, e me pedião huma Audiência : respondi, que ao meio dia podia vir o Senado, que eu o receberia. Veio o Senado, que me fez huma falla mui respeitosa, de que remetto copia (junto com o Auto da Câmara) á V. Mag., e, em summa, era que, logo que desamparasse o Brasil, elle se tornaria independente; e ficando eu, elle persistiria unido á Portugal. Eu respondi o seguinte – Como he para o bem de todos, e felicidade geral da Nação, estou prompto: diga ao Povo, que fico.
O presidente do Senado assim o fez; e o Povo correspondeo com immensos Vivas, cordialmente dados á V.Mag., á Mim, á União do Brasil á Portugal, e á Constituição. Depois de tudo socegado, da mesma janella em que estive, para receber os Vivas, disse ao Povo – Agora só tenho a recommendar-vos união e tranqüilidade – e assim findou este Acto. De então por diante os habitantes têm mostrado de todas as fórmas o seo agradecimento, assim como eu tenho mostrado o meu, por ver, que tanto me amão.
Remetto incluso á V. Mag. O Auto feito pela Câmara na fórma da Lei, e estimarei que V. Mag. O mande apresentar ás Cortes, para seo perfeito desenvolvimento, e intelligencia.
Deus guarde &c.” [1]
Em carta de 12 de maio de 1822, D. João repete ao seu filho os conselhos que lhe havia dado antes de partir; em resposta, a 11 de junho, D. Pedro lembra as recomendações paternas, acrescentando:
“Foi chegado o momento da quase separação e, estribando eu nas eloqüentes e singelas palavras expressas por Vossa Majestade, tenho marchado adiante do Brasil, que tanto me tem honrado”.
O Papel da Maçonaria
Foi, assim, feita a independência com o pleno conhecimento de D. João e com a participação efetiva de D. Pedro, escorado pelo trabalho da maçonaria, que se tornara, na época, uma forte corrente política. A indicação de D. Pedro à iniciação maçônica não deixou de ser, também, um ato político, o qual serviu aos interesses de ambos os lados: os Maçons, porque, tendo o regente entre eles, melhor poderiam influenciá-lo, no caminho da emancipação política do país, e D. Pedro, porque, estando entre os Maçons melhor poderia influenciá-los nos caminho de uma solução monárquica para o país, afastando-os de possíveis inclinações para um regime diferente.
Após o fracasso da Revolução de 1817 e com a expedição do Alvará de 30 de março de 1818, proibindo o funcionamento das Sociedades secretas, a Maçonaria entrou, oficialmente, em recesso, continuando, todavia, a trabalhar secretamente, no Clube da Resistência, fundado por José Joaquim da Rocha, em sua própria casa.
O Clube da Resistência foi a fornalha da insurreição até 02 de junho de 1821, quando a Loja “Comércio e Artes” foi reinstalada na casa do comandante Domingos de Ataíde Moncorvo, na rua São Joaquim, esquina da rua do Fogo, voltando à aberta atividade política em prol da Independência, tendo decisiva participação no “Fico” de 09 de janeiro de 1822.
O episódio do “Fico” foi feito sob a liderança dos Maçons José Joaquim da Rocha e José Clemente Pereira. Três representações, feitas sob inspiração maçônica e lideradas por Maçons, foram encaminhadas ao príncipe, rogando a sua permanência no Brasil e o descumprimento aos Decretos nº 124 e 125 das Cortes Portuguesas: a dos paulistas, redigida por José Bonifácio de Andrada e Silva, a dos fluminenses, redigida pelo frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio, orador da Loja “Comércio e Artes”, e a dos mineiros, liderada por Pedro Dias Paes Leme. Na cela do frei Sampaio, no Convento da Ajuda, reuniam-se os principais líderes do movimento.
D. Pedro, já nesse episódio, não ignorava a força e a influência da Maçonaria, explícita através da fala de José Clemente Pereira, nesse 09 de janeiro:
“Será possível que Vossa Alteza Real ignore que um partido republicano, mais ou menos forte, existe semeando aqui e ali em muitas das províncias do Brasil, por não dizer todas elas?”.
Começava ali o processo de aliciamento do príncipe.
O processo continuaria, logo depois, quando a Maçonaria, sob a liderança de Joaquim Gonçalves Ledo, resolvia a 13 de maio de 1822, por proposta do brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto, outorgar ao príncipe o título de “Defensor Perpétuo do Brasil”, em uma cartada política importantíssima da Loja “Comércio e Artes”.
E, diante do crescimento da Loja “Comércio e Artes” e da campanha pela independência, resolviam, os Maçons do Rio de Janeiro criar a primeira Obediência maçônica do Brasil, o Grande Oriente Brasílico, através da tripartição da Loja, resultando as Lojas “União e Tranqüilidade”, “Esperança de Niterói” e a própria “Comércio e Artes”. Isso ocorreu no 28º dia do 3º mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz 5822, que, no calendário gregoriano, corresponde ao dia 17 de junho de 1822 (da era, designada Maçonicamente, como Era Vulgar). Alguns autores, seguindo Rio Branco, em notas a Varnhagen, interpretam essa data como 28 de maio de 1822, partindo da errada premissa de que o ano maçônico tinha início no dia 1º de março, quando, na realidade, em seu início, o Grande Oriente utilizava o calendário equinocial, muito próximo do calendário religioso hebraico – que inicia o ano no mês Nissan, na lua nova que se segue ao equinócio de março – iniciando o ano no dia 21 de março. Só em 1855 é que o Grande Oriente passaria a utilizar o dia 1º de março como o início do ano maçônico[2].
Fundado o Grande Oriente, foi escolhido, como seu Grão Mestre, José Bonifácio de Andrada e Silva, pela sua dimensão, não só na política nacional – onde era o poderoso ministro do Reino e de Estrangeiros – mas, também, na européia, pela sua atividade científica e política, durante todo o tempo em que esteve na Europa. Isso apesar de não ser, ele, o líder dos Maçons da época, encargo que cabia a Joaquim Gonçalves Ledo, que ocuparia, no Grande Oriente, o cargo de Primeiro Grande Vigilante, substituto imediato do Grão Mestre.
Havia, sem sombra de dúvida, uma luta ideológica entre os grupos de José Bonifácio e de Ledo. Enquanto o primeiro defendia a independência dentro de uma união brasílico-lusa – perfeitamente exeqüível – o segundo pretendia o rompimento total com a metrópole portuguesa, o que poderia tornar difícil a transição para país independente. E essa luta não era limitada, evidentemente, às paredes das lojas maçônicas, assumindo caráter público e se estendendo, inclusive, através da imprensa.
A 15 de setembro de 1821, foi lançado um jornal de extraordinária importância política: o “Revérbero Constitucional Fluminense”, dirigido por Ledo e Januário; essa publicação duraria pouco mais de um ano – até 08 de outubro de 1822 – mas teria, por sua atuação, uma influência extraordinária no movimento emancipador, refletindo o pensamento liberal da nascente Maçonaria brasileira.
Para combater o “Revérbero” e defender as idéias de José Bonifácio, foi fundado o “Regulador Brasílico-Luso”, cujo primeiro número foi publicado a 29 de julho de 1822, sendo impresso na Tipografia Nacional e redigido pelo frei santa Tereza Sampaio. Além disso, surgiria também o jornal “O Constitucional”, redigido pelos Maçons José Joaquim da Rocha e padre Belchior Pinheiro de Oliveira, defendendo as mesmas idéias liberais de Ledo.
O grande passo para o envolvimento do príncipe regente foi dado quando, por proposta de José Bonifácio, D. Pedro foi iniciado na Loja “Comércio e Artes”, no 13º dia do 5º mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz de 5822, ou seja, de acordo com o calendário maçônico adotado na época, 02 de agosto de 1822. D. Pedro, cumprindo costume da época, adotou o nome histórico Guatimozin, nome do último imperador asteca de Anahuac (região do atual México), o qual defendeu o seu império contra os invasores espanhóis de Cortez, tendo sido morto e supliciado, em 1522, deitado sobre brasas. Três dias depois de iniciado, ou seja, a 05 de agosto, D. Pedro tornava-se Mestre Maçom. O curioso é que existem autores tendenciosos que afirmam que José Bonifácio foi contrário à iniciação do príncipe, quando na verdade foi ele quem o indicou; e isso está nas atas do Grande Oriente Brasílico.
José Bonifácio, D. Pedro e Ledo
Os acontecimentos de 07 de setembro de 1822 foram, comprovadamente, premeditados e conduzidos por José Bonifácio. Em suas “Memórias”, Antônio de Menezes Vasconcellos Drumond, emissário da Maçonaria nas províncias de Pernambuco e da Bahia, de onde regressara no final de agosto de 1822, relata o seguinte:
“José Bonifácio havia também naquelle dia ou na véspera, recebido novas de Lisboa; e juntas estas com aquellas que eu trazia (da Bahia) julgava conveniente acabar com os paliativos e proclamar a independência. Fosse esta a causa isolada ou cumulativa com os seus desejos de ser a independência proclamada na sua província, o caso é que elle desde logo entendeu que se não devia adiar para mais tarde esse acto. O príncipe já estava em S. Paulo e se a occasião não fosse approveitada quem sabe se outra se poderia proporcionar tão cedo. Despediu-me e ordenou que eu me achasse ás 11 horas da manhã no paço de São Cristovam, mas que lhe entregasse antes todos os papéis que eu trazia e para o que me esperava até ás 9 horas.
Ás 8 horas eu já estava com elle, entreguei os papéis...
Ás 11 horas me achei no Paço de São Cristovam. José Bonifácio já lá estava. Havia Conselho. Beihei a mão á princesa. No Conselho decidiu-se de se proclamar a independência. Enquanto o Conselho trabalhava, já Paulo Bregaro estava na varanda prompto a partir em toda dilligencia para levar os despachos ao príncipe regente. José Bonifácio ao sahir lhe disse:
- Se não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais será correio; veja que faz.
Não sei se Bregaro arrebentou muitos cavalos; o que sei é que elle deu boa conta de sua comissão e que fez a viagem em menos tempo do que até então se fazia muito à pressa”[3].
Os documentos, levados pelo correio Paulo Bregaro e que proporcionaram os acontecimentos da colina do Ipiranga, eram: carta de D. João a seu filho, carta da princesa D. Leopoldina, carta de Chamberlain, agente secreto do príncipe, instruções das Cortes, exigindo o imediato regresso do príncipe e a prisão e processo de José Bonifácio – já que era o personagem mais importante do movimento emancipador – e carta do próprio José Bonifácio, onde à sua maneira viril, ele dizia:
“Senhor, as Cortes ordenaram a minha prisão por minha obediência a V. Alteza. E no seo ódio imenso de perseguição atingiriam tambem aquelle que se preza em o servir com lealdade e dedicação do mais fiel amigo e súbdito. O momento não comporta mais delongas ou condescendencias. A revolução já está preoarada para o dia de sua partida. Si parte, temos a revolução do Brasil contra Portugal e Portugal actualmente não tem recursos para subjugar um levante, que é prepparado occultamente para não dizer quase visivelmente. Si fica, tem V. Alteza contra si o povo de Portugal, a vingança das Cortes, que direi?! Até a desherdação, que dizem já estar combinada. Ministro fiel que arrisquei tudo por minha Pátria e pelo meu Príncipe, servo obedientissimo do Senhor D. João VI, que as Cortes tem na mais detestável coacção, eu, como Ministro, aconselho a V. Alteza que fique e faça do Brasil um reino feliz, separado de Portugal, que é hoje escrevo das Cortes despóticas. Senhor, ninguém mais do que sua esposa, deseja sua felicidade e ela lhe diz em carta que com esta será entregue, que V. Alteza deve ficar e fazer a felicidade do povo brasileiro, que o deseja como seu soberano, sem ligações e obediências ás despóticas Cortes portuguesas, que querem a escravidão do Brasil e a humilhação do seu adorado Príncipe Regente. Fique, é o que todos pedem ao Magnanimo Príncipe que é V. Alteza, para orgulho e felicidade do Brasil. E si não ficar correrão rios de sangue nesta grande nobre terra, tão querida do seu Real Pai, que já não governa em Portugal, pela opressão das Cortes; nesta terra que tanto estima V. Alteza e a quem tanto V. Alteza estima. – José Bonifácio de Andrada e Silva”[4].
A carta de D. Leopoldina, entre outras coisas ratificava a grande influência de José Bonifácio, ao dizer:
“Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que conheceu todas as cortes da Europa, que alem de vosso Ministro fiel é o maior de vossos amigos. Ouvi o conselho de vosso Ministro, si não quiserdes ouvir o de vossa amiga. Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida. Já dissestes aqui o que ireis fazer em S. Paulo. Fazei, pois. Tereis o apoio do Brasil inteiro e contra a vontade do povo brasileiro os soldados portugueses que aqui se estão nada podem fazer”.
No dia 08 de setembro de 1822, um dia depois de proclamada a Independência, D. Pedro, despedindo-se dos paulistanos, anunciava a nova divisa do país: “Independência ou Morte!”, através da Proclamação aos Paulistas. Logo depois dos acontecimentos da colina do Ipiranga, D. Pedro enviava, ao seu pai, uma vigorosa carta, onde ainda se punha como príncipe-regente, já que não fora, ainda, entronizado:
“Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1822.
Meu Pai, e Senhor. Tive a honra de receber de V.Mag. huma Carta datada de 3 de Agosto, na qual V. Mag, me reprehende pelo meu modo de escrever, e fallar da Facção Luso-Hespanhola. Se V. Mag. Me permitte, Eu, e meus Irmãos Brasileiros, lamentamos muito, e muito, o estado de coacção em que V. Mag. jaz sepultado.
Eu não tenho outro modo de escrever; e como o verso era para ser medido pelos infames Deputados Europeos e Brasileiros do partido dessas despóticas Cortes Executivas, Legislativas, e Judiciárias, cumpria ser assim: e como eu agora mais bem informado sei, que V. Mag. Está positivamente prezo, escrevo esta ultima Carta (sobre questões já decididas pelos Brasileiros) do mesmo modo; porque com perfeito conhecimento de causa estou capacitado, que o estado de coacção, á que V.Mag. se acha reduzido, he que o faz obrar bem contrariamente ao seo liberal gênio. Deos nos livrasse se outra cousa pensássemos.
Embora se decrete a minha desherdação ; embora se commetão todos os attentados, que em Clubs Carbonários forem forjados; a Causa Santa não retrogradará; e Eu antes de morrer direi aos charos Brasileiros – Vede o fim de Quem se expoz pela Pátria, - imitai-Me.
V. Mag. manda-me, (que digo!!!) mandão as Cortes por V. Mag., que eu faça executar, e execute os seos Decretos ; para eu os fazer executar, era necessário, que nós Brasileiros livres obedecêssemos á Facção: respondemos em duas palavras – Não queremos.
Se o povo de Portugal teve direito de se constituir revolucionariamente, está claro que o Povo do Brasil tem dobrado; porque se vai constituindo, respeitando a Mim, e ás Authoridades estabelecidas.
Firmes nestes inabaláveis princípios, digo (tomando a Deos por testemunha, e ao Mundo inteiro), á essa cáfila sanguinária, que eu, como Príncipe Regente do Reino do Brasil, e seo Defensor Perpetuo, Hei por bem Declarar todos os Decretos pretéritos dessas facciosas, horrorosas, machiavelicas, desorganizadoras, hediondas, e pestiferas Cortes, que ainda não mandei executar, e todos os mais que fizeram para o Brasil, nullos, irritos, e inexeqüíveis, e, como taes, com hum veto absoluto, que he sustentado pelos Brasileiros todos, que, unidos a mim, me ajudão a dizer, - de Portugal, nada, nada ; não queremos nada.
Se esta declaração tão franca irritar mais os ânimos desses Luso-Hespanhoes, que mandem tropa aguerrida, e ensaiada na guerra civil, que lhe faremos ver qual he o Valor Brasileiro. Se por descôco se atreverem a contrariar nossa Santa Causa, em breve verão o mar coalhado de Corsários, e a miséria, a fome, e tudo quanto lhes podemos dar em troco de tantos benefícios, será praticado contra esses Coryphêos. Mas que! Quando os desgraçados Portuguezes os conhecerem bem, elles lhes darão o justo premio.
Jazemos por muito tempo nas trevas ; hoje já vemos a luz. Se V. Mag. cá estivesse, seria respeitado e amado: e então veria, que o Povo Brasileiro, sabendo prezar sua Liberdade, e Independência, se empenha em respeitar a Authoridade Real ; pois não he um bando de vis Carbonarios, e assassinos, como so que tem a V. Mag. no mais ignominioso cativeiro.
Triumpha, e triumphará, A Independência Brasílica, ou a morte nos hade custar. O Brasil será escravisado; mas os Brasileiros não; porque, em quanto houver sangue em nossas veias, hade correr; e primeiramente hão de conhecer melhor o Rapazinho, e até que ponto chega sua capacidade, á pezar de não ter viajado pelas Cortes estrangeiras.
Peço a V. Mag. que mande apresentar esta ás Cortes! Ás Cortes, que nunca forão geraes, e que são hoje em dia só de Lisboa, para que tenhão com que se divirtão, e gastem ainda hum par de moedas á esse tísico Thesouro.
Deos guarde &c”[5]
Nessa luta, não pode ser negada a grande participação também de Ledo, líder dos Maçons. Ainda em 1821, o intendente de polícia informava ao ministro de D. João:
“Permitta v. ex. que diga ser impossível agir sem tropas fieis, pois as que temos estão na maioria filiadas aos conspiradores, sendo conveniente mandar vir outras do Reino de Portugal, pois o movimento da independência é por demasia generalizado pela obra maldita dos Maçons astuciosos, com a chefia de Gonçalves Ledo”.
Vinte e um dias depois desse ofício secreto, o intendente expedia outro, onde dizia que “é de fonte segura que a Maçonaria pretende fazer a independência (...)”.
Cabe aqui um parêntese para repor uma verdade histórica. Muitos Maçons desinformados e muitos historiógrafos afoitos afirmam que a Independência foi, realmente proclamada a 20 de agosto de 1822, em sessão do Grande Oriente, quando Ledo aclamava D. Pedro rei do Brasil, acatando, em seguida, a emenda de Domingos Alves Branco que propunha o título de imperador.
Isso não é verdade, em relação ao dia, pois no dia 20 de agosto não houve sessão no Grande Oriente; tal falsa afirmação parte, como muitas outras, do já apontado erro de interpretação do calendário maçônico. A ata do Grande Oriente, em que consta esse fato, tem a data do 20º dia do 6º mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz de 5822; como já foi esclarecido, o ano maçônico, com base no calendário religioso hebraico, iniciava-se no dia 21 de março e não no dia 1º. Assim sendo, o 6º mês começava no dia 21 de agosto e, portanto, o seu 20º dia era, na verdade, o dia 09 de setembro, dois dias após o “grito do Ipiranga”; é claro, entretanto, que com os parcos meios de comunicação da época não se podia saber, no Rio de Janeiro, no dia 09, que a Independência já havia sido proclamada em São Paulo no dia 07, uma vez que de São Paulo ao Rio de Janeiro gastava-se uma semana a cavalo.
Nota-se que, diante do desconhecimento dos fatos ocorridos às margens do Ipiranga, a Maçonaria resolveu, no dia 09, realmente, proclamar D. Pedro imperador do Brasil; todavia, em atenção à verdade histórica, não se pode afirmar que o Grande Oriente proclamou a emancipação no dia 20 de agosto, tendo D. Pedro se limitado apenas a referendá-lo no dia 07 de setembro. Este é um engano que originou até o “Dia do Maçom”, a 20 de agosto, que é uma data que não representa, realmente nada.
O Fechamento do Grande Oriente e do Apostolado
A luta política entre os dois grupos, o de Bonifácio e o de Ledo, iria se tornar mais evidente e mais agressiva, depois dos acontecimentos de 07 de setembro, inclusive porque o grupo do Grande Oriente, dominado por Ledo, não aceitava a proclamação feita em São Paulo, o que o deixava fora do momento máximo da independência, pretendendo, por isso, que o dia 12 de outubro, marcado para a aclamação civil do primeiro monarca do Brasil, fosse considerado como o verdadeiro ato da independência. Isso pode ser notado na ata de 04 de outubro, na 17ª sessão do Grande Oriente, em Assembléia Geral, quando Ledo fazia sentir as boas disposições em que se achava o povo brasileiro, manifestadas por seus atos de adesão ao príncipe, e que “sendo o Grande Oriente a primeira corporação que tomou a iniciativa da independência, cumpria que também a tomasse na aclamação de seu monarca”.
Nessa mesma sessão de 04 de outubro, consumava-se um verdadeiro golpe de Estado maçônico, perpetrado por Ledo, pois nesse dia, o 14º do sétimo mês maçônico, D. Pedro tomava posse do cargo de Grão Mestre do Grande Oriente, sem que José Bonifácio houvesse renunciado a ele e sem que a Assembléia Geral o houvesse destituído. A verdade é que a sessão anterior, de 28 de setembro, fora dirigida pelo Grão Mestre José Bonifácio. E, já na seguinte, sem qualquer motivo e sem qualquer explicação, D. Pedro é empossado no Grão Mestrado!
Foi, sem dúvida, um ato totalmente ilegal que demonstra, contudo, como Ledo dominava o Grande Oriente.
Note-se que alguns autores, partindo do calendário errado, situam a posse de D. Pedro no dia 14 de setembro, uma semana depois da proclamação em São Paulo. O 14º dia do 7º mês, todavia, era 04 de outubro, já que o 7º mês iniciara-se a 21 de setembro. E existem muitas provas históricas disso, bastando citar uma só, muito interessante, por sinal:
No final dessa sessão do 14º dia do 7º mês, o 1º Grande Vigilante propôs, à consideração da assembléia, as queixas, que ouvira, do Irmão Francisco Pedro Limpo, relativas à Portaria que regulava o modo de guarnecer a Esquadra brasileira que se estava aparelhando. A Portaria mencionada, do Ministério da Marinha, a qual regulava a maneira de guarnecer a esquadra, que estava sendo aparelhada, tendo sido assinada pelo Irmão Manoel Antônio Farinha, tem a data de 1º de outubro de 1822. Não poderia, portanto, haver referência, no dia 14 de setembro, a uma Portaria que nem existia.
Uma outra inverdade histórica desse período, que ainda é divulgada, é a de que José Bonifácio, despeitado por ter sido alijado do Grão Mestrado, criara por vingança uma outra entidade, o “Apostolado”, para ela levando todo o seu grupo, além de D. Pedro. A verdade, todavia, é bem outra, pois o Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz foi instalado no dia 02 de junho, dezessete dias antes, portanto, de ser criado o Grande Oriente, e dele faziam parte, além de José Bonifácio e de D. Pedro, Ledo e os seus seguidores.
O Apostolado, também com finalidades políticas, era uma entidade secreta formada nos moldes da Carbonária européia, bem conhecida por José Bonifácio, e já na data de sua fundação, D. Pedro era eleito seu chefe com o título de Arconte-Rei; ao perpetrar o golpe político, elegendo o regente Grão Mestre do Grande Oriente, Ledo procurava diminuir a influência de Andrada sobre o príncipe, oriunda da concessão do título de chefe do Apostolado. O Apostolado, embora seguisse certos moldes da Carbonária, era formado por “Palestras” (uma das quais tinha o título de “Independência ou Morte”, origem do “grito do Ipiranga”), os seus componentes eram chamados de “camaradas” e os profanos, de “paisanos”. A entidade, na realidade, era manobrada por José Bonifácio e seus irmãos, imprimindo-lhe um caráter conservador e monárquico, em oposição ao caráter liberal e republicano, imprimido pelo grupo majoritário de Ledo no Grande Oriente.
Se, até a elevação de D. Pedro ao Grão Mestrado do Grande Oriente, as duas facções mantinham uma aparente cordialidade, após esse acontecimento rompeu-se o tênue elo que as ligava, declarando-se abertamente as hostilidades entre eles. O discurso de recepção na posse do novo Grão Mestre, proferido por Domingos Alves Branco, mostra, de acordo com Varnhagen, um verdadeiro manifesto de oposição ao todo poderoso ministro José Bonifácio:
“O ciúme que se atiça contra a nossa franqueza e lealdade, por aqueles que pretendem desvairar-vos do trilho que tendes seguido, vos queira fazer inúteis as nossas honrosas fadigas e a nossa vigilância. Não acrediteis que é por amor de vós, mas sim, pelo bom sabor do despotismo que eles pretendem estabelecer a coberto da vossa autoridade. Apartai-vos, digno Grão Mestre, de homens coléricos e furiosos. Por mais cientes que eles sejam, nunca acham a razão e só propendem para o crime. Vós tendes sabedoria, prudência, comedimento e moderação; portanto, não vos deixeis abandonar a malvados. Atalhai todo o ulterior progresso da intriga, confiando nos vossos leais Maçons”.
A disputa entre os dois grupos poderia, evidentemente, perturbar o ambiente em um momento em que o país necessitava de paz para se organizar como nação independente e para enfrentar a possível reação portuguesa. José Bonifácio aguardava, evidentemente, um passo em falso de seus adversários. E isso aconteceu, ao saber que Clemente Pereira, Nóbrega e Ledo haviam exigido de D. Pedro, o prévio juramento à Constituição que a Assembléia Constituinte aprovasse, além de três assinaturas em branco. Como as exigências eram realmente absurdas, ele fez ver ao imperador que a submissão a elas seria altamente perigosa e prejudicial ao seu governo. Isso faria com que D. Pedro, em carta de 21 de outubro, mandasse, como Grão Mestre e como imperador, que o Grande Oriente fosse fechado, enquanto José Bonifácio iniciava o processo contra o grupo todo de Ledo.
O Apostolado, todavia, também não teria vida longa: D. Pedro, em 1823, recebia uma carta, redigida em alemão, onde era denunciada uma conjuração do Apostolado contra ele; no mesmo dia, acompanhado de cinqüenta soldados, invadiu a sede da entidade e ordenou o seu fechamento.
A 12 de novembro, D. Pedro dissolvia a Constituinte, deportava os Andradas e outorgava a Constituição do Brasil, sem a intervenção do Legislativo. Só em 1831 é que a Maçonaria renasceria no país – depois da abdicação de D. Pedro, a 07 de abril desse ano – através de dois grandes troncos: o Grande Oriente Brasileiro, que desapareceria cerca de trinta anos depois e o Grande Oriente do Brasil.
(Do Livro “A Ação Secreta da Maçonaria na Política Mundial” – Edit. Landmark – S. Paulo – 2002)
[1] Apud Assis Cintra, in “Brasil de Outrora” – Monteiro Lobato e Co. Editores – 1922 – pág. 221.
[2] Para maiores detalhes, inclusive com comprovação documental, v. “História do Grande Oriente do Brasil – A Maçonaria na História do Brasil” – Brasília: Editora do Grande Oriente do Brasil; 1993; e “Os Maçons na Independência do Brasil” – Londrina: A Trolha; 1994; ambas as obras do autor desta.
[3] Apud Ferreira, T.L. e Ferreira, M., in “A Maçonaria na Independência Brasileira”.
[4] Apud Assis Cintra, in op. Cit. – pág. 47.
[5] Apud Assis Cintra, in op. Cit. – págs. 240 e 241.
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