Ou ficar a Pátria livre, ou
morrer pelo Brasil.
José Maurício Guimarães
A história da Maçonaria no
Brasil, no capítulo que se refere à Independência, revela um conflito mal
administrado entre interesses políticos e os objetivos da Ordem. Tudo aconteceu
numa espécie de relâmpago - no curto espaço de tempo entre janeiro e outubro de
1822.
O "dia do Fico" (9 de janeiro) foi uma injeção de ânimo no
grupo de maçons contrário aos interesses da dinastia portuguesa. Liderados pelo
carioca Joaquim Gonçalves Ledo, esses maçons exigiam um governo liberal sob a
égide de uma constituição republicana. Gonçalves Ledo insistia na libertação do
Brasil segundo os modelos abraçados pela Maçonaria republicana da Europa e pelo
ideário da Revolução Francesa que, desde a queda da monarquia, reavivara o lema
iluminista de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Ledo fez circular um
abaixo-assinado pedindo a D.Pedro I a convocação de uma Constituinte. Parece
que D.Pedro via com bons olhos essa ideia, mas não vislumbrava os meios de se
realizar a transição sem conflitos.
Para complicar as coisas, o ano de 1822 foi
particularmente difícil para D.Pedro que ainda nem completara 24 anos de idade:
na política, o maçom monarquista José Bonifácio de Andrade e Silva assumiu o
cargo de Ministro do Reino (17 de janeiro) liderando a corrente majoritária da
Maçonaria no Grande Oriente, que procurava fortalecer o poder absoluto de D.
Pedro; na vida particular, sofrera o duro golpe causado pela morte prematura do
menino João Carlos, seu terceiro filho com D. Leopoldina.
Depois, nos meses de
junho e julho, D. Pedro viu-se às voltas com os maçons republicanos José
Clemente Pereira, Januário Barbosa e, mais uma vez, Gonçalves Ledo, a
insistirem na necessidade de uma Constituinte.
Parece que o paulista José
Bonifácio antecipou-se aos fatos propondo, na loja Maçônica Comércio e Artes, o
ingresso de D. Pedro na Ordem. De fato, em 2 de agosto, procedeu-se a iniciação
de D.Pedro que, em conformidade com o Rito Adhoniramita daquela Loja, escolheu
o nome iniciático de Guatimosim, bravo guerreiro asteca que morreu lutando pela
liberdade de seu povo.
A ascenção de D.Pedro na Maçonaria, tendo em vista os
objetivos de ambas as correntes - a monarquista e a republicana - deveria ser
rápida. Dessa forma, Gonçalves Ledo, ocupando a presidência dos trabalhos no
Grande Oriente, propôs, no mês de agosto, a imediata Exaltação do recém
iniciado ao Grau de Mestre.
Um mês depois, achando-se D.Pedro entre o Ipiranga
(São Paulo) e o Rio de Janeiro, pediu ao padre Belchior que lesse, em voz alta,
as cartas trazidas de Portugal. É o próprio padre Belchior que, quatro anos
mais tarde, narrou o episódio nestas palavras:
“D. Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro e outros, em direção aos nossos animais, que se achavam à beira da estrada. De repente estacou-se, já no meio da estrada, dizendo-me: - 'Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me, com desprezo, de rapazinho e brasileiro. Pois verão agora o quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações: nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal! E arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas Cortes, como símbolo na nação portuguesa, atirou-o ao chão, dizendo: - Laços fora, soldados! Viva a independência, a liberdade, a separação do Brasil'.”
O padre Belchior não diz que D.Pedro tenha
exclamado "Independência ou Morte" mas nos informa de que ele
“galopou, seguido de seu séquito, em direção a São Paulo onde, mal apeara da
besta, ordenou ao seu ajudante de ordens que fosse às pressas ao ourives Lessa
e mandasse fazer um dístico em ouro, com as palavras 'Independência ou Morte' –
divisa que lhe havia sido sugerida por Gonçalves Ledo – "e colocou-a no
braço por um laço de fita verde e amarela.”
No dia 9 de setembro os maçons do
Rio, sem terem conhecimento do que acontecera em São Paulo dois dias antes,
atenderam à moção do Irmão Gonçalves Ledo e proclamaram em Loja a Independência
cuja legalização iriam submeter e atribuir a D. Pedro. Podemos dizer, portanto,
que a proclamação da Independência fora intelectualmente articulada dentro do
Grande Oriente.
Em 4 de outubro D. Pedro
foi empossado como Grão-Mestre da Maçonaria e no dia de seu aniversário (12 de
outubro), ao completar 24 anos de idade, foi aclamado Imperador Constitucional
do Brasil.
Com a aclamação do Irmão Domingos Alves Branco, estava derrotado o
partido republicano. O Brasil continuaria sendo uma monarquia ligada à realeza
européia, aos interesses da Inglaterra e com vistas à sucessão de D.Pedro ao
reino de Portugal.
Os adeptos da república passaram a ser duramente perseguidos
e em 2 de novembro José Bonifácio mandou, por decreto, abrir uma devassa contra
o grupo de Gonçalves Ledo. A situação ficou insustentável dentro da Maçonaria,
com acusações de ambas as partes, afetando o governo e a Ordem.
Indignado,
D.Pedro enviou, em 21 de outubro, a seguinte carta a Gonçalves Ledo: "Meu
Ledo. Convido fazer certas averiguações tanto Pública como Particulares na
Maçonaria, mando primeiro como Imperador segundo como Grão-Mestre: que os
trabalhos maçônicos se suspendam até segunda ordem minha. É o que tenho a
participar-vos; resta-me reiterar os meus protestos como Irmão: Pedro
Guatimosim Grão-Mestre, São Cristóvão, 21 de outubro, 1822." Aqui cessa a
tempestade e a vertigem do relâmpago.
Todavia, é o grande pesquisador
maçônico, Irmão Kurt Prober (1909-2008), que nos informa em "Achegas para
a História da Maçonaria no Brasil" do capítulo seguinte, desconhecido da
maioria dos maçons.
Prober afirma que Gonçalves Ledo procurou pessoalmente o
Imperador e Grão-Mestre prestando-lhe os esclarecimentos que resultaram na
convicção do Imperador de que os republicanos eram vítimas do ódio monarquista.
Assim, quatro dias depois (25 de outubro), D.Pedro mandou entregar novo
comunicado a Gonçalves Ledo nestes termos: "Meu Irmão – Tendo sido outro
dia suspendidos nossos augustos trabalhos pelos motivos que vos participei, e
achando-se hoje concluídas as averiguações vos faço saber que segunda-feira que
vem os nossos trabalhos devem recobrar o seu antigo vigor começando a abertura
pela Assembleia Geral. É o que por ora tenho a participar-vos para que
passando as ordens necessárias as
executeis. Queira o Supremo Arquiteto do Universo dar-vos fortunas imensas como
vos desejo o vosso Irmão Pedro Maçom Rosa-Cruz."
José Bonifácio, sentindo-se
desprestigiado, pediu demissão do cargo de Ministro juntamente com seu irmão
Martim Francisco Ribeiro de Andrada, ministro da Fazenda no chamado Gabinete
dos Andradas.
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