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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

OLIVER CROMWELL E A ORIGEM DA MAÇONARIA MODERNA

OLIVER CROMWELL E A ORIGEM DA MAÇONARIA MODERNA
Ir⸫ Frederico Guilherme Costa

Desde muito cedo a Maçonaria na Europa foi responsabilizada como Instituição promotora da democracia e propagadora das idéias republicanas, senão comunistas. Uma publicação francesa anônima, que circulou em Bruxelas em 1744, atribuiu aos maçons a determinação de implantar uma república universal e democrática.

Em Amsterdã, na plenitude da Revolução de 1747, outro texto acusou-os de serem seguidores de Oliver Cromwell, herdeiros da revolução inglesa e da tradição republicana. Noutra publicação anônima, também de Amsterdã, os maçons são chamados de "cromwellistas", homens de elite, inimigos da religião e desestabilizadores do Estado. Em 1791 passaram a ser responsáveis pela Revolução Francesa.

Muitos desses ataques são de origem clerical. Em 1738 o papa condenou a maçonaria, em parte por causa da popularidade da Loja de Roma. Naquele momento, a lista dos maçons naquele momento notórios republicanos. A ingenuidade inglesa ou a sua transparência mostravam a pureza dos ideais maçônicos com a sua organização muito semelhante a um governo republicano. Os líderes eram eleitos dentro dessas características.

Todas estas citações devem ser entendidas como mais uma possibilidade de apontar a maçonaria moderna como resultado da Revolução Inglesa. Sempre será de bom alvitre lembrar que a maçonaria não nasceu continental, mas na ilha britânica. Seus valores são, portanto, ingleses...

Em contraste com o absolutismo monárquico que dominava a Europa Continental, no século XVIII, o modelo inglês, como resultado da experiência revolucionária de 1640 e 1688-89, tinha determinado o princípio constitucional e o governo parlamentar. 

Gostaria de lembrar uma importante diferença entre a Revolução Inglesa e aquelas que se seguiram. Os franceses de 1789 podiam buscar nos ingleses do século XVII uma teoria revolucionária, assim como a Revolução Russa de 1917 estava plenamente consciente da Revolução Francesa. A liberdade, a igualdade e a fraternidade apregoadas por esta última determinavam uma possibilidade concreta de algo novo pelo qual se deveria lutar; paz, pão e terra eram metas que os russos pretendiam alcançar no futuro. Para os ingleses, entretanto, religião, liberdade e prosperidade não constituíam nenhuma novidade, visto que eles acreditavam que já existisse.

Os sentimentos democráticos da revolução inglesa contaminaram as seitas que desempenharam um papel importante ao estender a influência de Londres por toda a Inglaterra. Após o "Ato de Tolerância" de 1689, antecedido pela publicação, em l646, da " Carta Sobre a Tolerância" de Locke, seus organizadores, especialmente os quakers, trabalharam para que a legislação, que lhes era favorável, fosse respeitada e obedecida em todo o país. A partir de 1730 surgiu o mito que associou a maçonaria àquela experiência revolucionária liderada por Cromwell. 

A Tolerância religiosa, a consciência não conformista, a relativa liberdade de imprensa, que em l640 representou o quarto poder na Inglaterra, uma atitude favorável à ciência, determinou o nascimento de novas profissões em função do desenvolvimento literário e do surgimento, neste ambiente de crise, da moderna maçonaria que representa, no meu entendimento, a ruptura entre o pensamento medieval e o moderno.

Mesmo admitindo que no século XVII as guildas escocesas dos franco-maçons estivessem sem trabalho e, provavelmente, participando da Revolução Inglesa –1640 ou 1688-89, não existe um indício historicamente relevante, naquele período, que possa sugerir um engajamento. Contudo, um século depois, vamos encontrar maçons no Continente escrevendo e divulgado a notícia de que Cromwell era o fundador da Moderna Maçonaria, segundo a nossa pesquisadora citada. 

Os maçons contemporâneos da guerra civil presenciaram o regicídio e o nascimento da república. Comovidos intelectualmente com a guerra, perceberam que a Revolução tinha mostrado que nenhuma Instituição era eterna, nem mesmo a república. As formas de pensar jamais seriam as mesmas. A Bíblia como categoria suprema de autoridade, a partir da Reforma de Lutero foi substituída pela soberania do direito comum, apesar de muitos continuarem a buscar respostas na Bíblia, mas sempre dentro do entendimento de que a tirania era irracional e ímpia.

Portanto, a maçonaria surge, com a sua roupagem atual, no movimento mais importante do século XVII: as Revoluções Inglesas. Durante muito tempo a historiografia a vinculou à Revolução Francesa. A desmistificação começou a ocorrer a partir dos anos 80 e as atenções se dirigiram para os movimentos do século XVII. Neste século a sociedade ainda apresentava traços do mundo medieval, das ordens e estamentos. O privilégio ainda era o elemento primordial.

A possibilidade da origem maçônica no "século das crises" está no fato da Inglaterra não ter mais o absolutismo desde meados do século XVII, enquanto que a maioria era absolutista, vivendo suas crises internas e externas.

Deste modo, todos os caminhos conduziram ao racionalismo: com Hobbes, ainda um absolutista, a soberania e a obrigação política baseadas na utilidade; com Milton, deixando o homem escolher livremente entre o bem e o mal, procurando demonstrar que a grande massa de homens, à medida que progredia a revolução, estava impregnada de superstições e manejada por sacerdotes e senhores, incapazes de utilizarem a boa razão; com o ocaso da crença no inferno, que tinha servido para conter as classes baixas no lugar que os defensores da condenação eterna entendiam devido.

Não há como contestar a gênese maçônica neste clima intelectual, no qual as leis científicas, as leis naturais, foram, finalmente, equiparadas à Lei de Deus e à Lei Moral. Uma maçonaria engendrada com a Inglaterra emergindo da crise do século XVII com o novo mundo do capitalismo e do império colonial.

Um meio alternativo de sociabilidade, preocupado com as associações de socorro mútuos surgidas no século XVII e derivadas do convívio entre profissionais em tabernas, botequins, estalagens, etc... Provavelmente os primeiros comerciantes desta nova fase foram os primeiros maçons especulativos.

Concluindo: a maçonaria moderna tem endereço certo. Não surgiu do nada, mas como resultado de condições propícias. Ela não poderia nascer no clima absolutista do Continente, daí a possibilidade da sua origem em uma Inglaterra momentaneamente republicana. Procuramos apresentar os fatos e as referências documentais demonstrando, à saciedade, que a moderna maçonaria surgida na Inglaterra contou, senão com a participação, pelo menos com o consentimento e reconhecimento de Oliver Cromwell. Daí para frente o trono não seria mais o mesmo, assim como a maçonaria iria alcançar a sua maioridade. Mas isto é uma outra história, que outros autores, muito mais interessantes, estão cansados de contar... 

FONTES CONSULTADAS:

COSTA, Frederico Guilherme. Questões Controvertidas da Arte Real, v. 3, Londrina: Editora Maçônica A Trolha, 1997.

HAMILL, John & GILBERT, Robert, A Celebration of The Craft, United Kingdom: Mackenzie Publishing, 1992. 

HOBSBAWN, Eric, " A Crise Geral da Economia Européia no Século XVII" in As Origens da Revolução Industrial, São Paulo: Global Editora e Distribuidora Ltda, 1979. 

JACOB, Margaret C. Living the Enlightenment. Freemasonry and Politics in Eighteenth-Century Europe, New York Oxford, Oxford Unoversity Press, 1991.

KRIEDTE, Peter, Camponese, senhores e mercadores: a Europa e a mundial( 1500-1800), Lisboa: teorema, s/d. 

MARQUES, A. H. de Oliveira. História da Maçonaria em Portugal, v. 1, Das Origens ao Triunfo, Lisboa: Editora Presença, 1989.

ROPER, H. R. Trevor, Religião, reforma e transformação social, Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1981.

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