A PEDRA BRUTA: MATÉRIA-PRIMA DO
MAÇOM NA ARTE DE PROMOVER A REFORMA DE
SI MESMO
José
Ronaldo Viega Alves
Loja
Saldanha Marinho, “A Fraterna” Oriente
de S. do Livramento – RS
Contato:
. ronaldoviega@hotmail.com
“Em cada bloco
de mármore vejo uma estátua, vejo-a tão claramente como se estivesse na minha
frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as
paredes brutas que aprisionam a adorável aparição para revelá-la a outros
olhos como os meus já a vêem.” (Michelangelo)
INTRODUÇÃO
Nas
palavras expressadas por Michelangelo, podemos ver que o escultor deixa
transparecer sua determinação e vontade férreas para, com as quais, logo de
imediato dará início ao projeto que tem em mente. Já não enxerga a sua frente
somente um bloco de pedra no seu estado bruto, mas a obra de arte, ou o
produto final. Lendo essa sua confissão, ou projeção, não pude deixar de,
metaforicamente, transportar a imagem e a idéia para relacioná-las com a
nossa Pedra Bruta, aquele símbolo marcante com o qual, tivemos um contato
primeiro por ocasião da nossa Iniciação, e onde depois de sermos conduzidos
até a sua presença, fomos convidados a desferirmos três golpes em sua
superfície. Início de todo um trabalho.
A
diferença, ou diferenças do trabalho do artista acima, para o trabalho do
Aprendiz-Maçom, sem dúvida, possui vários ângulos de abordagem, e um deles
bem pode estar afeto à fixação com que o primeiro persegue o belo em sua
essência, e aqui já levando em consideração que, um dos inúmeros significados
de arte é o que está definido como ”concepção ou expressão do que é belo”. O
artista busca incessantemte encontrar algo que está muito voltado para o seu
aspecto visual, EXTERIOR, além do que justifique ou motive a sua contemplação
ou transcendência, fatores esses que estão intrinsecamente ligados ao seu
ideal de perfeição. Não iremos entrar aqui em assuntos exclusivos do universo
dos artistas e do tipo que possam gerar discussões, envolvendo, por exemplo,
o seu talento ou o seu ego, além de outros.
O
Maçom, ainda que, também não deixe de estar buscando o belo e a perfeição, em
função do seu templo INTERIOR, certamente deverá estar levando em conta a um
conjunto de componentes tais como sejam, a sabedoria, a força e a beleza.
Estará buscando ainda, e é aqui que o sentido da sua busca sofre uma
verdadeira virada, na relação com o objetivo do artista, a sua transformação,
por via do seu trabalho contínuo, do desbaste das arestas de si mesmo, das
suas imperfeições, do seu ego, para conseguir assim, uma pretendida beleza
INTERIOR.
Mas,
seria possível conjeturar sobre até quando, nós Maçons, deveremos olhar para
a Pedra Bruta, a mesma aquela que nos foi apresentada em nosso primeiro dia,
e que vai permanecer ali no interior do Templo, com vistas ao trabalho?
Enquanto frequentemos o Templo, e independente da sua função própria de
servir de lição primeira ao trabalho dos que estarão sendo iniciados deverão
desempenhar, ela seguirá lá também para lembrar-nos sempre dessa missão
bastante árdua do Maçom, que é a missão do profano que foi iniciado, e que
desejou ardentemente passar pela sua própria transformação, sua reforma e sua
recriação.
Para que não esqueçamos o quanto é importante, estarmos vigilantes
e dispostos para dispensar o cuidado contínuo para com a nossa Pedra Bruta, é
que também ela vai estar lá, pois, sendo assim, não estaremos incorrendo no
erro fácil de, com a passagem do tempo, acharmos que estamos tão purificados
e isentos de qualquer tipo de desbastes, a ponto de “humanos que somos”,
começarmos a preocupar-nos somente com o desbaste das pedras
alheias.
E aqui cito o Irmão Raymundo D‟Elia Junior, quando pede que
reflitamos sobre o seguinte: ”Que espécie de pedra se é? – Pedra de Estorvo,
de Tropeço ou Pedra Angular, da construção de um santificado Templo
Interior?”
Não se pode descuidar jamais, do processo esse de
conhecer-se, enfrentar-se a si próprio e estar disposto a vencer as
imperfeições, até por que, isso pode ser um exaustivo e eterno aprendizado.
Não é uma questão de puro perfeccionismo, aliás, acho que não estaria
totalmente errado em afirmar que essa é uma tendência exagerada para o que se
pretende realizar, e pode ser uma espécie de obsessão.
A metáfora antes
utilizada, entendo também que, serve para assimilarmos melhor o seguinte: o
artista, o escultor, pode antever quando olha para aquele bloco inerte a sua
obra futura, a forma final, e mesmo que esteja sendo rondado durante a sua
feitura pelo fantasma do perfeccionismo, terá que um dia declará-la acabada.
O espírito perfeccionista, que já nasce com ele, causa-lhe uma grande
inquietação, sofrimento e angústia. E isso, é uma regra quase geral no mundo
artístico.
O Maçom, não é e nem pode ser um perfeccionista neste mesmo
sentido, o Maçom irá adquirir sim, com seu trabalho e estudo um outro ideal
de perfeição, e a consciência formada de que esse será um trabalho a longo
prazo. Será que o Maçom, por mais que apare as suas arestas, poderá um dia
dar a sua obra como acabada?
Se para o pintor e escultor Michelangelo, ele já podia
visualizar na pedra a sua obra pronta, transformada em escultura, para nós,
quando da nossa Iniciação nada enxergávamos além da pedra, a pedra bruta,
pois, a nossa evolução, a nossa absorção, o nosso comprometimento, a nossa
vontade e a nossa constância em desbastarmos aquela pedra ocorre num
crescendo com o tempo.
A dinâmica entre a permanência e a mudança, é que vai
fazer com que sejamos maçons na verdadeira acepção da palavra. E se somos
seres humanos e estamos sempre em construção, até onde podemos aceitar a
ideia de que para o trabalho realizado sobre a pedra bruta também haverá um
produto final, a pedra polida? Em que altura do caminho, seres imperfeitos
que somos, poderemos perceber a nossa “escultura” pronta? Quando esse momento
chegar, e se chegar, somente aí, estaremos conscientes de que verdadeiramente
a nossa grande e principal batalha rumo à evolução foi vencida. E a nossa
consciência mais profunda sempre diz que falta muito para atingir este
estágio... Mas, o estudioso e Mestre Aldo Lavagnini, vê e consegue
proporcionar-nos outro ângulo dessa possibilidade, e bem mais otimista eu
diria: “Existe dentro de cada pedra, ou seja, na matéria-prima da vida e de
cada vida individual, um estado de perfeição inerente, que se acha latente em
toda forma e em toda expressão, que é necessário conhecer, educar e tornar
patente por meio de trabalho que simboliza da pedra.”
AS ORIGENS
Ao contrário de algumas simbologias pertencentes aos
hebreus e aos egípcios, algumas envolvendo até citações bíblicas, portanto,
em tempos bastante remotos, as pedras cortadas ou lavradas nem sempre foram
interpretadas positivamente, pois, alguns dos seus significados estavam
relacionados ao mal e à falsidade. No entanto, conforme Mackey, e recopilado
por Aslan em sua enciclopédia, a Maçonaria não herdou nessa questão nada
dessa simbologia hebraica ou egípcia, já que sobre a Pedra Bruta em particular,
a herança maçônica vem mesmo das idéias arquiteturais dos Maçons operativos.
Considerando as ramificações no passado, no máximo, a Pedra Bruta está
ligada, ao fato da condição má e corrupta do homem, enquanto que a Pedra
Polida ou Talhada funciona como símbolo de sua natureza melhorável e
perfectível.
Não se sabe com certeza, o momento exato, em que este
símbolo foi introduzido na Maçonaria. Evidentemente, todo o trabalho
desenvolvido durante o período da Maçonaria Operativa, ou seja, a arte de
construir repousava sobretudo no preparo e moldagem da pedra bruta, para que
se encaixassem em um todo, com o uso de ferramentas fundamentais para dar a
forma desejada pelo pedreiro, onde, o malho e o cinzel, compuseram alguns dos
símbolos que mais evoluíram no âmbito da Maçonaria, tanto que, mesmo após a
mesma ganhar a condição de Maçonaria Especulativa, esse mesmos componentes
materiais utilizados nas construções passaram a ser associados com a
construção do templo interno do ser humano, e envolvendo aspectos de ordem
moral e espiritual.
OUTRAS ANALOGIAS
Rizzardo Da Camino fez um comentário num trabalho de sua
autoria que remete também à Arte: “A Pedra, tão “dura” e resistente, seja
granito, mármore ou diamante, pode ser burilada transformando-se em obra de arte,
tosca ou refinada como o bruto diamante e, esplendoroso brilhante! O Maçom,
como Pedra, por sua vez pode transformar-se em “obra de arte” ou de brilho
intenso! Não permanecerá Pedra Bruta!”
Fernando César
Gregório escreveu assim: “Imaginemos um artista diante de uma pedra bruta a
qual será objeto de seu trabalho para produzir uma obra de escultura. Assim o
homem é lembrado pela pedra bruta, suas arestas são as paixões que devem ser
extirpadas pelo corte do cinzel, cuja força vem do bater do malho, símbolo da
virtude, neste simbolismo, o homem é o escultor de si mesmo e seu trabalho
terá sucesso na razão direta de suas virtudes, representada pelo martelo, e
da capacidade de penetração de sua intelectualidade, representada pelo
cinzel.“
Ainda, para completar este elenco, cito um excerto
recolhido da obra do Irmão Antonio Augusto Queiróz Baptista: “Exotericamente,
“Pedra Bruta” representa o desenvolvimento moral e intelectual do
recém-sagrado, matéria-prima de ofício dos pedreiros da Arte Real e tem por
finalidade chamar ao desafio o Aprendiz, a fim de que um bloco rústico,
disforme, se transforme em uma obra de arte, a mesma forma que o Neófito, embora
“livre e de bons costumes” ingresse na Maçonaria cheio de
imperfeições, ranhuras, traços de temperamento que devem ser transformados em
conduta proveitosa para Ordem e para a sociedade. (...) Dentro de nós existe
uma linda obra de arte, a mais bela do universo, o grande mistério é retirar
os excesso da pedra informe. Somos os pedreiros da nossa criação.”
O TRABALHO NA PEDRA BRUTA
No livro “Maçonaria – 100 Lições de Aprendiz” do Irmão
Raymundo D‟Elia Junior, autor citado anteriormente, é possível ler o
seguinte: “Uma „Pedra‟ sem forma que deve ser „trabalhada‟, a partir das „Luzes
recebidas no Templo‟, „trabalho‟ esse que, sobretudo, se transformará em uma „árdua
tarefa Moral e Espiritual‟ a ser cumprida em todos os dias, por meio do „importante,
exaustivo e eterno Aprendizado‟.
Fundamentalmente, o trabalho do “desbaste” deve incidir na
eliminação de arestas onde estão incluídas, entre outras, o orgulho, a
vaidade, a prepotência, a preguiça mental e a intolerância. Lao Tse, o
filósofo chinês assim ensinou: “Há três tesouros: o amor, a moderação, e a
anulação de si mesmo.” Considerando cada uma dessas condições, podemos ver o
quanto o desbaste a ser promovido em nossa Pedra Bruta (Ego)deve ser intenso,
pois, até que as imperfeições possam ser removidas em sua totalidade, muito
tempo deverá transcorrer. O trabalho simbólico do Maçom na Pedra Bruta, é
para ser efetivado com a ajuda da Régua de 24 polegadas, do Maço e do Cinzel.
Com a régua, que significa o período de 24 horas em que o dia está dividido,
medirá e delineará o seu trabalho, subentendido aí a medição do tempo e do
esforço a ser despendido. Com o cinzel, ele dará forma e regularidade ao que
só era uma massa informe, e com a vontade do malho para ser aplicada na Pedra
Bruta e que deverá ser feita sobre direção do cinzel cortará as asperezas de
forma dirigida. E cumpre dizer aqui, ainda, que os instrumentos citados tem
de ser utilizados em conjunto, ou harmonicamente, para que os objetivos
propostos sejam alcançados.
CONCLUSÃO
Deveremos procurar constantemente a anulação dos excessos
que o nosso ego vai acumulando, cuidando com muito esmero da construção do
nosso edifício interior, pois, a partir daí, enxergaremos melhor o outro,
toleraremos melhor o outro e, estaremos aptos então, a investir num sentido
mais amplo, da edificação do edifício social, da nova sociedade, da nova
humanidade. No convívio salutar com nossos Irmãos Maçons, na observação
acurada dos seus costumes e das suas práticas, no exercício das virtudes, na
vivência da fraternidade, estaremos nos lapidando, tornando-nos mais puros e
mais comprometidos com a felicidade do gênero humano.
Fontes Bibliográficas:
Revistas:
A TROLHA, n° 16 e 232
Livros:
ASLAN, Nicola. “Grande Dicionário Enciclopédico de
Maçonaria e Simbologia” Vol. 3 – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. 2012
BAPTISTA, Antônio Augusto Queiróz. “O Desbastar da Pedra
Bruta” – Editora maçônica “A Trolha” Ltda. 2004
D‟ELIA JUNIOR, Raymundo. “Maçonaria – 100 Instruções de
Aprendiz” = Madras Editora Ltda. 2010
GIRARDI, João Ivo. “Do Meio-Dia à Meia-Noite Vade-Mécum
Maçônico” – Nova Letra Gráfica e Editora Ltda. 2008
GREGÓRIO, Fernando César. “Ética & Maçonaria” – Editora
Maçônica “A Trolha” Ltda. 2005
O PRUMO 1970-2010 – Coletânea de Artigos – Aprendiz Vol.II
– GOSC – 2010
RODRIGUES, Raimundo. “A Filosofia da Maçonaria Simbólica”
Volume 4 – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. 2007
SÁ, José Anselmo Cícero de. “Fonte de Luz Maçônica” –
Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. 2007
Fonte: JB News – Informativo nr.
1.188
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