O MEU TESTAMENTO MAÇÓNICO
No texto anterior, procurei esclarecer o que é o testamento
maçónico. Neste, vou procurar ilustrar na prática esse documento. Pessoalmente,
e uma vez que há muito assumi publica e orgulhosamente a minha condição de
esperar que os meus Irmãos me reconheçam como maçom, não necessitaria de
elaborar um documento desse género. Mas, já que me predispus a um exercício
prático ilustrativo do que é este tipo de documento, eis então o que, aqui e
agora, constitui o meu testamento maçónico.
AOS MEUS IRMÃOS MAÇONS E A TODOS OS QUE ME RECONHECEM COMO
TAL
Saibam todos os que este escrito lerem ou ouvirem que o seu
autor um dia teve a ousadia de crer merecer ser admitido na Augusta Sociedade
dos Maçons, antigamente chamados de pedreiros-livres, pedreiros porque utilizam
como seus símbolos artefatos dos construtores, livres de pensamento e de
paixões que os dominem (embora todos reconheçam ter paixões, defeitos e
asperezas que são ínsitos a todos os seres humanos - e que procuram, com
diferentes graus de êxito, dominar, domesticar, encerrar nos calabouços de seus
íntimos, de forma a que ninguém prejudiquem e raramente sejam entrevistos).
Essa ousadia pagou-a, pelo resto da sua vida, com permanente esforço de
procurar, em cada dia, ser um pouco, um tudo nada, melhor do que o anterior:
aprender mais, aprender sempre, refletir mais cuidadamente, dominar suas
impaciências, dosear justiça com solidariedade e rigor com generosidade,
trabalhar eficazmente, honrar sua palavra, amar sua família, respeitar a todos,
tolerar as imperfeições alheias na mesma medida em que espera poder ver
toleradas pelos demais as suas, enfim, viver plenamente a vida como deve ser
vivida, na permanente busca da melhoria que é, talvez, o verdadeiro significado
e objetivo da nossa passagem por este plano de existência.
Chegado o tempo do pousar de ferramentas, na altura da
disposição do que aqui resta depois do mais importante de mim ter partido para
o Desconhecido no Eterno Oriente, deixo à vontade de meus Irmãos e da minha
família a realização, pública ou recatada, de cerimónia maçónica: em bom rigor,
não será já questão que me afete, pois já terei então partido e o que
fisicamente restar não serei já eu, mas apenas o que fica para trás. Sempre
achei que as cerimónias fúnebres - de qualquer tipo - se fazem para os vivos,
não para quem já partiu... Portanto, se à minha família e a meus Irmãos agradar
fazer uma cerimónia maçónica, que ela seja feita. Se a uma ou outros desagradar
tal coisa, que sem remorso ou pena fique por fazer, que falta não me fará, certamente,
pois tenciono já ir adiante...
Se alguém perguntar qual a minha religião, respondam que
fui, acima de tudo, Crente. Fui católico por cultura, mas fui mais do que
católico, pois considerei-me também protestante e judeu e muçulmano e hindu e
animista e tudo o resto que põe o Homem perante o Absoluto, o Criador e a
Criação, a Vida, a Vida antes da Vida e depois dela. Sempre considerei que o
que importa na religião é, precisamente, religar o Homem à sua origem, à sua
criação, e ao seu destino, religar a minúscula partícula de quase invisível
peça, que cada um de nós é, ao Grande Arquiteto Construtor e sua inapreensível
Obra. Por isso, sempre acreditei que não há que dividir entre religiões, todas
são a mesma expressão da mesma necessidade humana, simplesmente cada uma sendo
específica variante de particular cultura, de determinado tempo, de ambiente
próprio. Mas, porque todas as religiões correspondem à mesma básica necessidade
humana, todas são iguais no essencial e, assim, aquilo em que diferem é necessariamente
apenas acessório. O desejo que deixo expresso é que cada um viva o Essencial,
praticando livremente o Acessório que lhe agradar!
Se alguém quiser falar de mim e se tal não for penoso para
minha família nem agredir demasiado a paciência de quem a acompanhe, então que
sobretudo não fale de mim, do que fiz ou deixei de fazer, dizer ou pensar, mas
antes procure extrair a lição para o futuro do que fiz bem e do que mal
efetuei: o que tenha feito no Passado, Passado é. Importa mais preparar o
Futuro, vivendo plenamente o Presente.
Os objetos ligados à Arte Real que para trás deixo, se os
meus herdeiros com isso concordarem e se a minha Loja nisso estiver
interessada, que sejam confiados à minha Loja, que lhes dê o destino que lhe
aprouver. Se uns não concordarem ou outros não estiverem interessados, que isso
não cause preocupação ou desgosto a ninguém. Afinal de contas, são meros
objetos, nada mais... Os meus livros de temática maçónica que fiquem para os
meus herdeiros, se nisso tiverem interesse, ou então que sejam entregues à
minha Loja, para que lhes dê o uso ou destino que lhe aprouver e para que
tenham utilidade.
O que escrevi, publiquei-o e, uma vez publicado, não
pertence só a mim. Os pensamentos, uma vez divulgados, são de todos, para que
cada um faça com eles o que bem entender. As palavras, logo que públicas, são
livremente utilizáveis por cada um. Tudo o que escrevi pode ser citado,
copiado, glosado, divulgado, comentado, criticado, apenas com o respeito de
duas condições: a identificação do seu autor e a indicação do local onde foi
primeiramente publicado. Quanto a publicações comerciais ou de que resultem
proventos (se algo do que escrevi algum dia tal mérito ou potencialidade
tiver), naturalmente que dependem do regime legal dos direitos de autor e
dependerão da vontade de meus herdeiros e herdeiros deles, até que legalmente
caduquem tais direitos.
Em suma, e parafraseando alguém que foi uma grande alma e
que foi também por muitos reconhecido como tal, Raul Solnado, a mensagem que
tenho a veleidade de deixar é apenas esta: FAÇAM O FAVOR DE SER FELIZES. Eu
procurei sempre sê-lo e aprendi que a felicidade está nos momentos, na
satisfação do dever cumprido, no orgulho das vitórias, mas também na
consciência das derrotas bem lutadas, no percorrer do caminho que traçámos, com
destino ao horizonte depois do horizonte. Que cada um percorra o caminho na
direção de sua escolha pela forma que seja do seu agrado e, sobretudo, que
consiga ser feliz, com a noção de que verdadeiramente não se é feliz, está-se
feliz e é do estar que vem o ser.
Sobretudo, que cada um celebre o que é verdadeiramente
importante: a Vida!
Rui Bandeira
Fonte: apartirapedra.blogspot.com.br
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