Rui Bandeira
Em comentário ao texto
"Limpeza da Loja", um leitor afirmou, designadamente:
"A administração de uma
qualquer empresa, ou associação, profana não diria melhor. Devemos ter cuidado
com o que escrevemos em relação a II que trazemos para cá. (...)".
É-me evidente o tom crítico, em
relação ao texto, do comentador - e isso não me afeta em nada ou me causa
qualquer desagrado. As ideias publicadas ficam expostas ao debate e à crítica e
é pelo confronto entre as nossas ideias e as críticas que lhes sejam opostas
que evoluímos no nosso pensamento. Aliás, acho que, pese embora a aparente falta
de fundamentação da afirmação, a mesma suscita alguma reflexão.
Se bem entendo o que o comentador
quis dizer, entende ele - e eu concordo em absoluto! - que a conduta em
Maçonaria deve ser algo mais e algo melhor do que a normalidade da conduta no
meio que os maçons designam de "profano". Neste ponto, não creio que
haja razões de discordância. Assentemos, assim , no princípio de que é exigível
que a conduta ética de um maçom e em ambiente maçom deve ser mais exigente,
mais escrupulosa, mais cuidada do que a média da Sociedade. O maçom só pode
constituir exemplo para a Sociedade se se comportar melhor do que normalmente
nesta sucede.
No entanto, uma vez que o
comentador manifestamente que expressa um tom crítico em relação ao que é
exposto no texto, terei que concluir que as ações por mim descritas não merecem
o seu acordo. Recorde-se então, muito sumariamente, o que propugnei que
periodicamente deve ser feito numa Loja maçónica: verificação da assiduidade e
do cumprimento das obrigações pecuniárias dos obreiros, determinação das causas
de eventuais faltas de assiduidade e ou de cumprimento das ditas obrigações e
medidas corretivas a tomar.
Em relação à assiduidade, defendi
que a degradação da mesma pode decorrer de várias causas, indicando exemplos e
respetivas medidas aconselháveis: ausência no estrangeiro (aguardar pelo
regresso; se prolongada, encarar a hipótese de transferência; em qualquer caso,
é determinante a vontade do interessado); indisponibilidade por afazeres do
obreiro (aguardar a ultrapassagem do problema; encarar a possibilidade de quite
e adormecimento, se a impossibilidade for previsivelmente prolongada, sendo
também, obviamente, essencial a vontade do interessado, pois o quite não pode
ser imposto, só sendo emitido a pedido); problemas de saúde (aguardar pela sua
ultrapassagem e providenciar o auxílio e assistência pertinentes e possíveis);
problemas de relacionamento (intervenção para superação dos mesmos ou para
corrigir as deficiências de integração); desinteresse (saída da Loja, seja mediante
quite, seja mediante exclusão).
De todas estas situações, não
creio que o comentador critique as intervenções propostas em relação a nenhum
caso, exceto porventura a exclusão por desinteresse - única medida
unilateralmente tomada pela Loja que redunda no afastamento do obreiro. Mas, se
for esse o caso, não posso senão discordar do entendimento crítico: se alguém
se desinteressa ao ponto de se afastar e de nem sequer ter interesse em
formalizar um pedido de saída (salvaguardando a hipótese de regresso se e
quando porventura tal lhe interesse), não deve a Loja exclui-lo? Deve, então,
fazer o quê? Manter indefinidamente uma ligação apenas ilusória, apenas um nome
num papel, apenas uma contínua ausência? Em nome de quê? Em nome de uma
pretensa tolerância (ao desinteresse, ao incumprimento dos compromissos)? Em
nome de um putativo princípio de que em Maçonaria não há sanções nem medidas de
exclusão? Parece-me evidente que, verificado o desinteresse, verificada até a
falta de consideração em responder ou ou em formalizar de jure o que de facto
já se evidencia, se impõe acabar com uma ligação que é já apenas ficcionada e
permitir que o oblívio apague o que foi um manifesto erro de parte a parte...
Quanto ao incumprimento das
obrigações pecuniárias, apresentei também vários exemplos de situações e de
soluções propostas: dificuldades económicas em diferentes graus (plano de
pagamentos; regularização da situação com recurso ao Tronco da Viúva, com
reembolso se e quando regressar melhor fortuna; quite pedido pelo obreiro, com
pagamento da dívida pelo Tronco da Viúva, também com reembolso se e quando
regressar melhor fortuna; desinteresse e falta de vontade de cumprir
(exclusão). Também não creio que, de todas as alternativas, a crítica surja
senão em relação à última. Mas deve a Loja permitir que quem não cumpre,
podendo fazê-lo, as suas obrigações pecuniárias, possa indefinidamente fazê-lo,
sem reação ou sanção? E, ainda por cima, tendo a Loja de pagar a capitação
(utilizando a parte que lhe cabe dos pagamentos dos cumpridores)? É isso justo
para os que cumprem? Note-se que não está em causa a exclusão por dificuldades
económicas: esses casos têm outras medidas e solidariedade da Loja. Apenas se
defende a exclusão dos que PODEM pagar em tempo, mas não pagam porque NÃO
QUEREM, desrespeitando todos os demais, os cumpridores e, em especial, aqueles
que até fazem algum esforço para cumprir as suas obrigações...
Convém assentar bem as ideias!
Ser maçom é procurar comportar-se melhor do que a normalidade, mas não é permitir
que os incumpridores, os desleixados, os desinteressados usem e abusem de uma
pretensa e inexistente obrigação de tolerância. A Tolerância que deve ser
apanágio dos maçons não é a permissividade em relação aos infratores, aos
desrespeitadores dos demais, aos incumpridores dos seus compromissos, aos
faltosos à sua palavra. Isso não é Tolerância - é estupidez! Tolerância é a
aceitação das diferenças e das divergências. Não é a aceitação complacente de
condutas prevaricadoras (nesse sentido, ver o texto "Os limites da
Tolerância").
Insisto: é tempo de assentar bem
as ideias! Tal como cumprir as nossas obrigações, sancionar o incumprimento
doloso das obrigações livremente assumidas é um dever maçónico. É errado apodar
de "profanidade" o cumprimento desse dever! A ética maçónica é uma
postura de exigência - tolerante, mas exigente! -, nunca uma mandriona
complacência com os incumpridores e os incumprimentos, quando dolosos.
Maçonaria não tem nada a ver com "nacional-porreirismo" ou
"deixa andar" ou cumplicidade benevolente com as violações dos
deveres livremente assumidos. Ou então não seria um método de aperfeiçoamento,
antes de degradação!
Fonte: https://a-partir-pedra.blogspot.com.br
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