Maçons ingleses - pintura antiga |
MAÇONARIA OPERATIVA E ESPECULATIVA
Definida no ano de 1952 em uma reunião de Grãos-Mestres, celebrada em Estrassburgo, a franco-maçonaria se manifestava como “uma instituição para a iniciação espiritual, por meio de símbolos”. Esta, segundo a Constituição da Grande Loja da França, teria ainda como objetivos “o aperfeiçoamento da humanidade”, feito pelo qual os maçons ou franco-maçons estariam comprometidos de maneira constante com a busca da melhoria da condição humana, “tanto no plano espiritual e intelectual como no plano do bem-estar material.”
Como em toda instituição configurada através dos séculos, a maçonaria tem transitado por diversas fases em seu desenvolvimento histórico. A construção de edifícios exigiu em seu momento uma observação precisa da natureza e dos seus comportamentos. Medida, peso e número passaram a ser conceitos ligados à arte, ao artesanato e consequentemente à arquitetura medieval. Os construtores especializados tomaram desta forma consciência dos valores universais que estavam imersos em numerosos princípios do seu trabalho.
Dessa forma, os maçons medievais formaram sociedades independentes do amparo eclesiástico e das legislações reais, onde o labor coletivo se presumia indispensável para a construção. Aquele trabalho precisava de um elemento essencial como a convivência. A duração das obras que os maçons executavam favorecia sem dúvida o estabelecimento de relações muito estreitas entre os numerosos artistas e obreiros, chegando a se estabelecerem autênticas equipes de trabalho que ficavam sob a direção dos grandes Mestres Arquitetos da época. Através das obras que iam executando, tanto nas cidades como em outros lugares, surgia a necessidade de serem reconhecidos e atendidos. Da mesma maneira surgiu a necessidade de preservar as sociedades daqueles que poderiam romper a especial idiossincrasia e a harmonia dos construtores. O risco de que alguém, em seu benefício pessoal, pudesse utilizar e explorar os conhecimentos técnicos recebidos dentro das lojas exigiu o planejamento de possíveis medidas para impedir o seu acesso a quem não pertencesse a uma loja concreta. Aspectos como sinais secretos de reconhecimento, hierarquização em três graus ou níveis, bem como um número importante de prerrogativas, sem esquecer do sigilo e da discrição na preparação das reuniões e assembléias de maçons, foram ficando cada vez mais habituais.
Houve igualmente a necessidade de se estabelecer uma série de exigências ou virtudes, mediante as quais a aceitação ou não dos aspirantes poderia resultar numa tarefa cheia de rituais solenes. Todo o processo exigia um pacto ou compromisso, pelo qual cada membro do grupo aceitava as regras concretas. Superadas as provas dos candidatos, estes eram obrigados a prestar juramento de silêncio e respeito à divulgação dos segredos do ofício, bem como lealdade e fidelidade aos demais componentes da loja ou oficina.
Não obstante, pertencer a uma daquelas lojas chamadas operativas exigia não somente uma certa obediência a uma hierarquia mais ou menos estável. Para o iniciado e aspirante aceito supunha-se igualmente o começo de uma verdadeira etapa profissional. As qualidades profissionais, que necessariamente teriam que estar unidas às éticas, repercutiriam mais tarde em um novo processo de entendimento da vida. Uma maneira distinta de fazer com respeito a tudo o que com anterioridade havia resultado inalcançável. Assim parecia ser, uma vez que as lojas começavam a transmitir seus conhecimentos. Estes, de pouca complexidade, poderiam estar referidos ao traçado dos planos, conceitos geométricos, matemáticos, etc., que em qualquer dos casos se haviam mantido através de uma longa e esmerada tradição.
Precisamente com o passar do tempo e o andamento dos movimentos arquitetônicos, a mobilidade e a necessidade de viajar pelos diferentes países europeus provocaram o contato daquelas lojas operativas com outras formas de pensamento e o mesmo pode-se dizer das diferentes organizações e associação política. Isto lhes conferiu um ponto de vista cada vez mais amplo no tocante aos problemas religiosos, filosóficos, econômicos, sociais e políticos.
Excepcionalmente tiveram de admitir, em igualdade de direitos, pessoas, homens neste caso, de distintas nacionalidades, formas de pensamento e ideais políticos. A respeito deste ponto temos de entender que durante os séculos XIV, XV e XVI a realização de grandes obras na Inglaterra e Escócia toleraram a aceitação de importantes grupos de construtores alemães, que levaram consigo além dos usos e costumes das lojas alemães, uns mecanismos de funcionamento diferentes, muito diferentes dos adotados nas ilhas britânicas.
Sob a influência das lojas alemães, não tardaram muitos anos para o surgimento das lojas escocesas e inglesas. Entre os séculos XVII e princípios do XVIII a construção, e em particular a arquitetura na Europa, estavam longe daqueles anos do esplêndido gótico medieval, e consequentemente, as lojas dos maçons operativos foram enfraquecendo.
Com base naquela situação provocada pela decadência das lojas maçônicas, no ano de 1717 foi decidida a constituição em Londres de uma Grande Loja que, sob o patrocínio de um grupo de pessoas ilustres e de livres pensadores, mantiveram o espírito das antigas confrarias de construtores, embora já não fosse necessária a participação deles. Foi desta forma que nasceu a maçonaria especulativa. Com ela se pretendia conservar o espírito dos antigos maçons construtores, mantendo os costumes e tradições, mas afastando-se das construções materiais. De um modo relativamente rápido começaram a aderir às lojas maçônicas homens de todas as profissões e condições sociais, de vez que se estabeleciam interpretações filosóficas acerca dos símbolos e dos rituais que a haviam caracterizado até então.
A maçonaria começou assim a adquirir um caráter mais universal, suscetível de ser reconhecida e aceita em qualquer Estado ou nação do mundo. De operativa, quer dizer, vinculada ao mundo da construção, à arte e à técnica, passou a converter-se em especulativa ou simbólica e, portanto, mais aberta aqueles a quem pudesse interessar os métodos e rituais dos construtores, mas sem exercer o ofício. Se bem que é verdade que algumas lojas operativas de construtores na Escócia, durante o século XVIII, continuaram relacionadas à construção de edifícios de caráter civil e religioso. Mas certamente a realidade é que ao mesmo tempo em que estas entraram em decadência, as lojas especulativas foram surgindo em distintos territórios europeus. Algumas sem sede permanente chegaram a se reunir periodicamente onde os seus membros assim o decidiam. Deste modo, muitas lojas inglesas foram se espalhando pelo país sem solução de continuidade.
Até o ano de 1723, a maçonaria especulativa contava com uma Constituição, conhecida como Livro das Constituições, além de uns regulamentos próprios. Com efeito, graças à colaboração do Grão-Mestre George Payne e do clérigo, teólogo e historiador James Anderson, foram reunidas e articuladas uma coleção de 39 ordenações gerais. Dito documento seria reconhecido desde aquele instante como o primeiro princípio legal da mencionada maçonaria especulativa. Ela prosperou a ponto de contar de imediato com membros destacados da nobreza, inclusive da família real inglesa.
Apesar de tudo, logo entre os anos de 1739 e 1772 começaram a aflorar desavenças e discrepâncias internas que puseram em desagregação a incipiente organização maçônica. Do seio da Grande Loja de Londres surgiram as Grandes Lojas da Irlanda e da Escócia, que se mostraram coerentes com suas tradições regionais. Daquele amálgama de lojas se destacou a Grande Loja dos Antigos, no ano de 1753. Majoritariamente liderada por irlandeses e, consequentemente, vinculada à Grande Loja da Irlanda, esta propugnou em seguida por uma maçonaria alinhada com os ideais teístas e confessionais. Estas teses se apoiavam na idéia de que os antigos grêmios de maçons haviam sido cristãos.
Foi exatamente este ponto que serviu de motivo para se arremeter contra o que um grupo numeroso de irlandeses havia denominado de maçonaria moderna, o que seria igual a dizer - uma maçonaria que ficava longe dos rituais cristãos. Os partidários de manter uma sociedade de maçons com marcante caráter confessional e teísta decidiram impor a obrigação de praticar uma religião efetiva que seguisse as regras da tradição revelada e avalizada por um livro sagrado, que acabou sendo a Bíblia.
Surgiam, também, deste modo, os conceitos de igualdade social, sob a influência dos enciclopedistas da época anterior à Revolução Francesa. As lojas não tiveram outra alternativa senão conviver com as novas idéias, dando lugar ao conceito de Grande Arquiteto do Universo, como resposta e interpretação mais ampla da divindade. Esta assumia tanto a idéia de um Deus em sua definição mais clássica, quando a loja era de marcante caráter religioso, como a admissão de uma força superior ordenadora do universo para o caso das lojas mais próximas de posicionamentos filosóficos. Não obstante essa idéia claramente teísta em que se podia incluir qualquer deus, não foi suficiente para diluir as diferenças entre os distintos enfoques e planos maçônicos. Por outro lado, devido à separação e à competência das duas Grandes Lojas inglesas, estas acabaram logo por entrar em clara disputa, procurando para si a captação de partidários e simpatizantes entre homens ilustres e influentes que podiam agregar prestígio às sociedades de maçons.
Para muitos maçons e intelectuais da época a dissolução da Grande Loja da Inglaterra representou uma alteração da própria maçonaria simbólica, já que a idéia essencial de mudança consistia na imposição de um dogmatismo derivado de uma idéia cristã; um fundamento apoiado em uma revelação que se manteve até bem dentro do século XIX na maçonaria britânica.
Seja como for, o certo é que a maçonaria prosseguiu se expandindo por todo o continente europeu. É o caso da França, que entre os anos de 1721 e 1732 alcançou rapidamente um auge sem precedentes. Figuras do talento de Voltaire, Rousseau, Condorcet, Victor Hugo e até mesmo Napoleão Bonaparte terminaram vinculados ao ideário maçônico.
Em outros países, a maçonaria se estendeu desde a Alemanha até a Rússia, passando pelos países mediterrâneos, como a Itália. Até a Grande Loja da Inglaterra chegou a conceder seus beneplácitos a uma sociedade maçônica de São Petersburgo, enquanto na Irlanda as lojas militares superavam até o ano de 1728 o número de 400.
Na Espanha, a introdução da maçonaria também não ficou à margem. Nos últimos anos do século XVIII, as referências a propósito das lojas franco-maçônicas se multiplicaram, exercendo sua influência sobre figuras tão conhecidas como o conde Aranda, Floridablanca, Campomanes, Godoy e Jovellanos. Entre os séculos XIX e XX, a maçonaria havia chegado a grande parte dos âmbitos culturais, políticos e sociais, contando com nomes como Sagasta, Nicolas Salmerón e O´Donnell, além de personagens das letras da talha de José Ortega y Gasset, Tomás Breton, Antonio Machado e Santiago Ramón y Cajal.
O salto para o continente americano foi igualmente singular e rápido, tanto como decisivo. No ano de 1733 foi fundada em Boston a primeira Grande Loja Provincial americana e apenas um ano depois Benjamin Franklin publicou em Filadélfia o Livro das Constituições, de Anderson. As colônias britânicas e os territórios espanhóis da América do Sul compreenderam logo, graças novamente aos ideais liberais, que na vanguarda das sociedades a liberdade política teria um espaço privilegiado para enfrentar o futuro e a independência. Aos que abraçaram finalmente esses ideais, como aos que se manifestaram a favor da emancipação política das colônias, os fluxos de influência e o saber organizativo das lojas européias lhes serviram como se fosse uma chama, embora tenham sido aproveitados para estabelecer linhas próprias de atuação em seu próprio benefício. De George Washington a Simon Bolívar, Abreu e Lima e San Martin, as sociedades e lojas maçônicas foram lideradas permanentemente por homens com capacidade de mobilização. Formados por importantes grupos de intelectuais e militares, não tardaram em transformar (a partir de uma ótica e perspectivas próprias), as práticas maçônicas européias, que tão bons resultados lhes haviam proporcionado em décadas anteriores.
Na medida em que os tempos mudavam, as lojas maçônicas não tiveram outra alternativa senão permitir o acesso de pessoas pertencentes às profissões liberais, sem esquecer um número importante de burgueses e mecenas, que acabaram sendo denominados maçons adotados. Certamente havia tempo que vinham criando, na maioria das grandes cidades européias, instituições e academias específicas para o ensino da arquitetura e da construção, onde os estudantes recebiam uma titulação expressa. Em conseqüência, o processo de transformação da maçonaria operativa, isto é, de construtores, para a maçonaria especulativa, quer dizer, moderna, foi se desenvolvendo de uma maneira pausada, tal como ocorriam com os tempos históricos pelos quais passava a cultura ocidental.
Não obstante, prosseguiram conservando os rituais e os instrumentos de trabalho das antigas confrarias, só que agora dotados de um novo valor simbólico e espiritual. Da mesma forma não desapareceram as manifestações artísticas e a arquitetura continuou sendo essencial na hora de identificar o caráter próprio da instituição. As construções maçônicas, naturalmente, deram um importante salto em sua arquitetura. Durante o século XVIII, esta se concentrou em edifícios ou lojas propriamente ditas, que acolhiam as reuniões dos maçons. Estavam localizadas geralmente em tabernas, o que em princípio não favoreceu a estética a que estavam acostumados. Com o correr do tempo, as construções foram mudando notavelmente em seu aspecto, dando lugar a impressionantes edifícios, aos quais se incorporavam bibliotecas, museus, etc. Assim, em 1775 iniciaram as obras do Freemasons Hall de Londres, que só foi concluído em 1933. Edifícios desta importância foram construídos, por exemplo, em Filadélfia e Indianápolis. O Grande Oriente da França fez o seu próprio em Paris e até a Grande Loja da Suécia decidiu instalar-se em um suntuoso palácio a partir do ano de 1874.
Da mesma forma como as catedrais e a arquitetura religiosa se haviam transformado, as pessoas vinculadas à franco-maçonaria tiveram que adotar novas formas de expressão e manifestação. É difícil determinar se a política ou a economia, por exemplo, entraram em cheio no ideário maçônico, ou pelo contrário esta situação se desenvolveu de maneira inversa. O certo é que atividades como a política, as ciências e a economia passaram a ser, juntamente com as simbólicas e esotéricas, o novo ponto de referência de lojas e sociedades de maçons que até aquele momento existiam no mundo. Consequentemente, escritores, pintores e músicos de todo o orbe, principalmente na Europa, começaram a destacar em suas obras um marcante caráter maçônico.
Em síntese, na clandestinidade ou secretismo, alguns artistas maçons decidiram publicar obras muito relacionadas com a simbologia maçônica. Nos setores sociais e artísticos e naqueles que mantinham estreitas relações com as ciências e a erudição, as expressões artísticas e científicas de autores maçons acabaram por encontrar finalmente um eco importante. Arquitetos como Bartholdi, que desenhou a estátua da Liberdade em Nova Iorque, William Thornton, do Capitólio; os pintores Agneessens, Fragonard e Chagall; os músicos Johannes Brahms, Ludwig von Beethoven, Hector Berlioz, George Gershwin , Felix Mendelsson e W. A. Mozart, com sua ópera A Flauta Mágica, cujo conteúdo é uma expressão do simbolismo maçônico; escritores como Charles Dickens, Ghoethe e Oscar Wilde; a lista de pessoas vinculadas à franco-maçonaria é muito extensa. Não faltaram matemáticos como Condorceto, Laplace, nem físicos e cientistas como Lavoisier, Enrico Fermi e Santiago Ramón y Cajal.
Em sua caminhada até os nossos dias, a franco-maçonaria não deixou de sugerir novas e inquietantes luzes para esquadrinhar. É preciso tentar compreender a maçonaria em relação à sua história, como uma sociedade que segue formando parte do nosso entorno sócio-econômico, político e cultural.
Autor – Daury Ximenes
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