- Ética é princípio, moral são condutas específicas;
- Ética é permanente, moral é temporal;
- Ética é universal, moral é cultural;
- Ética é valor, moral é regra;
- Ética é teoria, moral é prática.
Desta forma, o estudo da ética maçónica confunde-se com o estudo dos seus princípios fundamentais e a moral é o conjunto de comportamentos esperados, quer dizer: socialmente construídos, de quem adopta estes princípios.
Isto não é apenas um jogo de palavras. Lembro-me que, quando era criança, no interior do Estado, quando os adultos diziam que alguém era maçon, isso significava quase sempre um atestado de probidade. A conduta esperada de um maçon era de integridade, dedicação à comunidade, respeito às pessoas e amabilidade no trato. Esta conduta derivava de valores, implícitos ou explícitos: honestidade, espiritualidade, etc.
Hoje, podemos falar, grosso modo, de três concepções da ética:
Ética Normativa | Ética Teleológica | Ética Situacional |
Baseada em Valores | Baseada em Objectivos | Circunstancial |
Baseia-se em princípios e regras morais fixas | Baseia-se na ética dos fins: “Os fins justificam os meios”. | Baseia-se nas circunstâncias. Tudo é relativo e temporal. |
Ética religiosa e também maçónica | Lucro e Poder | Bateu – Valeu |
Quando nos referimos aos princípios fundamentais da Maçonaria Moderna, os princípios fundantes da sua ética e, consequentemente, da sua moral, encontramo-los no lema LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE, que, embrora não tenha sido originalmente maçónico, foi-se construindo na nossa história e hoje resume o ideal da Arte Real em todo mundo.
Quando nos atemos aos Landmarks, muito embora ainda constituam a infra-estrutura da Ordem e balizem muitos aspectos da sua organização, deparamo-nos com princípios éticos absolutamente situacionais (vide quadro acima) ou teleológicos. Nem sempre os landmarks são utilizáveis nos nossos tempos.
Os “deveres”, segundo constam no manuscrito “Beswicke-Royuds”, um dos antigos documentos que compõem o conjunto de textos que compõem os nossos Landmarks, apresentam como primeiro ponto a cumprir que se “seja um homem sincero para com Deus e a Santa Igreja e não cairá na heresia ou em erro por opinião própria ou por ensino de um homem imprudente“. Ora, este “dever” é próprio a uma época em que a Maçonaria operativa estava fortemente ligada à Igreja, e nem poderia ser diferente, uma vez que a absoluta lealdade ao Estado e à Igreja eram questão de sobrevivência física naquela época. É óbvio que este “dever” se contrapõe fundamentalmente ao princípio de Liberdade de Consciência e Tolerância, tal como vieram a ser admitidos em 1717 pela Constituição da Moderna Maçonaria.
O mesmo pode ser dito do segundo “dever”: “também você será um vassalo sincero para com o Rei, sem traição ou falsidade, e se você conhece alguma traição corrigi-la-á se puder, ou, se não puder, avisará o Rei ou o seu Conselho”.
Já os outros “deveres” dos sete que compõem este manuscrito, são absolutamente praticáveis na modernidade. Por exemplo:
“também serão sinceros uns com os outros, isto é, com cada mestre e companheiro do Ofício de maçonaria que sejam Maçons autorizados, e tratá-los-á como gostaria de ser tratado por eles. E também que cada Maçon mantenha verdadeiramente o segredo da Loja e da câmara e todo segredo que deva ser mantido a bem da Maçonaria. E também que nenhum Maçon seja um ladrão na sua companhia. E também que seja sincero para com o senhor e mestre a quem serve e verdadeiramente procure o seu proveito e benefício. Também que não seja feita nenhuma coisa desprezível na casa do Ofício que possa injuriá-la”. Todos são condições ou decorrências da Fraternidade.
O que pretendeu instituir a Maçonaria em 1717? Os princípios de uma ética normativa, baseada em valores, não em dogmas, que pudesse ser universal e praticável por qualquer pessoa, de forma coerente com a nova realidade cultural, científica e económica que se apresentava. Se por um lado a Maçonaria não precisava mais ser secreta e tomava a decisão histórica de manifestar-se ao mundo, tinha de considerar que esse mundo se abria para a modernidade. E o que mais profundamente caracterizava essa modernidade? O desenvolvimento da ciência; o romper com o absolutismo político e religioso; a multiculturalidade; um sistema económico dominado por uma burguesia esclarecida. Isto punha uma questão nova para uma ética do relacionamento: como conciliar a universalidade dos valores com a diversidade de pensamento?
No plano institucional o debate está mais vivo do que nunca. Uma medida recente tomada pelo Governo de França, vetando a utilização de signos religiosos ostensivos, como a burca para muçulmanas ou o crucifixo em ambientes de governo, provocou e ainda provoca calorosos debates. Não é questão de fácil solução.
Aos poucos, porém, vai-se tornando evidente que o princípio da igualdade, em qualquer das suas vertentes, veio para ficar. Associado, na esfera dos valores, à dignidade, suplantou a honra, com o seu pressuposto hierárquico e aristocrático. Como dizia Rousseau (O Contrato Social), o problema está em “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens da cada associado e pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça, porém, senão a si próprio e permaneça tão livre quanto antes; este, o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social”.
Mas sem um elevado grau de tolerância, é absolutamente impossível aceitar-se o direito à diferença, especialmente das minorias. O princípio de Rousseau tende a gerar uma “ditadura da maioria”, uma tendência homogeneizadora, a menos que se acrescente a ele o princípio da tolerância.
Mas de que tolerância se fala? Herbert Marcuse, um dos membros da chamada “Escola de Frankfurt” e guru dos movimentos de Maio de 1968, efectuou, em 1965, uma crítica da noção de tolerância. O seu argumento é o de que, em uma sociedade violenta, repressiva ou desigual, defender a tolerância em termos absolutos equivale a legitimar essa sociedade, o status quo. Dito de forma mais simples: a tolerância absoluta deve envolver também a tolerância com ditaduras e ditadores.
Um exemplo bem próximo que põe à prova os limites da tolerância na sociedade democrática é a exibição do polémico filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Sob o pretexto de fidelidade ao Antigo Testamento, Mel Gibson acaba reproduzindo uma versão da vida de Jesus que provocou críticas e até violência. Como proceder diante deste filme? Como defender o direito à sua apresentação aceitando, implicitamente, a atitude anti-semita que ele geraria colateralmente?
Mas este é apenas um exemplo dos dilemas enfrentados pelas sociedades democráticas contemporâneas diante da ideia da tolerância. A questão reside em saber até onde se pode tolerar sem recair na omissão ou no relativismo.
Outros teóricos, não necessariamente marxistas, defenderam que se passe dos direitos formais para a efectividade dos direitos. É o caso de Norberto Bobbio. Em A Era dos Direitos afirma que, hoje, já se deve passar da luta pelo reconhecer dos direitos para a luta pela sua implantação. Isto significa a luta pela igualdade de direitos e pela justiça. Considerando-se que propugnar pela liberdade e pela tolerância é admitir, por pressuposto, que as pessoas são diferentes, de que igualdade se fala? Pelo facto de a Maçonaria defender que a humanidade é uma condição comum a todos, independentemente de sexo, raça, religião ou posição social, decorre que, em primeiro lugar, ela propõe-se a defender a igualdade de condições. Este é um valor universal, embora as condições possam mudar a cada época. Hoje, reconhecemos como fundamentais os direitos à educação, à saúde, à moradia e à vida, por exemplo. Estas são condições humanas fundamentais. Além daí, é necessário considerar que deve haver direitos iguais para pessoas em situação social igual. Não há justiça, por exemplo, no facto de que indivíduos que desempenhem a mesma função no mesmo sistema recebam salários diferenciados por conta do seu sexo, cor ou preferência política.
Isto coloca uma questão importante para a ética, especialmente maçónica: adoptar valores e princípios, defendê-los nas discussões, sem que se actue no sentido de implementar as condições para o real exercício desses valores e princípios, é absolutamente inócuo. A nossa doutrina não fala em “defender” valores, mas em “construir” Templos às Virtudes e Masmorras aos Vícios. Não adianta nada, por exemplo, termos em tese liberdade de deslocamento se, na prática, por condições financeiras, dificuldades de transporte ou outros obstáculos não podemos de facto deslocar-nos. Como falar em liberdade de escolha de ocupação em situação de elevado desemprego? Como falar, por exemplo, em igualdade racial num país em que a cor é tida em conta na hora de seleccionar para um emprego? Como falar de igualdade no trabalho quando as mulheres continuam ganhando menos do que os homens, sujeitas a assédio sexual e profissional? Como falar em direitos do trabalhador quando se sabe que, na prática, as pessoas que estão empregadas trabalham cada vez mais, sem ganhar horas extras?
Conclusão
A Maçonaria Moderna, herdeira directa da visão de mundo do Iluminismo, tem como objecto da sua doutrina a Humanidade. Como ética ou princípio, a busca das condições fundamentais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade para todos os Homens. Como método, propõe o esforço progressivo do ser humano em busca da aquisição e fortalecimento de valores, atitudes e hábitos que induzam os seus membros a se envolverem na luta por condições sociais, culturais e económicas cada vez mais propícias ao desenvolvimento desses ideais.
Estes princípios, por serem paradigmáticos, não excluem outros, desde que esses outros não estejam em contradição com eles. Desta forma, a Maçonaria consegue colocar-se valores universais que se adequam às variadas condições de tempo e espaço em que existem as sociedades “reais”, ao mesmo tempo em que servem de orientação a todos os obreiros do orbe.
“ética é a ilimitada veneração diante da vida e o respeito diante de cada ser“
Albert Schweitzer
Francisco Cezar de Luca Pucci
Fonte: https://www.freemason.pt
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