(republicação)
O Respeitável Irmão Marcelo Oliveira do Jornal Liberdade de Pensamento www.jornalldp.com.br, Oriente de Curitiba, Estado do Paraná, apresenta a questão que segue:
marcelo@jornalldp.com.br
Caro Pedro Juk, Eu gostaria de dar uma instrução em Loja, explicando o que o Soberano Grão-Mestre Geral Marcos José da Silva comentou em sua visita ao GOB-PR, com relação à falha no ritual, no tocante a transmissão da palavra, ao que você explicou (se não me engano), que houve uma falha de tradução. Seria possível explicar melhor a situação?
CONSIDERAÇÕES:
Antes das considerações propriamente ditas e para melhor entendimento da questão, cabe aqui o que foi abordado pelo Soberano Grão-Mestre Geral. Disse a autoridade, abeirando-se da sua preocupação com a instrução e cultura maçônica, que havia recebido uma questão de um Aprendiz sobre a transmissão da palavra sagrada no tocante ao seu modo soletrado. Assim ele (o Aprendiz) arguiu na oportunidade a razão pela qual que se a palavra é somente soletrada, então qual a razão de dá-la ao final por sílabas conforme especifica o ritual – Rito Escocês Antigo e Aceito? Citando a questão como exemplo para nós presentes, ponderou então o Soberano Irmão Marcos a necessidade de se extirpar essas contradições dos rituais.
Dada essa introdução, segue o meu comentário (Pedro Juk) sobre o fato em relação ao Rito Escocês Antigo e Aceito.
Primeiramente urge a necessidade da compreensão de que a Maçonaria universal é composta por dois sistemas, ou vertentes principais. Uma é de ilharga inglesa e a outra francesa. Embora o objetivo da Moderna Maçonaria seja o mesmo, os sistemas doutrinários citados se diferem.
Assim com a profusão de ritos e trabalhos a partir do século XVIII, saber se diferenciar à qual vertente pertence o Rito ou Trabalho é no mínimo primordial. Infelizmente no Brasil em particular ainda existe a cultura de que Maçonaria é só Rito Escocês – mero equívoco, pois a Maçonaria Universal é composta por três graus e dela fazem parte os Ritos e Trabalhos que trazem na sua tradição a sua própria cultura e a visão Deísta ou Teísta.
Ainda acho necessária uma explicação importante. Dentro desse conceito de “vertentes maçônicas”, o Craft inglês não reconhece ritos, porém “Trabalhos” (Emulação, Humber, Sussex, Taylor’s, Bristol, etc.). Por extensão, também o Craft Americano que tem sua base construída na Maçonaria inglesa, embora nos Estados Unidos da América do Norte, possa até existir alusão ao termo “rito”, como é o caso do também conhecido Rito de York. Ele é na verdade um Trabalho do Craft (base no Ducan’s Ritual). Já a Maçonaria Francesa (latina e geralmente deísta) adota a denominação de “rito”.
No caso do Rito Escocês Antigo e Aceito, este embora possua raízes anglo-saxônicas por questões históricas (a razão do termo “antigo”) ele é originário de solo francês, cujo seu primeiro ritual simbólico data do ano de 1.804. É oportuno salientar que o que aqui se trata em relação ao Rito em questão é apenas e tão somente sobre o seu simbolismo.
Como já referido anteriormente os sistemas doutrinários dessas duas vertentes se diferem substancialmente, daí o Rito Escocês que é filho espiritual da França, seguindo essa vertente adota sua interpretação simbólica e alegórica nas Leis da Natureza, associando o Homem, passível de aperfeiçoamento, como elemento integrante desse sistema natural.
Nessa apreciação os graus de aperfeiçoamento do Homem agregados à Lei Natural formam a alegoria da infância, juventude e maturidade, cujo teatro simbólico é exatamente a disposição da decoração do Templo Escocês no seu simbolismo – Colunas do Norte e do Sul, Colunas Zodiacais, circulação horária, Equador, ou eixo longitudinal, Pilares Solsticiais, decoração da abóbada, Estrela Flamejante, etc., etc.
Dentro desse teatro alegórico e simbólico os ciclos naturais (estações do ano) têm o Homem Maçom como protagonista, tanto no seu aperfeiçoamento individual quanto social. Um bom exemplo desse conceito está no texto iniciático e as viagens (primeira – infância, segunda – juventude, terceira – maturidade). Essas etapas se associam ao Maçom no aperfeiçoamento individual e a sua representação social (moral e ética).
Em se tratando do Primeiro Grau, ele representa aquele que morreu para renascer (razão da Câmara de Reflexão), daí a puerícia individual e, no aspecto social, da infância da humanidade.
Nesse sentido cada etapa dessa proposta está implícita nas explicações dadas por ocasião das viagens no momento da cerimônia iniciática. Nesse parecer proposto na vertente citada, à infância é elemento referencial para o Aprendiz, daí essa representação também aparece no aprendizado daquele que passa pela primeira fase da vida - aprendendo a falar.
Na conquista do aperfeiçoamento, ele para pronunciar a palavra por inteira, precisa antes aprendê-la letra por letra, ou soletrar, afinal primeiro vem à flor e posteriormente o fruto. É nessa prática simbólica que o Rito Escocês faz essa comparação – o Aprendiz soletra; o Companheiro a dá por sílabas; o Mestre a pronuncia por completo.
Em linhas gerais a alegoria anuncia simplesmente a evolução, tanto individual, como social. Nesse contexto, o Aprendiz não dá a palavra silabada, senão soletrada. Silabada no Grau é mesmo uma verdadeira contradição com o sistema doutrinário.
Perguntar-se-ia então: Por que os rituais anunciam esse procedimento contraditório (foi o que perguntou o Aprendiz ao Soberano Irmão)? Ora, é pela simples mistura de procedimentos das vertentes maçônicas.
Assim segue a explicação do contraditório que geralmente tem passado despercebido. Ocorre que no sistema inglês, ou Craft (teísta), não existe essa comparação alegórica do Homem e a Natureza no aperfeiçoamento interior. O que existe no Craft é o aperfeiçoamento por exemplos da construção interior com base na construção dos canteiros medievais, porém também velado por símbolos e alegorias.
As Leis Naturais ligadas ao Craft no tocante aos solstícios apontam para um costume operativo dos construtores medievais e suas reuniões semestrais para discutir os planos da obra e o aperfeiçoamento dos construtores da pedra calcária (Stone Masons), sem a abordagem específica dos ciclos (estações do ano), nem um número crescente de luzes conforme o Grau junto aos governantes da Loja.
Sob essa ótica é que os canteiros (Loja) se diferem na disposição da sua decoração, bem como a existência ou não de alguns elementos simbólicos e mesmo práticas ritualísticas. Por exemplo: no Craft genuinamente não existe Câmara de Reflexão, senão em alguns casos a Sala de Preparação. Também nesse sistema não é usado o termo Coluna do Norte ou do Sul, senão os quadrantes do canteiro – Leste, Oeste, Norte e Sul. Igualmente na disposição e existência de alguns cargos (Oficiais), ou se diferem, ou são mesmo inexistentes, etc.
Como o mote desse escrito não é o aprofundamento nesses conceitos, os comentários até aqui feitos pretendem apenas de maneira superficial apontar que embora o objetivo da Sublime Instituição, independente de vertentes seja o aperfeiçoamento do Homem, os métodos podem se diferenciar em uma grande maioria dos casos. Assim um Aprendiz do Craft representa os primórdios da construção da Obra e particularmente ele próprio no aprendizado do ofício.
No caso da transmissão da palavra a alegoria não se prende a uma representação de infância, senão a de aprender o ofício que, no caso do Primeiro Grau é também o de preparar o material tosco retirado da jazida. Nessa diferença doutrinária entre as vertentes citadas o Aprendiz Iniciado no Craft em relação ao modo de transmitir a palavra nada tem a ver com a infância e o método soletrado da outra vertente (francesa).
O modo de se transmitir a palavra no telhamento do Craft possui variantes entre os costumes (Trabalhos), posto que às vezes ela possa ser transmitida de trás para frente, letra por letra, ou por sílabas, ou ainda sílabas invertidas.
O Craft inglês também usa, após a explicação de como se transmite a palavra, o termo “ou partida ao meio”. Esse termo “ou partida ao meio” é a raiz do equívoco quando usado na vertente francesa que, no caso do Primeiro Grau do Rito Escocês, transmite tradicionalmente letra por letra e nunca silabada.
Muitos ritualistas não se aperceberam disso e simplesmente misturaram os procedimentos, fazendo com que um costume do Craft viesse povoar a prática do Rio Escocês. Aí, deu no que deu – contradição no método doutrinário.
Entendo que procedimentos de um sistema, não raras vezes não coincidem com a metodologia doutrinária de outra vertente. Um exemplo claro é a maneira de se transmitir a palavra. Enquanto um, por questões doutrinárias, dá literalmente letra por letra o outro necessariamente assim não o faz.
Essa questão de enxertia de procedimentos tem ao longo dos tempos transformado ritos numa verdadeira colcha de retalhos, cujo resultado é a incoerência de certas ações ritualísticas.
Infelizmente para alguns Irmãos basta ser bonito ou mesmo atenda às vezes as suas crenças pessoais. Geralmente esses participam do canteiro sem compreender o que se faz no canteiro e, pior ainda: fazem sem saber o que estão genuinamente fazendo.
Nesse sentido, Rito Escocês Antigo e Aceito aqui no Brasil, indubitavelmente é o mais prejudicado nesse particular. Se fosse apenas à forma equivocada de se transmitir a palavra no telhamento quando se instrui o Aprendiz que ele a dê somente letra por letra e, inexplicavelmente “ao final pelas duas sílabas”, talvez pudéssemos imaginar apenas um ato isolado, todavia existem tantas outras mais que assolam a beleza do Rito em questão.
Segue, pois alguns exemplos de “enxertos” que não cabem na doutrina do Rito: formação de pálio, leitura do Salmo 133, prova da Taça Sagrada, orações em Cadeia de União, Altar dos Juramentos no centro do Ocidente, incensar o Templo, cerimônia de acendimento de velas, mesas chamadas de altares, etc.. Nada disso, além de não fazer parte do Rito Escocês Antigo e Aceito, também não cabe no seu arcabouço doutrinário.
Antes de concluir, devo ponderar o seguinte: se o Maçom não buscar o verdadeiro método para compreender a proposta da Sublime Instituição, despojando-se de ilações hauridas de rituais ultrapassados, assim como de literaturas dadas às opiniões pessoais, certamente compreender a boa geometria será um elemento de muita dificuldade.
Concluindo e ratificando sobre o mote da questão: no Rito Escocês (que é de vertente francesa) o Aprendiz somente pronuncia a palavra letra por letra e ponto final. Silabar a mesma após a pronúncia soletrada não cabe nele qualquer explicação. “Dai-me a primeira sílaba que eu vos darei a segunda” é prática correta no Rito, todavia em outro Grau.
T.F.A. PEDRO JUK
jukirm@hotmail.com
Fonte: JB News – Informativo nr. 0992, Florianópolis (SC) – quarta-feira, 22 de maio de 2013.
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