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PERGUNTAS & RESPOSTAS

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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

NOSSAS ANTIGAS LEIS E COSTUMES

José Maurício Guimarães*
Por que devemos pautar nossos atos pelo comportamento digno? Por que não somos estranhos uns aos outros? Por que o maçom deve cultivar um perfeito controle de si próprio? Por que só devemos admitir em nossas lojas homens honrados, de ilibada reputação moral e atitudes discretas? Por que somos uma fraternidade iniciática?

As respostas estão nas profundas raízes da Arte Real, isto é, nos antigos deveres do ofício (The Old Charges of Craft Freemasonry)[1] e na compilação deles da qual resultaram a Constituição de Anderson e, mais tarde, noutras compilações denominadas landmarks. (Neste texto uso landmark com L maiúsculo ou minúsculo conforme me refira ao termo geral ou à lista adotada pela Potência Maçônica. Da mesma forma, uso Constitution em inglês para diferenciar da Constituição adotada pela Potência Maçônica.)

Todos os maçons conhecem bem os preâmbulos dos atos e decretos de suas Potências ou Obediências que começam com a proclamação: “O Grão-Mestre, no uso das atribuições que lhe conferem os Landmarks da Ordem, a Constituição de Anderson… etc.”. Mas poucos têm a oportunidade de conhecer aprofundadamente os landmarks; e são pouquíssimos os que se interessam pelo texto completo das chamadas Constituições de Anderson (Constitution).

Comecemos pelo aparentemente mais simples – os landmarks.

Uma vez que a palavra é inglesa, o que se entende por landmark? Para simplificar, tomemos landmark no sentido de LIMITE – ponto de referência, marco divisório ou fronteira. Há quem prefira esquartejar a palavra: land (terra) + mark (marco) – antigamente, aquela cerca de arame que separava as hortaliças de Joe Smith das galinhas do seu vizinho John Dolittle – um marco divisório, uma fronteira, um limite: “daqui pra lá é seu, daqui pra cá é meu”.

A Bíblia, de onde o conceito foi tirado, refere-se à cláusula pétrea “nolumus leges mutari”, isto é, que essas leis não sejam transgredidas – implícita no livro dos Provérbios, 22:28 – “Ne transgrediaris terminos antiquos quos posuerunt patres tui”, traduzido na versão inglesa King James por “Remove not the ancient landmark, which thy fathers have set.” – não removas os marcos antigos que teus antepassados colocaram.

Resumindo: landmark envolve – social e politicamente falando – as questões do direito patriarcal (‘antiquos’ e ‘thy fathers’), de posse, domínio e poder.

Mas quem foram esses pais ou antepassados que andaram colocando limites e fixando fronteiras no território terrestre? Quais foram esses precursores chefes de família que restringiram quaisquer mudanças nas leis e assentaram regiões de interdição ao pensamento das gerações vindouras?

O livro “Illustrations of Masonry“, do maçom inglês William Preston (1772) registra a palavra “landmark” como sinônimo de usos e costumes estabelecidos na Arte Real. Penso que seja esta acepção mais correta, principalmente por ser a mais antiga (terminos antiquos) e considerando que o Direito inglês é eminentemente consuetudinário (de uso habitual, comum). Além disso, a Grande Loja Unida da Inglaterra nunca enumerou uma lista de landmarks porque considera fundamental o único landmark possível: a crença na existência de um Ser Supremo.

Ressalvo, entretanto, que a expressão “usos e costumes” deve ser entendida no contexto histórico da Maçonaria e não no sentido jurídico atual (fonte do direito) erigido através de condutas e atos praticados reiteradamente nas Lojas. Nesse sentido não existem usos e costumes na Maçonaria e muito menos nas questões ritualísticas.

O pesquisador inglês Harry Carr (1900-1983), Past Master da Quatuor Coronati Lodge nº 2076 de Londres, aponta dois pontos essenciais para as cláusulas pétreas: 1 – Um landmark deve ter existido desde os tempos imemoriais (terminos antiquos) e não fabricados a partir de certo ponto da história; 2 – Os landmarks são elementos de tal importância essenciais para nossa fraternidade que a Ordem já não seria Maçonaria se algum deles fosse alterado. Neste particular, Albert Gallatin Mackey[2] alertou:

“Não admitamos mudanças de quaisquer espécies, pois desde que isso se deu, funestas consequências demonstraram o erro cometido.”

Apesar disso, e de acordo com os modernos pesquisadores do assunto, existem várias listas de landmarks que pode ser de apenas três para Alexander S. Bacon e Chetwode Crawley, ou nove para J. G. Findel. Para Roscoe Pound, a Grande Loja da Virgínia e o cubano Carlos F. Betancourt são sete; ou seis landmarks para a Grande Loja de Nova York, que toma por base os capítulos em que se dividem as Constituições de Anderson. Vinte para a Grande Loja Ocidental de Colômbia; dezenove para Luke A. Lockwood e a Grande Loja de Connecticut; dezessete para Robert Morris; quinze para John W. Simons e para a Grande Loja de Tennessee; doze para A. S. MacBride e dez para a Grande Loja de Nova Jersey. As listas maiores compreendem trinta e um landmarks para o Dr. George Oliver, cinquenta e quatro para H. G. Grant e para a Grande Loja de Kentucky; vinte e nove para Henrique Lecerff, vinte e seis para a Grande Loja de Minnesota e assim por diante.

A Grande Loja Maçônica de Minas Gerais adota a lista de Albert Gallatin Mackey que compilou vinte e cinco landmarks, a lista mais conhecida e utilizada no Brasil, que preconiza:

“Não admitamos mudanças nos legítimos e inquestionáveis landmarks, pois desde que isso se deu, funestas consequências demonstraram o erro cometido.”

Mackey foi um médico norte-americano nascido em 1807. Publicou “The Principles of Masonic Law on the Constitutional Laws, Usages And Landmarks of Freemasonry” em 1856 onde propôs um meio termo entre a ritualística, a legislação e o cerimonial:

“Várias definições foram dadas para landmarks. Alguns supõem terem sido constituídos a partir de todas as regras e regulamentos que estavam em vigor antes da revitalização da Maçonaria em 1717, confirmados e aprovado pela Grande Loja da Inglaterra naquela época. Outros, mais rigorosos, limitam essa definição aos modos de reconhecimento em uso na fraternidade. Eu proponho um meio termo, e considero landmarks todos os usos e costumes do ofício ritualístico, legislativo, cerimonial, e mesmo à organização da sociedade maçônica conforme os usos dos tempos imemoriais. E considero a alteração ou a supressão de algo que possa afetar o caráter distintivo da instituição como fator de destruição da sua identidade.”

O meio termo acenado por Mackey foi, entretanto, o sinal verde para novas hermenêuticas entre as visões ortodoxa e heterodoxa da Maçonaria. Sem falar na nítida constatação de que alguma coisa fora mudada ou alterada nos antigos marcos colocados por nossos antepassados – antevisão reveladora de que outras modificações estariam a caminho no devido tempo.

Muitos autores questionam a lista de Mackey que descreve, com exagerada ênfase, os poderes e atribuições do Grão-Mestre. Um dos mais expressivos críticos foi Roscoe Pound (1870-1964), reitor da Harvard Law School que – talvez motivado pela teoria do “meio termo” – propôs uma lista mais curta, de sete landmarks… com a possibilidade de mais dois. Esses nove landmarks possíveis mantiveram, com algumas modificações, os de Mackey (III, X, XIV, XVIII, XIX, XX, XXI, XXIII e XXIV) eliminando os números I e II que a Maçonaria tradicional considera fundamentais: os processos de reconhecimento e a divisão do Simbolismo em três graus, além do polêmico e nevrálgico Landmark XXV – “nenhuma modificação pode ser introduzida…”

Por outro lado, por estranho que pareça, o próprio Mackey considerava os landmarks uma generalidade e que os regulamentos gerais e locais fossem os determinantes para as autoridades locais da Maçonaria. Afirmava também, no mesmo diapasão da Quatuor Coronati Lodge de Londres, que um dos requisitos dos landmarks é terem eles existido desde o tempo que a memória do homem possa alcançar – donde se deduz que os verdadeiros marcos são as leis morais ou o Direito Natural inscritos na mente e no coração dos homens. Por isso James Anderson escreveu na primeiríssima página da Constitutions:

“Adão, nosso primeiro pai, criado à imagem de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, deve ter tido a Ciência Liberal, particularmente Geometria escrita em seu coração…” (Adam, our first parent, created after the Image of God, the Great Architect of the Universe, must have had the Liberal Science, particulary Geometry written on his Heart…)

Houve (e ainda há) os que debocharam dessa declaração interpretando, grosso modo, que o sábio James Anderson estava a dizer que o Venerável Deus iniciou o Aprendiz Adão na Maçonaria[3]. O ilustre Irmão José Castellani ironizou essa interpretação do mito no texto humorístico “Loja Paraíso nº0”, mas, da parte de lá do fino humor, Castellani sabia a qual escrita James Anderson estava se referindo. Para os que conhecem a Filosofia do Direito, aquela Ciência Liberal escrita no coração do homem nada mais é do que o Direito Natural comunicado à razão humana desde sua criação – simbolizada pela Geometria – um código ético completo coligido da estrutura da natureza – tese sustentada por Tomás de Aquino, Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau e presente na Common Law.

Talvez isso responda à pergunta sobre quais foram aqueles pais que colocaram fronteiras nas divagações inúteis da vaidade humana.

As Constituições de Anderson (1723) são anteriores a quaisquer landmarks e, por isso, ouso dizer que elas são – ao lado do Jus Naturalis – os verdadeiros LANDMARKS. Os antigos deveres do ofício de maçom foram consolidados nessas Constitutions of the Free-Masons dedicadas ao Grão-Mestre Philip Wharton Duque de Montagu e assinadas pelo francês Jean Théophile Désaguliers, Grão-Metre Adjunto e membro da Royal Society of London. O redator James Anderson[4], por sua vez, era um pastor presbiteriano nascido na Escócia.

As Constitutions dividem-se em quatro partes: I – a História, “para ser lida quando da admissão de um Novo Irmão (to be read at the admission of a New Brother). Essa primeira parte vai até a página 48; II – Os Deveres (extraídos dos antigos registros das Lojas Ultramarinas e daquelas da Inglaterra, Escócia e Irlanda), da página 49 até 57; III – Os Regulamentos Gerais (da página 58 até 74); IV – Partituras e Canções dos Mestres, dos Vigilantes, dos Companheiros e dos Aprendizes, completando a obra em 91 páginas.

Conclusões 

  • Nem tudo que é Constitutions, portanto, está nos Landmarks; mas tudo o que é landmark está nas Constitutions;
  • As Constitutions não deixam margens ao oportunismo iniciatório e respondem àquelas cinco perguntas que aparecem no início deste artigo;
  • O conhecimento do passado (a História) é a principal e insubstituível fonte do aprendizado e do conhecimento maçônicos;
  • “... pela sua Missão, um maçom torna-se obrigado a obedecer à Lei moral, e nunca será um estúpido ateu nem um Libertino” (Constituitions, página 50, concernente a Deus e à religião);
  • Não basta preencher um formulário dizendo “sim” às clássicas perguntas: “credes num Ente Supremo? credes na imortalidade da alma?” se a reposta afirmativa não vier da Consciência e com o aval do Conhecimento. Por isso pautamos nossos atos pela dignidade e só admitimos em nossas lojas homens honrados.
*José Maurício foi o primeiro Venerável Mestre da Loja de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda – GLMMG. Também é membro da Academia Mineira Maçônica de Letras.

Notas do Blog

[1] – Para saber mais sobre as Antigas Obrigações, clique AQUI ler artigo “As Old Charges”.

[2] – Clique AQUI para ler o artigo “Quem foi Albert Mackey?”

[3] – Para melhor entendimento sobre o que o autor diz, clique AQUI para ler o artigo “O Primeiro Iniciado do Mundo“.

[4] – Clique AQUI para ler o artigo “Quem foi James Anderson?”

Fonte: https://opontodentrocirculo.com

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