AS BRUMAS DO ESCOCISMO
Extraído de Arthur Franco, A IDADE DAS LUZES, Wodan, 1997, P. Alegre, Brasil
Muito se tem falado, escrito e especulado a respeito da origem do Escocismo. As mais variadas teorias e especulações geralmente se perdem principalmente pela inconsistência em comprovar a convivência de um rito que existiu num passado muito remoto com uma instituição exteriorizada apenas nos tempos modernos. Ao que parece, as falhas nessa análise do rico ritual maçônico residem não apenas na desinformação histórica, mas, antes, no desconhecimento do próprio significado da palavra "Escocês". Somente deste ponto de partida poderemos harmonizar, no Escocismo, culturas e filosofias tão díspares como a céltica, a egípcia e a dos primeiros cristãos. Sem essa análise histórica, REAL, as origens do Escocismo estão fadadas a permanecer nas brumas do completo esquecimento. Não pretendemos dar a última palavra sobre este fato tão importante quanto singular, mas talvez tenhamos a pista para dissiparmos algumas dessas nuvens. Remontemos, pois, aos primórdios da cristianização das ilhas britânicas.
"Em 367 d.C., Irlandeses, Pictos e Saxões atacam por três frentes, de uma só vez, as ilhas britânicas. As defesas da fronteira setentrional se deterioram. Elas são restauradas provisoriamente por Theodósio. Com estas invasões os scots começam a cristianização definitiva da Bretanha. Até então, os Pictos do Norte permaneciam praticamente intocados pela cultura romana, ou mesmo pela cultura céltica do sul. Apenas os gaélicos Scots, da Irlanda, conseguiram cristianizá-los. Exatamente por este fato marcante - a participação dos scots na cristianização definitiva da Bretanha - é que vale destacar um evento pouco citado pelos analistas arturianos e pelos estudiosos maçônicos. É que a origem desses mistérios ocidentais está justamente ligada a esta região, onde fixaram-se os gaélicos cristianizados por Columbano, que ganhou o nome de seus conquistadores: a Scotland ou a Terra dos Scots. Todas as lendas de Merlim procedem desta região, fronteiriça com o reino picto. (Arthur Franco, A IDADE DAS LUZES, Wodan, Porto Alegre, 1997, p.229)
"O termo 'escocês' vem do inglês scottish. Na língua inglesa, o termo Scot significa: dinheiro que é pago. Aí vemos a ligação com o salário pago aos obreiros, pelo qual eles têm que mostrar o devido trabalho. Scot também significa nativo ou habitante da Escócia; membro de antiga tribo gaélica que migrou da parte norte da Grã Bretanha a partir da Irlanda pelo século VI A.C.. Já Scotch tem o antigo significado: cortar, corte superficial ou abrasão, uma linha desenhada no chão. Aqui temos a clara origem da tribo ou corporação de obreiros da pedra e madeira. Já do egípcio temos:
Shta-t: lugar oculto, templo, santuário, câmara secreta, sarcófago, tumba, cemitério, mistério, algo oculto.
Shta: difícil de passar, oculto ou secreto, difícil de entender, misterioso, floresta, plantação, Deus incompreensível.
Shet: pedreiros, entalhadores.
Tchah: tocar.
Tchas: plantas, flores, vegetais.
Tchati: trono.
Tchatcha-t: Conselho de Mestres.
"Podemos notar, pelas raízes da palavra ESCOCÊS a partir do inglês scot, scotch, sua profunda ligação com o pagamento dos obreiros entalhadores da madeira pelo seu Trabalho, a partir da cultura céltica da Irlanda e do norte da Grã Bretanha, co-irmã da civilização egípcia e com a qual tinha profundas ligações iniciáticas. De fato, a raiz mais antiga da palavra Scot está nas primeiras genealogias irlandesas e britânicas. As lendas contam que Heber Fionn, o primeiro Monarca da Irlanda, morto em 1698 a.C., era a 22a geração descendente de Niul (cujo nome originou a palavra Nilo). Niul, por sua vez, era trineto do bíblico Japhet, e desposara uma princesa egípcia de nome Scota, daí se originando o termo Scots a seus descendentes. O trineto de Niul, por exemplo, foi coroado Rei da Scítia com o nome de Heber Scut (ou Scot). O Cristianismo funcionou como o elo de ligação entre as duas culturas. Os druidas traduziram sua antiga tradição na nova mensagem cristã, mantendo acesa a chama do Conhecimento. Por isto Jesus começou seu trabalho com a fuga de Maria e José ao Egito, tendo o epílogo de seu périplo na Grã Bretanha, quando José de Arimatéia recolheu seu sangue no Graal e levou-o até Glastonbury. Mesmo em vida, inúmeras lendas contam como Jesus esteve com seu tio José na Inglaterra. O ritual maçônico, até passar ao ritual atualmente conhecido como escocês, teve uma longa jornada que começou no período dos druidas - os sacerdotes celtas, habitantes originais daquela região. Eles eram os depositários da Sabedoria Antiga, passada de boca a ouvido pelos Iniciados de todo o mundo. Os escoceses - scots - irlandeses que colonizaram aquela região, celtas puros, foram responsáveis pelo sincretismo com a nova religião cristã." (A. Franco, op.cit., p.229)
"Neste ponto exato é que podemos entender a origem da Maçonaria Especulativa. No crepúsculo das grandes construções, das quais as últimas foram as catedrais da Idade Média, urgia que se preparasse o terreno para a época que se avizinhava. Todos os Augustos Mistérios que se perpetuavam até então pelas Obras Operárias agora teriam que passar - fora do âmbito religioso - por um profundo simbolismo para que iniciados futuros pudessem aproveitar e trabalhar em toda a sua extensão. Foi o que ocorreu em fins do século XVII e início do século XVIII quando Iniciados como o Conde de Saint Germain passaram a preparar as bases para o chamado RITO ESCOCÊS DOS MAÇONS ANTIGOS, LIVRES E ACEITOS. Aqui, em meio a tantas e tão diversas opiniões de chamadas "autoridades" maçônicas, que desconhecem pontos básicos do lado oculto da Ordem ao explicarem a origem do Escocismo, ficamos particularmente com opinião de Jean Palou em sua obra A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática. Como veremos, inúmeras comprovações atestam a profundidade de suas afirmações:
'Veremos mais adiante qual é a verdadeira origem do Escocismo, mas podemos dizer que Ramsay não foi, de modo algum, e tampouco nenhuma outra personalidade, o criador dos Graus Superiores, formando todos estes um todo muito coerente em sua linha geral, como também em seus mais ínfimos detalhes (por exemplo, a descrição dos adornos característicos dos graus), com correspondências simbólicas de um com o outro (...). O grande erro da maior parte dessas pessoas, que têm procurado abordar o estudo do Escocismo, tem sido o de o querer fazer com meios de ordem profana. (...) Pois não se trata de modo algum de estudar os Graus Superiores com os métodos históricos habituais, forçosamente limitados, mas por meio do emprego do raciocínio analógico em função dos ritos e dos símbolos, o que é evidentemente muito mais profundo e foge do domínio 'profano' da História, sendo esta apenas um instrumento, muitas vezes precioso, de pesquisa de toda Ordem.' (Jean Palou, A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, Pensamento, S.Paulo, pp.86-87, em A.Franco, op.cit., p.230 )
"Os grifos do texto anterior de Palou são nossos. Com a base histórica e global que procuramos fornecer nesta obra, reforçamos as palavras de Palou por estarem plenamente de acordo com a visão mais iniciática da Ordem Maçônica. Mais adiante, Palou menciona uma antiga origem dessa misteriosa ritualística:
'Na mesma ordem de idéias, foi aventada uma outra hipótese, muito interessante, num excelente artigo anônimo em Cahiers de La Grande Loge de France, intitulado A Origem do Escocês. O autor, depois de haver rejeitado a opinião inteiramente ridícula segundo a qual a palavra escocês viria de acácia, as origens templárias da Maçonaria escocesa e as fontes stuardistas, inclina-se sobre o curioso problema posto pela religião culdense. Esta tinha como área geográfica a Escócia, a Irlanda, a Inglaterra céltica e a Península Armoricana. Os culdenses e seus bispos célticos tinham um culto um tanto diferente do culto romano. As diferenças 'situavam-se em seis pontos: a data da festa da Páscoa, a tonsura, a consagração episcopal, o batismo, o uso da língua gaélica e o casamento dos padres'. O autor deste artigo muito documentado mostra que os culdenses que praticavam um rito escocês tinham pedreiros que construíam as igrejas de madeira. Tiveram, em seguida, de se adaptar à nova moda, que queria que os edifícios fossem construídos de pedra e criaram então um estilo original: o estilo ogival ou gótico. Essa tese merece atenção, pois é mais do que evidente que as construções foram feitas inicialmente, em toda parte, de madeira, e que no plano iniciático ou simbólico, no qual colocamos este livro, existe uma espécie de solidificação que se opera quando a madeira cede o lugar à pedra como material de construção. Convém também lembrar que a Maçonaria Operativa conhece sua maior glória no momento da construção das catedrais e igrejas góticas e que sua ação parece desaparecer quando o estilo ogival, que é imitação da floresta, se apaga diante do estilo 'sentimental' e não tradicional da Renascença. Vale lembrar também o entusiasmo de Anderson no prefácio de seu livro, na luta contra o estilo gótico e a exaltação dos arquitetos, como Inigo Jones, que impuseram na Inglaterra o estilo neo-helênico. Poder-se-ia talvez ver nisto a impertinência de um dos fundadores da Maçonaria Especulativa com relação à Maçonaria Tradicional, resto de um rito escocês vivendo ainda na Inglaterra em 1723." (J. Palou, op.cit., p.93, em A.Franco, op.cit., p.230)
"A respeito da Igreja culdense ou céltica René Guenon observou: 'É possível que a Igreja 'céltica' ou 'culdense' mereça (uma certa atenção)...e não há nada de inverosímil no fato de ter tido atrás dela alguma coisa de outra ordem, não mais religiosa, mas iniciática'. (R. Guénon, Aperçus sur l'ésoterisme chrétien, p.86) Finalmente, para encerrar as inúmeras citações de Jean Palou a este respeito, reproduzimos aqui sua singular versão, muito próxima do que intuímos:
" 'A nosso ver, dois fatos são certos. O Escocismo é uma forma de Maçonaria regular, a forma mais antiga, sem dúvida, pois suas origens estão no ofício de pessoas que trabalham com a madeira antes de talhar a pedra. O Escocismo, no correr dos séculos, incorporou elementos iniciáticos de diferentes origens, que constituíram o sistema dos Graus Superiores. Estes últimos apareceram num determinado dia do século XVIII, porque essa semi-exteriorização tinha-se tornado necessária. É possível que isto correspondesse a uma necessidade histórica - que nada tem a ver com a lenda stuardista nem com as elucubrações, ao gosto de Ragon, das influências jesuíticas - e nos alinhamos, quanto a essas causas, à opinião abalizada de Jean Reyor, quando escreve: '...acontece, nesses períodos conturbados, que por razões que podem ser diferentes, se produzam exteriorizações de doutrinas normalmente esotéricas, sejam exteriorizações autorizadas da violação do segredo por indiscrições acidentais ou por violências, seja, enfim, por divulgações efetuadas por uma corrente esotérica degenerada ou desviada, a qual, tendo perdido a noção de seu verdadeiro papel, propõe-se a intervir diretamente no mundo exterior, quer para propagar uma 'nova dispensação' do Cristianismo, na expressão de M. Hutin, quer por qualquer outro motivo político ou religioso.' " (Jean Palou, op.cit., p.96, em A.Franco, op.cit., p.231) Extraído, com alterações, de Arthur Franco, A IDADE DAS LUZES, Wodan, 1997, Porto Alegre, páginas 229 a 231)
Em 1717 foi fundada a primeira Grande Loja de Franco-Maçonaria, em Londres. Dá-se, então, à maçonaria uma estrutura escrita, e M. Lepage declara melancolicamente: "No meu parecer, a partir deste dia nefasto data o declínio da Maçonaria autenticamente tradicional. Ao se dar chefes e regulamentos gerais, os maçons da época rejeitaram a mais bela idéia maçônica, isto é, o Maçon Livre na Loja Livre." Mas um grande Iniciado certamente participou da ligação entre os antigos Mistérios Célticos e Cristãos no Ritual Escocês à esta época: o cavaleiro Ramsay. No mesmo ano em que a Grande Loja de Londres era fundada, Ramsay tornou-se preceptor da Casa de Bouillon. Como exaustivamente mostramos em outras oportunidades, os Bouillon eram descendentes dos antigos Merovíngios, que, por sua vez, continuaram a mais antiga Tradição Céltica e Cristã com uma dinastia descendente do primeiro Rei Franco: Francus. Esse primeiro rei Franco apareceu misteriosamente ao mesmo tempo em que a família de Jesus (senão o próprio) veio à França através de Marseilles. Godfroi de Bouillon, o conquistador de Jerusalém, era a 27a. geração após o primeiro rei cristão Clóvis; este, por sua vez, era a 26a. geração após Francus. Mas Clóvis era, também, descendente da Linhagem Real Britânica pela mãe de Clodomir IV, Rei dos Francos de 104 a 166 d.C.. A mãe de Clodomir IV, Athildis, era a 8a. geração após Anna, Rainha da Inglaterra e filha de José de Arimatéia, este tio-avô de Jesus. As lendas de José na Inglaterra, em Glastonbury, e a companhia de Jesus em suas constantes viagens a Mendip Hills à procura de estanho para a região da Palestina, então, encontra aqui uma preciosa ligação entre Jesus e seus descendentes, o Graal, os Merovíngios, as Tradições Célticas e Cristãs, os Bouillon e a origem do Rito Escocês.
In 1730 Jacques Stuart concede a Ramsay o título de baronete da Escócia. Neste ano ele foi recebido como Doutor na Oxford University. Estava constantemente em viagens e em missões misteriosamente desconhecidas. Ao longo do século XVIII ouviremos falar de uma Maçonaria de Bouillon. Segundo Jean Palou, "Quem não vê que essa Maçonaria é a Maçonaria própria de Ramsay, quer dizer, a corrente escocesa, stuartista e católica, em oposição à Maçonaria nascida na Grande Loja de Londres, a Maçonaria de Désaguliers e de Anderson?" Tornou-se famoso, num trecho do Discurso de Ramsay, a apologia feita aos conquistadores de Jerusalém (através de Godfroi de Bouillon) e "o voto de restabelecer os templos dos cristãos na Terra Santa e de se empenhar na recondução da Arquitetura à sua primeira instituição. " Segundo Ramsay: "Nossa Ordem...[é]... uma Ordem Moral fundada desde a mais remota antigüidade e renovada na Terra Santa por nossos antepassados, para despertar as Lembranças das Verdades mais sublimes em meio a inocentes prazeres da sociedade." Como lembrou Palou: "Até hoje não se deu a devida atenção ao fato de Ramsay ter sido amigo do Príncipe de Bouillon e ao fato de que a primeira Cruzada foi exatamente dirigida por Godfroi de Bouillon, antepassado dos duques do qual Ramsay foi o protegido."(J. Palou, op.cit., p.72)
IDADE DAS LUZES (Arthur Franco, 540 pgs., 61 figs) is a publication from WODAN Editora Ltda. All Rights Reserved.
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