PEQUENA HISTÓRIA DA SANTA INQUISIÇÃO
José Ronaldo Viega Alves*
PEQUENA HISTÓRIA DA SANTA INQUISIÇÃO, A FACE CRUEL DA IGREJA CATÓLICA. OS TEMPLÁRIOS FORAM VÍTIMAS DA INQUISIÇÃO? A MAÇONARIA TAMBÉM CHEGOU A SER PERSEGUIDA? OS JUDEUS: ETERNOS BODES EXPIATÓRIOS.
INQUISIÇÃO: 1. A partir de 1209, o Papa Inocêncio III procurou dar um novo aspecto às questões heréticas e nomeou S. Domingos, em 1215, como Inquisidor Geral. O Tribunal da Inquisição, também chamado de Santo Ofício, foi um órgão da Igreja Católica criado em 1232 pelo Papa Gregório IX, encarregado de descobrir e julgar os responsáveis pela propagação de doutrinas heréticas, isto é, contrárias aos dogmas da fé cristã. Sua ação estendeu-se por vários reinos cristãos – Itália, França, Alemanha, Portugal e especialmente, Espanha. Com o decorrer do tempo reduziu suas atividades que somente foram reativadas em meados do século XVI diante do avanço do protestantismo. Exemplo marcante dessas perseguições é a condenação à morte na fogueira de Giordano Bruno (1548-1600) por contestar a ortodoxia oficial católica, que tinha um dos pontos básicos a crença de que o planeta Terra era o centro imóvel do Universo. Contra essas concepções, Giordano Bruno apresentou a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico (1473-1543) e defendeu que o Universo é um todo infinito, cujo centro não está em parte alguma. Outro personagem famoso perseguido pela Inquisição foi Galileu Galilei em 1633; foi condenado pela mesma por ser defensor da cosmologia, que se desenvolveu a partir da teoria heliocêntrica de Copérnico. O Tribunal lhe impôs a dramática alternativa: ser queimado vivo numa fogueira ou retratar-se publicamente, renegando suas concepções científicas. Galilei optou por viver. Em 1638, quatro anos antes de falecer, publicou clandestinamente mais uma obra que contrariava os dogmas oficiais de sua época. A Inquisição chegou a proibir a leitura de quatro mil livros, sob a pena de excomunhão. Os próprios teólogos católicos sofreram muitas dificuldades. Desautorizado pelo Papa João XXIII, o Índex foi suprimido pelo Papa Paulo VI, que iniciou a reforma do Santo Ofício, que passou a ter a denominação de Congregação para a Doutrina da Fé. O Tribunal da Inquisição foi a face cruel da Igreja Católica. 2. Em fins do século XVIII a Inquisição tanto em Portugal como na Espanha, transferiu suas perseguições aos maçons e partidários das idéias dos enciclopedistas e iluministas. Francisco Miranda (1754-1816), venezuelano e principal artífice da independência hispano-americana morreu nos cárceres da Inquisição. Antônio José da Silva, cognominado o judeu (1705-1739), comediógrafo no Rio de janeiro foi queimado nas fogueiras do Santo Ofício, em Portugal. 3. Na Maçonaria atual, a inquisição é o símbolo do obscurantismo e do fanatismo prepotente.” (Conteúdo referente ao verbete “Inquisição” , retirado do “Vade – Mécum Maçônico” de autoria do Irmão João Ivo Girardi) JB News – Informativo nr. 1.733 – Melbourne –domingo, 28 de junho de 2015 Pág. 13/31
INTRODUÇÃO
A história da Inquisição possui inúmeros ângulos para abordagens. É correto dizer que não se pode considerar a Inquisição do ponto de vista de uma instituição única, pois, isso por si só, atrela-a no que seria um determinado período da Idade Média, quando o correto seria admitir a existência de várias “Inquisições”, e que cada uma vale ser compreendida dentro do seu contexto em particular. Ainda que seja um assunto que sempre desperta bastante interesse, carece ainda de maiores estudos no que tange às perseguições que foram movidas aos membros da nossa Ordem, o que ficou patente quando da pesquisa ora realizada, pois, não havia muito material à disposição.
Seria correto então, alegar como um dos motivos justificados para essa lacuna em registros, o fato da Maçonaria ter a data oficial do seu nascimento no ano de 1717 e, portanto, já num período em que a Inquisição estava bem adiantada, período em que as ações tomadas e que entraram para a história como de extrema violência, já iam longe, além de que, a grande área de sua atuação e de medidas mais impactantes esteve centrada na Península Ibérica? Até certo ponto sim, mas, é de fundamental importância considerar que a Inquisição tinha olhos e ouvidos por toda a parte e no momento adequado voltava com força total. Ainda, desde que fora aberto o caminho para a criação da Inquisição, o que ocorreu por intermédio da bula Vergentis in senium, em 1199, várias Inquisições já haviam transcorrido, e o seu pior momento, ou segunda fase, como alguns estudiosos preferem dizer, transcorreu na Espanha e depois em Portugal, acontecimentos que podem ser situados lá pelo final do século XV. E será que esses aparatos todos acabaram sendo desmontados após esses momentos mais intensos de perseguições e julgamentos? A resposta é não.
Procurei reunir aqui o que é possível encontrar no terreno específico que envolve a Maçonaria, e onde ainda engatinham as pesquisas, mas, que pode servir de faísca, para que outros Irmãos façam suas pesquisas e estudos e os resultados posteriormente venham à luz. Antes, uma idéia geral do que foi a Inquisição, apontado como um dos momentos mais cinzentos da história da humanidade, onde, dentre as milhares de vítimas que caíram presas em suas garras, muito poucas sobreviveram para contar suas histórias.
A INQUISIÇÃO
É difícil de acreditar que a Igreja Cristã, a mesma que um dia fora vítima de terríveis perseguições movidas aos seus seguidores, efetivadas pelos judeus, e depois por esses e pelos romanos, viesse, passados somente alguns séculos, a tornar-se uma perseguidora. E essas perseguições não estavam dirigidas somente a pessoas de fora do seu círculo, mas, incluía até mesmo gente dela própria. Enxergando heresias por todos os lados, a Igreja Católica Romana punia, bania e matava.
Como resumo geral do período esse que envolve a Santa Inquisição, apresentamos o que segue, calcado no que está exposto na Enciclopédia de Champlin:
No ano de 1163, no concílio de Tours, na França, o papa Alexandre III ordenou que o clero procurasse os hereges que constavam nos inquéritos, com o auxílio de testemunhas juramentadas. Por mais ou menos cinqüenta anos (1163 a 1215), vários processos inquisitoriais tiveram andamento. No século XIII, a Inquisição já estendera sua atuação por toda a Europa, com exceção da Escandinávia e da Inglaterra. Havia uma diferença marcante dos tribunais da Inquisição para os casos tratados nos tribunais civis: neste últimos os acusados ficavam sabendo quem eram os acusadores.
Para o tribunal da Santa Inquisição, quando as ofensas eram consideradas leves, as penalidades eram insignificantes, resumindo-se em formas de penitências. Porém, os alegados crimes, que comumente envolviam diferenças doutrinárias, tinham penas violentas como o encarceramento, o banimento e até mesmo a morte. Isso, sem falar das torturas a que eram submetidos os prisioneiros.
Difícil de acreditar até, mas, em 1253, o Papa Inocente IV autorizou oficialmente o uso de torturas em processos que envolviam interrogatórios.
Nessa época, os governos civis estavam de mãos dadas com a Igreja dando o seu total apoio à mesma. Na Espanha, lugar onde a Inquisição mostrou-se altamente organizada, e foi bastante eficaz e devastadora, contou com o auxílio e a autoridade direta do rei. Nesse tempo, durante e após a colonização das Américas ela pôde estender os seus braços às colônias. A Inquisição espanhola foi estabelecida no ano de 1480 e foi abolida somente em 1834, ao passo que o Santo Ofício da Inquisição estabelecido em Roma durou de 1542 até 1965, ano em que acabou sendo substituída pela Congregação da Doutrina da Fé, o que não deixava de ser Inquisição, mas, não se utilizando de meios violentos. Em Portugal o Tribunal da Inquisição foi desativado no ano de 1821. Com referência ao Brasil, vejamos o seguinte trecho que consta na Enciclopédia de Champlin:
“No Brasil, milhares de pessoas foram denunciadas e centenas foram condenadas, a partir de 1591, com a chegada de visitadores como Heitor Furtado de Mendonça, que armou uma enorme mesa, nas instalações da Companhia de Jesus da Bahia para receber as denúncias. Na maioria das vezes, as acusações falavam sobre corrupções de cristãos, por causa da influência do judaísmo, como feitiçarias, sodomia e homossexualismo. Também houve denuncias sobre desvios doutrinários que raiavam a blasfêmia. Uma das vítimas brasileiras foi o autor e poeta Antônio José da Silva, que foi executado na fogueira em Lisboa, em 1739, com apenas trinta e quatro anos de idade. Nasceu no Brasil, mas criou-se em Portugal. Antes de morrer, foi objeto de constantes perseguições. Um outro brasileiro vitimado foi Bento Teixeira, que foi o primeiro poeta a escrever no Brasil, após José de Anchieta. Foi feito prisioneiro em Pernambuco. Morreu na prisão em 1600.”
OS TEMPLÁRIOS FORAM VÍTIMAS DA SANTA INQUISIÇÃO?
Sim, na verdade a presença da Inquisição, ou a existência da Inquisição no momento aquele em que Filipe, o Belo, arquitetava juntamente com o Papa Clemente V, que fora eleito por ele, portanto, um fantoche do rei francês, a supressão da Ordem do Templo, a Inquisição serviu à causa dos dois mandatários. Vejamos um trecho do livro de Edward Burman, intitulado “TEMPLÁRIOS Os Cavaleiros de Deus”, onde essa questão é apresentada:
“O verdadeiro choque relativo à captura dos Templários na França originou-se do fato de que um governante secular acusara em público uma Ordem diretamente ligada ao papa de heresia, um crime que pertencia à jurisdição da Igreja. O tribunal eclesiástico conhecido como Inquisição, naquele momento envolvido numa batalha contra cátaros, franciscanos espiritualistas e outros hereges na França e norte da Itália, era a autoridade competente. Se tivesse havido forte suspeita de heresia dentro da Ordem do Templo antes de as prisões serem feitas, deveria ter sido denunciada à Inquisição – que então teria realizado investigações e convocado os líderes dos Templários a comparecer perante um inquisidor. Na verdade, a fim de criar uma aparência de legalidade, Filipe, o Belo, inseriu na Ordem de Prisão de 14 de setembro de 1307 a afirmação de que as prisões estavam sendo feitas para atender ao ‘justo pedido’: do Inquisidor Geral, Guillaume de Paris. Mas não existe prova de que tal pedido foi feito, e ele não voltou a ser mencionado nos documentos do julgamento. Filipe dedicara quase uma década para trazer a Inquisição da França para o seu controle pessoal. Além disso, o inquisidor Guillaume de Paris era o confessor particular do rei desde o final de 1305. Essa estreita relação pessoal e a dependência por parte de Guillaume da boa vontade do rei para conservar sua posição de autoridade o incentivariam obviamente a aquiescer à política de Filipe e a permitir que seu nome fosse usado na Ordem de Prisão. Não era tanto o poder ou a eficiência da Inquisição que Filipe queria utilizar, mas a legalidade oriunda de se fazerem as prisões, ainda que de forma obscura, em nome do tribunal competente.”
Também no livro “Templários” de Sérgio Pereira Couto, no que tange ao julgamento dos Templários que haviam sido presos, é possível encontrar os seguintes registros:
“Enquanto isso, Felipe recrutou a ajuda de Guilherme de Paris, um grande inquisidor, e começou a interrogar os templários detidos. É claro que isso significava fazer o uso de técnicas de confissão próprias da Inquisição, ou seja, técnicas de tortura. Apenas em Paris, 134 dos 138 capturados confessaram seus pecados sob tortura, confessando o homossexualismo, a traição a Jesus e até mesmo que cuspiram na cruz. De Molay e centenas de outros templários foram presos e atirados em calabouços. Passaram cerca de sete anos em celas úmidas e frias, além de sofrerem torturas desumanas e cruéis. Nesse meio tempo, Felipe forçou o papa a apoiar a decisão de obrigar De Molay a trair os outros líderes da Ordem para descobrir a extensão real dos pertences templários, além da condenação dos templários. Mas os registros históricos apresentam a resistência do Grão-Mestre. Há registros datados de 1307 que mostram que, depois de uma confissão, um templário ficava sem julgamento. Todas as confissões eram de templários franceses ou de regiões ligadas à coroa francesa, como Provença e Navarrra.”
COMENTÁRIOS:
Como pudemos perceber, no fundo, a questão maior por trás da prisão dos Templários, do plano de uma fusão com os Hospitalários, rejeitado por De Molay e o conseqüente extermínio da Ordem dos Cavaleiros do Templo de Salomão, era a posse do suposto tesouro templário ou dos seus bens e patrimônio, por parte do rei Felipe, o Belo.
Mais adiante, veremos que por trás dos interesses religiosos da Santa Inquisição havia o negócio lucrativo da pura e simples posse dos pertences e patrimônio daqueles que eram encarcerados e condenados, que em sua grande maioria, eram judeus.
O CRESCIMENTO DA MAÇONARIA: UMA AMEAÇA À IGREJA?
Vejamos um extrato do livro de Baigent & Leigh, intitulado “Inquisição”, para facilitar o nosso entendimento sobre os alvos em potencial da Inquisição, que pelo longo tempo em que permaneceu, teve, dependendo da época nítidas preferências:
“A Igreja sem sombra de dúvida se sentiu ameaçada pelo rosacrucianismo, e o Santo Ofício acrescentou devidamente os suspeitos de serem seus adeptos à lista dos transviados. Como as bruxas, os rosacrucianos deviam ser caçados, denunciados e vigorosamente processados. Mas o principal réu aos olhos de Roma continuou sendo o protestantismo, com o qual os primeiros tinham ligações meio tênues. Afinal, fora o protestantismo que criara as circunstâncias e o clima espiritual em que o rosacrucianismo, junto com outras formas de pensamento heterodoxo, pudera vicejar.”
E mais adiante:
“Das potências católicas que haviam sido antes as executivas da Igreja nas esferas seculares, só restava a França. Contudo a França mantinha ferozmente sua independência em relação a Roma. E embora ainda nominalmente católica, agora começava a representar a maior ameaça de todas _ uma ameaça no mundo das idéias e valores, e portanto mais difícil de combater que qualquer edifício militar ou político. Sob a influência do racionalismo cartesiano, a França, em meados do século XVIII, assumira a vanguarda do sentimento anticlerical e tornara-se um verdadeiro viveiro de hostilidade _ em relação à religião organizada em geral e ao catolicismo em particular. Nos textos dos ‘philosophes’ _ homens como Montesquieu, Diderot e, supremamente , Voltaire _ a outrora augusta e inatacável Igreja era não só repudiada, mas aberta, escandalosa e blasfemamente ridicularizada. Para mortificação da hierarquia eclesiástica, Roma tornou-se uma espécie de piada permanente, objeto de impiedosa zombaria. Pondo os autores dessa zombaria no índex, o Santo Ofício só conseguiu parecer mais pueril, mais brilhantemente impotente. Se o racionalismo cartesiano e os textos de ‘les philosophes’ representavam grandes desafios à Igreja, um outro de magnitude comparável, era apresentado pela disseminação da maçonaria. A instituição conhecida com esse nome se formara, pelo menos em alguma coisa semelhante a sua forma moderna, na Escócia e Inglaterra, no início do século XVII. (...) Em meados do século XVIII, a maçonaria chegara a todo canto da Europa Ocidental. Já se espalhara para as Américas, do outro lado do Atlântico. (...) A ameaça representada pela maçonaria para a Igreja era múltipla. Em primeiro lugar, muitas, senão a maioria das Lojas na época, defendiam pelo menos um certo grau de racionalismo cartesiano, e assim serviam como conduto para modos de pensamento inimigos do catolicismo. A maçonaria jamais pretendeu ser uma religião rival ou alternativa; mas suscitava questões espirituais, e com isso apresentava desafios à fé dogmática, dócil e obsequiosa exigida por Roma. Enquanto esta se apegava obstinadamente ao dogma que não mudara em séculos, a maçonaria abraçava o mundo em rápida mutação do século XVIII, com seu progresso comercial, industrial e científico. Esse mundo também incluía significativa mudança social, com uma ênfase sem precedentes no igualitarismo e nos direitos humanos. Enquanto a Igreja olhava para trás, a maçonaria olhava para a frente, e quando Roma contemplava o futuro, esse futuro parecia ter mais probabilidade de se influenciado pela Loja que pelo púlpito.”
A partir de 1737, com a evidente disseminação da Maçonaria e a ameaça latente que representava, a Igreja resolveu convocar uma conferência secreta sob os auspícios do Papa Clemente XII. Único tópico: maçonaria. Presenças: três cardeais, os chefes das Congregações papais básicas e o Inquisidor Geral.
Nove meses depois após esse encontro, ‘nasceu’ uma Bula, In Iminenti, que começava da seguinte forma:
“Condenação da Sociedade, Lojas... (de) maçons, sob pena de excomunhão a ser incorrida ipso facto, e a absolvição sendo reservada ao Sumo Pontífice.”
Seguiram-se várias prisões, confisco de literatura maçônica, perseguições, em muitos dos países europeus. Em 1739, um novo édito foi publicado determinando que todos os Maçons, em toda parte, eram ameaçados de confisco de suas posses, excomunhão e morte. Em países onde as lei do Santo Ofício ainda eram bem claras, a exemplo de Portugal e Espanha, os maçons eram perseguidos com a mesma disposição utilizadas séculos atrás para perseguir as bruxas. Nesse país atuava ainda uma Inquisição que prestava contas à Coroa. O escritor português José Saramago disse certa vez que, a exemplo da sua correspondente na Espanha, e no já bem adentrado o século XVIII, a Inquisição portuguesa precisava de um bode expiatório para justificar assim a sua própria continuidade, e a maçonaria tinha sido escolhida. Por milagre, o alvo dessa vez não eram os judeus.
COMENTÁRIOS:
Conforme o aventado antes, isso vem atestar que a Maçonaria somente adquiriu o ‘status’ de ameaça real depois da sua disseminação e fato que se deu de forma avassaladora no começo do século XVII. Até então, não representava aos olhos da Igreja Católica um problema mais sério, portanto, a Inquisição não teve de fato um direcionamento voltado para os maçons em particular antes desse período, mas, somente após o século XVII , quando ciente do avanço das Lojas e do crescimento da população de maçons, deu um jeito de estender os seus tentáculos no intuito de frear a nova Ordem.
EPISÓDIOS ENVOLVENDO A INQUISIÇÃO E OS MAÇONS
Os propósitos da Inquisição eram claramente inquirir quanto à propagação de doutrinas opostas, de fazer os tribunais convocarem todos os católicos romanos a quem estivessem recaindo suspeitas de suspeitas de heresia e ainda de conduta que não fosse condizente, além de punir a incredulidade. Os principais acusados de heresias e que sofreram perseguições sem tréguas da Igreja Católica foram os albigenses, os waldenses e os cátaros. No tocante aos judeus, com ou sem a Inquisição sempre foram perseguidos. Lembremos a primeira Cruzada, a de Pedro, o Eremita, que em vista do caminho para a Terra Santa ser muito longo, e enquanto não se deparavam com muçulmanos, iam matando os judeus que encontravam pelo caminho, afinal, nesse período toda a matança com o aval do Papa e da Igreja era considerada sagrada.
Há casos, e que fogem à regra, no decorrer da História da Inquisição, onde ficaram caracterizadas a coincidência do perseguido ser judeu e Maçom. Dois casos famosos registrados pela história são citados pelo Irmão Léon Zeldis, e que veremos o trecho retirado do seu livro intitulado “As Pedreiras de Salomão” onde constam:
“Outros dois judeus sefarditas ingleses são famosos na história da Maçonaria, por terem sido capturados em Lisboa, pela Inquisição, condenados por serem Maçons e não por praticarem o judaísmo; e por haver recobrado a sua liberdade. O primeiro deles foi John Coustos, condenado em 1740 sendo publicados vários trabalhos sobre ele. Alguns historiadores colocam em dúvida que tenha sido judeu, mas em seu trabalho já mencionado, o Irmão Shaftesley aporta numerosos indícios que indicam o fato de que, ‘se John Coustos não era de origem judaica, conseguiu dissimular muito bem’.
Baigent & Leigh também comentam em seu livro, já anteriormente citado, o caso de John Coustos e chegam a acrescentar que os arquivos referentes a esse caso existem até hoje nos processos da Inquisição e chegam a cerca de 600 páginas. Coustos morreu dois anos após deixar os porões da Inquisição, tendo saído com a interveniência da embaixada britânica em Lisboa. Antes de morreu escreveu o livro que conta essa sua terrível experiência e que se intitulou Os Sofrimentos de John Coustos pela Maçonaria, publicado em dezembro de 1745.
O segundo caso é o de Hipólito da Costa, cujo sobrenome vem de uma linhagem das comunidades sefarditas dePortugal e Londres. Existiam em um determinado período, quase duas dezenas de Da Costa ou Mendes da Costa nos círculos de diamantistas. Da Costa, cujo nome completo era Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonza, ingressou na Loja ‘das Nove Musas’, em 1807 e na Loja da ‘Antiguidade’ em 1808. Da Costa, de quem era amigo dos Duques de Sussex e de Leinster, eventualmente alcançou o elevado posto de Grão-Mestre provincial de Rutlandshire. Em 1898, a AQC publicou uma nota a respeito do Irmão Ben da Costa, Ven.’. Past Master da Loja ‘Friars’ e Preceptor da Loja Israel de Instrução, nº 205, que era indiscutivelmente judeu e, que diza ter parentesco com Hipólito da Costa.” JB News – Informativo nr. 1.733 – Melbourne –domingo, 28 de junho de 2015 Pág. 17/31
E da revista “Aventuras na História”, em seu artigo intitulado “Monges Guerreiros”, retiro o seguinte trecho que atesta a ação da Inquisição sobre os Templários:
“Em 1304, o 23º grão-mestre da ordem, Jacques de Molay, convidado a se apresentar em Paris, foi recebido pelo rei Felipe, o Belo – que devia dinheiro à ordem. O rei pediu que os templários aceitassem uma fusão com os hospitalários e se submetessem à sua liderança numa futura cruzada. Diante da recusa, Felipe mandou prender toda a cúpula da ordem. A partir de 1307, os líderes seriam interrogados pela Inquisição. Muitos, incluindo De Molay, confessaram, possivelmente sob tortura, que os rituais de iniciação incluíam cuspir e urinar na cruz de Cristo e que os cavaleiros eram estimulados a praticar sodomia. O papa Clemente 5º relutou em aceitar as acusações e o rei francês, então, simplesmente mandou dezenas deles à fogueira. Felipe era considerado fiel ao catolicismo, mas tinha interesse em eliminar seus credores e assumir seu patrimônio, diz Edgeller. Em 1312, a ordem foi dissolvida. Dois anos depois, em 18 de março de 1314, De Molay queimou em uma fogueira em Paris.”
DOS VERDADEIROS PROPÓSITOS DA INQUISIÇÃO
O historiador Henry Kamen, um dos mais entendidos e respeitados estudiosos sobre a Inquisição, no que tange à Inquisição espanhola referiu-se assim:
“A Inquisição serviu aos reis católicos para resolver um problema social mascarado de problema religioso, na medida em que se perseguiam os conversos, que quase sempre eram membros da burguesia judaica; beneficiavam-se os burgueses cristãos, que então não tinham mais que preocupar-se com a concorrência dos cristãos-novos _ ao mesmo tempo em que revertiam-se os bens confiscados para os cofres do Estado, podendo-se assim garantir aos monarcas fundos para financiar as constantes investidas contra os reinos muçulmanos ainda existentes na península.”
Sem dúvida, três pilares, o de perseguir, o de julgar e o de punir no que se refere às questões envolvendo heresias eram os que moviam os inquisidores, mas, afora os pretextos religiosos, outros motivos se somaram com o passar dos anos, e entre eles o de maior peso foi a certeza de que a Inquisição ou as Inquisições eram um negócio muito lucrativo. Vejamos este trecho de um artigo sobre a Inquisição retirado da revista “BBC History Brasil”:
“Do ponto de vista político, era fácil tirar proveito da situação. ‘Um dos aspectos da Inquisição é que, depois de mortos, os chamados hereges tinham todos os seus bens tomados. Não eram raros os casos em que, principalmente os judeus, eram perseguidos para que suas posses lhes fossem tiradas. Com um grande poder em mão, os inquisidores enfrentavam reis, como no caso de Carlos VII, burgueses e personalidades de grande influência’, conta Ferres. Ou seja, estavam dispostos a barrar quem ousasse ameaçar sua soberania e a inventar pretextos sacros a fim de tomar valores materiais.”
O FINAL DA INQUISIÇÃO?
As Inquisições, portuguesa e espanhola, ainda atuaram com muita vontade ao longo do século XVIII, e isso incluía as suas colônias no exterior. Quando da ocupação napoleônica da Península Ibérica elas foram desmanteladas. No fim da Guerra Peninsular, ela foi restabelecida novamente nesses países, mas, por sorte, tiveram uma vida mais curta. No fim do século XIX estavam aparentemente mortas. Mas as Bulas emitidas pelos Papas contra a Maçonaria nunca pararam. Em 1884 Leão XIII publicou sua encíclica que começava assim:
“A raça humana divide-se em dois grupos diferentes e opostos... Um é o Reino de Deus na terra _ isto é, a Igreja de Jesus Cristo; o outro é o reino de Satanás.“ E prossegue: “Em nossos dias... os que seguem o daninho parecem conspirar e lutar juntos sob a orientação e com a ajuda daquela sociedade de homens espalhados por toda parte, e solidamente estabelecidos, que chamam de maçons.”
CONCLUSÃO
Após o exposto acima, podemos extrair duas importantes conclusões:
1 – A partir do momento que concordemos com a idéia já aceita da grande maioria dos historiadores que aconteceram várias inquisições ao longo da história, fica indiscutivelmente mais fácil também aceitar o fato de que, em períodos mais recentes, houve sim e até há de parte da Igreja Católica Romana uma perseguição aos Maçons. Isso reproduz os ecos das versões mais antigas dessas Inquisições quando os Papas criaram um órgão especial para investigar os suspeitos de heresia, que é o mesmo que dizer que qualquer um professasse práticas contrárias, diferentes ou estranhas àquelas dadas como cristãs estaria na mira dos inquisidores. E dependendo do olhar do inquisidor, tudo era visto como heresia! Considerando que, a Inquisição de todo não foi abolida, e que um braço dela persiste até hoje com o nome sutil de Congregação para a Doutrina da Fé, e que tem entre um de seus deveres a missão de “examinar cuidadosamente os escritos e as opiniões que se mostram contrários ou perigosos à verdadeira fé” e a partir daí ministrar os remédios adequados, não necessitamos ser conhecedores profundos em leis para perceber que esse estatuto abre vários e possíveis caminhos para a Igreja ainda usar de alguns dos seus métodos arcaicos. Baseados então, no conteúdo que rezam tais estatutos, como podemos nós, os Maçons, achar que somos vistos?
2 – Mesmo em períodos específicos onde a Inquisição revelou-se mais persistente e cruel, haveremos de concordar que os Maçons não foram vítimas diretas da mesma, uma pelo fato da própria Igreja não ter uma idéia sólida sobre a Maçonaria, e outra pelo fato de que, como já dissemos e deixamos alinhavada a idéia, a Maçonaria somente veio a adquirir essa concepção e formato tal como a conhecemos hoje, a partir de 1717, o que, dada a sua presença oficial a partir daí, sem dúvidas despertou muito mais as atenções sobre a mesma, além de desconfianças e acusações gratuitas. Até então, as perseguições não estavam diretamente ligadas à condição exata de ser ou não maçom, mas, de uma maneira geral envolvia outros motivos, onde talvez o indício de ser judeu, ter o sangue contaminado como era usual afirmar, ou mesmo, ser cristão-novo ou convertido, e se detectado qualquer indicio ou prática que remetesse, ainda que muito vagamente, ao universo judaico, isso sim, era o bastante, para conduzir o infeliz aos porões onde funcionava a Inquisição ou às fogueiras nos autos-de-fé. Bem, o judeu como bode expiatório existia e existe até hoje também. E já que falamos de Inquisições no plural, há inquisições veladas também. Nesse aspecto, a frase que fecha o excerto colocado antes da introdução do presente artigo é de fundamental importância para a reflexão de todos nós: “Na Maçonaria atual a inquisição é o símbolo do obscurantismo e do fanatismo prepotente.”
As milhares de vítimas dessas tantas Inquisições ficaram mesmo como anônimos, e muitos eram conhecidos somente nas suas localidades de origem, mas, sabemos que os tentáculos do monstro inquisitorial eram grandes e poderosos. Por serem de natureza religiosa e política, alguns dos que não conseguiram ficar imunes a ela por terem notoriedade nas devidas épocas ficaram conhecidos de todos, onde podemos citar Joana D’Arc, Galileu Galilei e Giordano Bruno, entre outros.
Em períodos mais recentes, ficamos sabendo então, que houve perseguições e que a Igreja Católica voltou-se com muita gana e virulência contra os Maçons, o que comprova a devida participação direta da Inquisição em perseguição aos Maçons e à Maçonaria. Até hoje, volta e meia renascem histórias fantasiosas que envolvem conspiradores maçons sempre prontos a usurparem o trono do Papa, isso para ficar somente numa das dezenas que existem por aí, e que sempre angariam seguidores e fanáticos. Há sempre uma nova forma de Inquisição em andamento, e nestes tempos modernos, elas se voltam principalmente contra o livre pensar. A fogueira ainda queima.
Consultas Bibliográficas:
Revistas:
AVENTURAS NA HISTÓRIA, Edição 107, Junho 2012. “Os Monges Guerreiros”, artigo da autoria de Tiago Cordeiro.
BBC HISTORY BRASIL, Ano 1, nº 4, 2014 – “O Que Esconde a Fogueira da Inquisição?”, artigo da autoria de Helen Castor.
INQUISIÇÃO – HISTÓRIA EM FOCO – Ano 1, nº 1, 2015.”A Gênese do Extermínio” e “O Auge do Terror: Carnificina na Península Ibérica” – Artigos da autoria de David Cintra.
Livros:
BAIGENT, Michael & LEIGH, Richard. “Inquisição” – Editora Imago - 2001
BURMAN, Edward. “TEMPLÁRIOS - Os Cavaleiros de Deus” – Editora Nova Era – 7ª Edição – 2006
CHAMPLIN, R.N. – “Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia” – Volume 3 – Ed. Hagnos – 9ª Edição – 2008.
COUTO, Sérgio Pereira. “Templários” – Editora Universo dos Livros - 2006
Girardi, João Ivo. “Do Meio-Dia à Meia-Noite Vade - Mécum Maçônico” – Nova Letra Gráfica e Editora Ltda. 2ª Edição – 2008
ZELDIS, León. “As Pedreiras de Salomão” – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda. 1ª Edição – 2001
*Irmão José Ronaldo Viega Alves
ronaldoviega@hotmail.com Loja Saldanha Marinho, “A Fraterna”
Oriente de S. do Livramento – RS.
Fonte: JB News – Informativo nr. 1.733
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