José Martí M∴M∴
Resp∴L∴ Ocidente, ao Oriente de Lisboa
Os graus escoceses existiam já antes de 1743, mas eram sobretudo graus isolados ou pequenos sistemas de alguns graus, não constituindo verdadeiros ritos ordenados numa progressão iniciática reflectida.
É óbvio, que desde essa altura até aos nossos dias os rituais foram reescritos, modificados e actualizados. As pesquisas mais recentes sugerem que os rituais ligados aos graus escoceses foram uma elaboração colegial no seio das lojas.
Uma carta de Petit de Boulard refere precisamente este tipo de processo. Independentemente desta base eventual de elaboração colegial, houve contributos e empenhos pessoais que determinaram a decisiva dinamização do subsequente processo mais alargado de participação.
Os autores dos rituais dos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito foram designados por várias referências documentais, nomeadamente a Colecção Sharp, como os Jardineiros da Rosa.
Não se encontram referências pessoais concretas em torno da elaboração e consolidação desses rituais, colocando-se a necessidade de formular algumas pistas que possam ajudar a situar esta pesquisa.
Múltiplos estudos reconhecem no conteúdo dos rituais influências judias, do protestantismo francês, concretamente o calvinista, das lojas militares e dos burgueses como classe social.
Por exemplo, o conceito de “Eleito” é de inspiração calvinista e o carácter salomónico do Antigo Mestrado revela a influencia judia que é ainda sublinhada pela abundância de hebraísmos.
Não existem hoje dúvidas, com o mínimo de fundamento, quanto ao facto dos graus escoceses e dos seus rituais terem origem em França. Trata-se de uma evidência histórica marcante.
Neste contexto, assume particular importância a Loja “ Os Eleitos Perfeitos”, em Bordéus, também designada “ Loja Escocesa de S. João de Jerusalém”. Os regulamentos adoptados a 8 de Julho de 1745 possuem as assinaturas de Étienne Morin, Lamolère de Feuillas, Raoul, Lavie e Riboutet.
De acordo com uma carta de Dupin Deslezes, que foi venerável em 1750, dirigida a Pierre-François Roussillon a 24 de Maio de 1759, o fundador da loja foi Étienne Morin. Nos membros identificados desta loja figura um maçom de nome Peres, negociante, referido como português.
Importa ter em conta que em 1750 a população judia em Bordéus era predominantemente portuguesa e dispunha de 6 sinagogas e várias escolas básicas e superiores.
Os membros desta loja pertenciam às diferentes lojas simbólicas de Bordéus e foram como tudo indica, a primeira Oficina de graus superiores. Entre 1742 e 1762 foram criadas 19 lojas com o título distintivo de S. João de Jerusalém em vários locais de França, nomeadamente em Toulouse, Paris, Nantes, Toulon, Marselha, Avignon e Lyon.
“Os Eleitos Perfeitos” já possuíam nessa altura um verdadeiro rito constituído por 10 graus e iniciaram a criação de várias lojas, em diferentes locais, designadas “ Perfeitas Lojas da Escócia”, nomeadamente em Paris, Toulouse, Marselha e na ilha de S. Domingos.
Existem múltiplos factos que demonstram que eles conheciam antes de 1750 os graus e respectivos rituais do Cavaleiro do Oriente, do Cavaleiro do Sol e do Cavaleiro Rosa-Cruz. Os últimos documentos oriundos dos “ Eleitos Perfeitos “ datam de 1760.
Não se conhecem dados rigorosos e concretos que permitam avaliar quais as razões que levaram ao desaparecimento desta importante loja. No entanto, vários testemunhos da correspondência trocada entre membros da loja apontam para aspectos de absentismo e de uma enorme restrição das admissões, que lhe foram fatais.
Existem dados documentais que nos permitem verificar as qualidades profanas da maior parte dos membros dessa loja. São, no essencial, negociantes e ainda que a sua ligação religiosa não seja nunca mencionada é possível reconhecer a presença de alguns protestantes como Goudal, Draveman ou La Neufville de Frémicourt.
À excepção de Peres, não se identificam membros da comunidade judia de Bordéus. As Perfeitas Lojas da Escócia, ao contrário de muitas outras lojas, não praticavam qualquer discriminação religiosa com os judeus.
De acordo com a evolução histórica verificada, podemos dizer que os herdeiros directos dos Eleitos Perfeitos são hoje os Supremos Conselhos do Rito Escocês Antigo e Aceito. Eles não foram os inventores de graus como Mestre Eleito dos Nove ou Mestre Perfeito ou do Intendente dos Edifícios. É possível encontrar os primeiros esboços destes graus noutros Orientes, mas pertenceram-lhes a ordenação harmoniosa e coerente, bem como a estruturação dos rituais em grande parte baseados no texto hebreu da Bíblia, onde foram buscar a inspiração esotérica.
O autor Pierre Chevalier, num livro publicado em 1975 (A história da Franco-Maçonaria francesa) fala de um Grande Oriente de Bouillon e de grandes lojas que terão existido cerca de 1750 em Rouen, Lyon e Paris, dispondo já de um sistema de Altos Graus.
Os Escoceses Trinitários são um bom exemplo de graus de origem quase exclusivamente parisiense. Em 1765, um grupo de maçons dirigidos por Pirlet organizou um terceiro sistema de graus de que faziam parte o Mestre Inglês, o Grande Escocês, o Grande Arquitecto, o Mestre Inglês Trinitário e o Escocês Trinitário. O organismo regulador destes sistemas de graus era o Globo da Santa Trindade.
Nas suas Constituições são identificados nomes destacados como Bacquet, Couteux, Mery d’Arcy, Leroy e Jean-Pierre Moet. Em 1758 foi fundado em Paris um Capítulo designado dos Imperadores do Oriente e do Ocidente e os seus membros intitulavam-se “ Soberanos Príncipes Maçons, Substitutos Gerais da Arte Real, Grandes Vigilantes e Oficiais da Grande e Soberana Loja de S. João de Jerusalém” atribuindo aos Imperadores a titularidade retomada da Patente de Morin pelos membros do Grande Conselho dos Graus Eminentes de Chaillon de Jonville.
No período que se segue a 1763, o facto dos Imperadores serem recrutados na aristocracia determina, segundo o autor Pierre Chevalier, a criação do Conselho Soberano dos Cavaleiros do Oriente formado sobretudo por burgueses. O Conselho dos Imperadores funde-se, cerca de 1772, com o Grande Oriente. Em 25 de Setembro de 1763, foi eleito para dirigir o Conselho Soberano dos Cavaleiros do Oriente, Jean Pierre Moet, tornando-se o primeiro “Soberano”. O trabalho e a personalidade de Moet fazem dele um dos candidatos perfeitos a “Jardineiro da Rosa”, tendo publicado diversas obras entre 1742 e 1769 de grande inspiração filosófica e moral, colocando aí os seus profundos conhecimentos esotéricos.
Durante cerca de 20 anos, Moet foi o mais fiel tenente de Chaillon de Jonville, sendo nessa altura que foi efectuada a “Síntese Escocesa” conhecida hoje pelo nome de Antigo Mestrado Parisiense.
Por evidentes razões históricas é possível verificar que o sucessor legítimo do Grande Conselho dos Graus Eminentes de Chaillon de Jonville é o Conselho Soberano dos Cavaleiros do Oriente de 1763. É, pois, entre os membros deste conselho que se situam os nossos Jardineiros da Rosa e entre os quais há que sublinhar como os mais prováveis Le Lorrain, Moet, Pingré e Puisieux.
Os Jardineiros da Rosa foram homens em busca de um ideal, procurando encontrar na Maçonaria qualquer coisa que nem o catolicismo oficial da Igreja nem a “filosofia das Luzes” lhes podiam dar. Possuíam uma vasta cultura clássica, conheciam bem a Bíblia e o hebreu, havendo entre eles quem tivesse grandes conhecimentos da literatura esotérica e soubesse praticar a “disciplina do arcano”, bem como algumas formas de misticismo.
Os Jardineiros da Rosa foram os maçons que entre 1740 e 1760, na França, conceberam e elaboraram os Graus Escoceses, sendo claro que não constituíam um grupo único e homogéneo.
No século XIX, as gerações seguintes introduziram múltiplas modificações nos rituais procurando retirar-lhe diversos aspectos considerados de maior pendor místico e até esotérico.
Uma das mensagens fundamentais que os Jardineiros da Rosa nos transmitiram é que a verdadeira tolerância não é praticada no silêncio mas no respeito pelo outro, como bem atesta a forma de integrarem maçons de várias tendências religiosas. Na essência, o projecto destes obreiros permanece válido e transporta em si a esperança que se chama Iniciação.
Estão na origem do Rito Escocês Antigo e Aceito e foram eles que introduziram na Maçonaria as tradições esotéricas, de que a alquimia e o hermetismo são dois exemplos. Lembrar o seu trabalho heróico é também uma forma de mantermos a nossa identidade como maçons e como homens de tolerância na procura permanente da elevação fraterna e humanista.
Fonte: JBNews - Informativo nº 220 - 05.04.2011
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