É recorrente a pergunta de quem
está de fora da Maçonaria: o que fazem os maçons quando se reúnem? É também
percetível algum ceticismo quando respondemos que talvez a parte mais
importante do nosso labor é apresentar ou ver apresentar e discutir trabalhos
sobre diversos temas, sem nenhum objetivo específico, a não ser a ilustração, a
aprendizagem, a melhoria de cada um de nós e de todos.
Não há nada melhor do que o
exemplo. Há algumas semanas, um Irmão contactou-me pedindo-me algumas ideias
que o ajudassem a elaborar um trabalho que ele preparava para apresentar em
sessão de Altos Graus. O tema era o que constitui o título deste texto, já que
o grau em que se destina a apresentação da prancha trabalha e investiga com
particular interesse a noção de Justiça.
Decidi que a melhor maneira
de contribuir com algumas ideias seria
eu elaborar algo que tivesse o nível de uma prancha apta a ser lida em Loja no
grau de Aprendiz, pois isso certamente lhe abriria pistas e horizontes para ele
desenvolver no seu mais exigente plano de trabalhos.
E decidi também que era uma boa
oportunidade de mostrar um exemplo de um trabalho apto para ser apresentado em
Loja, designadamente no grau de aprendizagem. Fica assim exemplificado que tipo
de temas, fora do simbolismo, pode ser apresentado e trabalhado e discutido em
Loja.
Justiça: realidade ou Utopia?
A primeira dificuldade é definir
Justiça. Justiça não resulta do mero cumprimento da Lei. É algo anterior à Lei,
que a Lei procura atingir. Justiça é composição de interesses segundo os
méritos de cada um. Mas também atendendo às necessidades de cada um, em certa
medida. Justiça é a concretização da Ética, a conciliação de interesses
divergentes, a paga do erro e o prémio do mérito.
Justiça é um ideal - e, sendo-o,
é necessariamente uma utopia.
Justiça é um valor bem real, que
deve nortear os homens e as instituições - e, assim sendo, não pode deixar de
ser uma realidade.
Como é então possível que a
Justiça seja, ao mesmo tempo, realidade e utopia? Pela mesma razão que a
Felicidade é utopia, mas ser feliz é uma possibilidade bem real.
Há que distinguir entre o
arquétipo de Justiça - que pertence necessariamente ao domínio da Utopia, como
todos os arquétipos - e a concretizável e concretizada Justiça humana e das
instituições aplicada dia a dia, o melhor possível.
Os maçons devem sentir-se bem com esta
dualidade. Afinal de contas, perseguem, dia a dia, um objetivo por definição
impossível, a Perfeição. O que não os impede de procurarem, dia a dia,
aproximar-se um pouco mais dessa impossibilidade. Portanto, os maçons sabem, ou
devem saber, muito bem como distinguir e compatibilizar a Utopia e a
Realidade...
A Justiça ideal é, por definição,
perfeita. E, portanto necessariamente, do domínio da Utopia.
Mas a Justiça aplicada, aquela
que laboriosamente as Sociedades procuram garantir e os homens obter, essa é
bem real, essa é a que, em cada momento, é possível obter, se consegue fazer.
Essa é a Justiça real.
É obviamente errado deixar de
prosseguir a realização da Justiça, no dia a dia, mesmo sabendo-se que essa
prossecução ou realização não poderá deixar de ser imperfeita, só porque se tem
a noção de que a Justiça ideal é inatingível em pleno, é necessariamente
utópica. Fazê-lo seria condenarmo-nos a deixar medrar a injustiça, a violência,
o arbítrio. A Justiça real é sempre e
inapelavelmente um menos em relação à Justiça ideal, utópica. Mas esse menos é
o que temos, o que conseguimos construir e que é indispensável que possamos
desfrutar - sob pena de sofrermos a anarquia do arbitrário.
Quanto mais desanimarmos de
prosseguir a busca da Justiça, só porque verificamos que nunca é realmente
possível atingir a utopia do arquétipo da Justiça, menos Justiça na realidade
temos e construímos e desfrutamos. Quanto mais perseverarmos no esforço de ser
mais justos, de fazer vingar a Justiça que nos for possível obter e acarinhar e
fazer medrar, mais perto estamos do ideal. E melhor estaremos, quer como
Sociedade, quer individualmente.
Porque a Justiça é condição de
Ordem. É indispensável ao Progresso. É imanente à fruição da vida em Sociedade.
Em tudo está a Justiça. Em tudo ela pode faltar. A nossa tarefa é que, onde ela
falte, passe a haver; onde haja, buscar melhorá-la. Todos os dias. Dia a dia.
Todos nós. Cada um de nós.
Justiça: realidade ou utopia?
A pergunta está mal feita!
Porque a resposta é - Justiça:
Realidade E Utopia!
Rui Bandeira
Fonte: a-partir-pedra.blogspot.com.br
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