No mundo anglo-saxão: Uma
Maçonaria entre o declínio e a renovação
por Michel Jaccard
Tradução José Filardo
Os britânicos que colocaram os
pés na Austrália e Nova Zelândia nos momentos fortes da colonização ali
implantaram o conteúdo social e cultural do país de sua Graciosa Majestade.
Eles fundaram as primeiras lojas desde o início do século XIX. Essas oficinas
estavam primeiro ligadas às Grandes Lojas Provinciais ou Distritais das três
Grandes Lojas Britânicas. Mas a partir do final do século XIX, começaram a
criar uma Grande Loja cobrindo o território nacional. Hoje ainda da maçonaria
“lá de baixo ” ainda é muito marcada pelo espírito da Grande Loja Unida da
Inglaterra. Refere-se a uma instituição com costumes muito diferentes da
maçonaria dita “continental” e que deve enfrentar uma série de desafios para
garantir o seu futuro.
Potências muito presentes
As potências dispõem de uma
estrutura administrativa consistente e extensos poderes. O número de Grandes
Oficiais é alto, contando, por exemplo, mais de 150 no seio de uma das Grandes
Lojas Australianas. Tal estrutura pode parecer desproporcional, se olharmos os
efetivos atuais mais reduzidos que pelo passado. Pode-se subir gradualmente na
hierarquia da Grande Loja e os membros do Grande colégio dispõem de uma
experiência de gerenciamento consistente. A desvantagem, de acordo com certas
línguas afiadas, é a existência de uma um grupo privilegiado, uma
“nomenklatura” pouco disposta a introduzir mudanças ou reformas. Esta maçonaria
tem o senso de decoro: a visita do Grão-Mestre, ladeado por mais de uma dúzia
de Grandes oficiais, de um porta-espada, um porta-estandarte e um trompetista
pode impressionar… As Grandes lojas têm impressionantes edifícios em estilo
neoclássico localizados principalmente na capital, compreendendo templos
grandes e pequenos, salas de reuniões e de banquetes, escritórios
administrativos, bibliotecas (geralmente pouco frequentadas) e museus, cujos
custos operacionais tornaram-se proibitivos. Sinal dos tempos, essas
instalações são agora disponibilizadas para cursos universitários, seminários
ou congressos não-maçônicos.
O rito: uma variante do Emulação
com uma conotação religiosa
As Grandes Lojas editam e impõem
os rituais; as lojas os devem aplicar à risca. O ritual é uma forma do
Emulação, muito semelhante de uma Grande Loja para outra. As sessões têm um
desenrolar puro, o foco está na memorização das cerimônias, mesmo que esse
objetivo esteja longe de ser, sempre, alcançado. O maçom neste sistema não é,
portanto, apreciado em termos de sua reflexão ou de sua conduta moral, mas sua
capacidade de decorar as falas. Esta memorização de textos codificados em
estilo vitoriano pode não ter relevância em nossa sociedade pós-moderna.
Todos os irmãos gostam de
recordar que a Maçonaria não é uma religião, é verdade, os graus da maçonaria
azul são muito aberto aos não-cristãos. No entanto, um maçom do continente
europeu não deixaria de notar que não há Orador, mas um capelão recita uma
oração no início e no final da cerimônia; além disso, a abertura da sessão da
loja é acompanhada pela leitura de um versículo da Bíblia. Em algumas Grandes
Lojas, se o Grande Capelão não é um padre anglicano ou um pastor, ele tem outro
nome. Durante as sessões, cantam-se hinos acompanhados, não de um piano, mas
sempre de um órgão, que evoca imediatamente um culto religioso. A marca cristã
aparece, assim, muito presente.
O Maçom coloca a sua confiança em
Deus, que é frequentemente evocado na cerimônia, particularmente durante o
juramento, durante o qual o candidato deve beijar três vezes o Livro da Lei
Sagrado. Este aqui não é apenas um símbolo; o beijo ilustra a plena adesão à
religião revelada do futuro iniciado. O novo Mestre recebe depois de sua
cerimônia de elevação uma cópia pessoal da lei sagrada de sua religião. Essa
maçonaria é, portanto, dirigida aos fiéis mais ou menos convencidos de uma das
religiões reveladas. Pode parecer preso aosm costumes e tradições de uma época
em que as pessoas tinham que mostrar o seu apego à religião. É verdade que
quando se tem um patrocínio vindo do círculo direto da Coroa, é melhor não
expressar convicções que violariam o “politicamente correto”.
Esta atenção respeitosa não
oferece qualquer proteção à ordem, e encontramos os mesmos preconceitos que nos
países de tradição católica. Quanto ao clero, Anglicano e Presbiteriano, a sua
posição é muito dependente do julgamento que tenha o seu chefe. Ele pode
variar, dependendo da personagem, de uma certa simpatia à rejeição pura e
simples, alguns deles proibiram maçons para ocupar cargos dentro de suas
igrejas.
Vários tipos de loja e
funcionamento por vezes monótono
Como nos EUA, a redução do número
de membros causou a venda de templos do centro da cidade, muito grandes e muito
caros, substituídos por outros, na periferia, dispondo de estabelecimentos
comerciais.
Há muitos tipos de loja,
incluindo lojas de instrução que ensinam como realizar as cerimônias e não
fazem nenhuma iniciação; que agrupam irmãos que têm a mesma profissão e lojas
diurnas para os Idosos que se reúnem durante o dia. As oficinas se reúnem 10 vezes
por ano ou menos; muitos irmãos gastam várias horas de carro para participar
delas. As reuniões incluem apenas cerimônias e nenhuma conferência, a sala
úmida sendo reservada para banquetes. Quando não é possível, for falta de
candidatos, realizar uma iniciação, a cerimônia é repetida na presença de todos
os irmãos, sem iniciandos. A atividade das lojas é, então, bastante monótona.
As sessões terminam com um ágape na sala úmida, muitas vezes frugal e os irmãos
se vão rapidamente.
Uma progressão Maçônica pouco
exigente
A admissão de candidatos é menos
rigorosa do que no continente europeu. O tempo de mudar do status de profano
para o de mestre é da ordem de 10 a 12 meses. Muitas lojas encurtam esse
período; não menos que 10% exaltariam o candidato ao grau de mestre depois de
quatro meses após a sua iniciação no primeiro grau. Esta última prática também
é adotada … na Grã-Bretanha.
O novo irmão não recebe qualquer
instrução além da explicação do painel da loja. É solicitado ao candidato que
aspira ao grau superior apenas responder a três a quatro perguntas cujas
respostas se encontram em um livreto. Nenhuma prancha é apresentada para o
aumento de salário. Dispondo de um pequeno conhecimento maçônico, embora o
ritual de companheiro preconize o estudo, o irmão ocupa, uma vez mestre, os
diferentes cargos de oficial e acessa o veneralato, em princípio, de 5 a 6 anos
após ter sido exaltado Mestre. Certamente, maçonaria faz o melhor o Homem. Mas
o que estamos falando aqui? As respostas são muito diferentes: para alguns, a
Maçonaria ensina boas maneiras, para outros ela permite uma boa introdução à
gestão de empresas e grupos ou ainda, ela ensina os irmãos a falar em público
ou melhorar a sua memória.
As lojas de pesquisa à procura de
mais visibilidade
As lojas de pesquise, por suas
aspirações, destacam-se neste universo focado em decoro. A primeira Loja de
pesquisa foi fundada em Christchurch, Nova Zelândia, no final do século XIX,
segundo o modelo da Quatuor Coronati em Londres. Existem hoje 11 lojas de
pesquisa na Nova Zelândia e 7 na Austrália. A sua atividade depende, como é o
caso em outros locais, da produtividade de alguns irmãos. Se eles vêm a faltar,
toda a atividade pára. As lojas de pesquisa podem se envolver na instrução dos
irmãos, mas os pesquisadores, por seu espírito crítico e muitas vezes
sarcástico, perturbam a hierarquia que por desconfiança, as mantém longe de
certas iniciativas.
Incluamos a loja de pesquisa do
estado de Victoria, que além de artigos do mais alto nível, organiza
conferências. Ela também oferece programa de treinamento opcional e forma a
pesquisa maçônica por meio de um curriculum ad hoc que integra um projeto
dirigido e que resulta em uma publicação. Ambos os cursos ainda são pouco
seguidos e não têm a atenção que merecem da parte da Grande Loja.
A queda do ingresso de novos
membros e o envelhecimento
O desafio para todas as Grandes
Lojas é uma redução de cerca de 85% no número de membros desde os anos 60,
embora ainda hoje os efetivos de maçons ainda representem uma parte da população
bem superior à maioria dos países do continente Europeia. Essa erosão lenta
continua ano após ano; as mesmas causas produzem os mesmos efeitos nos Estados
Unidos, Grã-Bretanha e Canadá. Ela é acompanhada por um envelhecimento
preocupante dos membros, cuja idade média é de mais de 71 anos. Essa queda é
explicada por uma falha de recrutamento e demissões que ocorrem após atingir o
grau de mestre. Entre as prováveis causas, o irmãos evocam a diminuição da
disponibilidade dos membros ocupados com seus trabalhos e famílias, a falta de
interesse por atividades comunitárias, e o individualismo crescente de nossa
sociedade. Os idosos, apegados à memorização, veem ainda, o resultado de má
comunicação. O número de maçons mais jovens e os membros de lojas da pesquisa
apontam para a monotonia das cerimônias, a falta de interesse pelo simbolismo,
a falta de pesquisa pessoal e de esforço intelectual.
Uma resposta centrada na
filantropia e comunicação
Diante de tal constatação, as
Grandes Lojas reagiram. Elas aumentaram as suas atividades de beneficência para
aumentar a visibilidade da ordem. Se há de fato um ponto onde os maçons da
região da Austrália se distinguem de seus homólogos europeus é na prática
dessas iniciativas voltadas para a beneficência, geridas mais frequentemente
por fundações maçônicos que acumularam ao longo do tempo dezenas de milhões de
dólares. Retiros para idosos, cátedras universitárias, bolsas de estudo para
estudantes são financiadas por tais fundações. O outro aspecto dessa reação é o
desenvolvimento da comunicação institucional, com apoio profissional, incluindo
as novas mídias e redes sociais, ainda pouco utilizados no continente: quantos
vídeos inteligentes são feitos por nossas Grandes Lojas, em comparação àqueles,
numerosos, que “surfam” sobre a teoria da conspiração maçônica?
Estas medidas são suficientes
para inverter a tendência de baixa no número de candidatos? As opiniões estão
divididas. Os membros veteranos e os executivos das Grandes Lojas estão
convencidos de sua eficácia. Os membros das lojas de pesquisa e muitos Irmãos
jovens têm uma opinião mais reservada: na sua opinião, deve haver, antes de
mais nada, o fortalecimento do trabalho simbólico e pedir aos membros
contribuições intelectuais e morais além da memorização de rituais. Mas,
modificar o funcionamento das oficinas supõe uma grande mudança política que as
Grandes Lojas não pretendem fazer. No entanto, a implementação de duas
oficinas-piloto operando segundo o modelo continental (no Rito Escocês Antigo e
Aceito) está em andamento em pelo menos duas Grandes Lojas australianas,
Perspectivas
Originalmente, a Grande Loja de
Londres de Desaguliers procurava desenvolver as virtudes morais enfatizaando a
filantropia e virtudes intelectuais por meio de conferências principalmente
sobre ciência e tecnologia. Parece que a maçonaria Anglo-Saxã reteve apenas o
primeiro e a maçonaria continental a segunda parte desse legado.
A Maçonaria da região
australiana, bem como a Maçonaria Anglo-Saxã conseguirão interromper seu
declínio? Esperar para ver … Essa viagem me sugere que a FM deve tratar a
comunicação, utilizando a experiência de profissionais, mas também para
aumentar a compreensão do público e de candidatos potenciais de seus valores,
sua utilidade e combater sua reputação de sociedade secreta. Ela deve continuar
a sua abertura em direção à Maçonaria mista porque as questões de “gênero” se
tornarão inevitáveis. Ela também deve ser mais ativa no campo da filantropia, o
que lhe daria mais visibilidade, melhorarando o seu orgulho e seu propósito.
Ela deve manter-se uma sociedade
de pensamento, na qual não só a prática das virtudes morais, mas também as
virtudes intelectuais estejam em primeiro plano. Seus valores próprios são a
aplicação do pensamento simbólico e mítico, combinados com a análise e a razão,
todos eles filhos do Iluminismo.
Quadros:
Numerosos graus superiores
Os maçons ativos geralmente fazem
parte de vários sistemas de altos graus, numerosos e difundidos. Os mais comuns
são a Marca, o grau de Excelente Mestre e o Real Arco. Mas há também os
Cripticos, graus de Cavaleiros Templários, graus de padres Cavaleiros
Templários, os Rosacruzes do REAA (que, salvo exceção, aceitam apenas MM que
professam a religião cristã), o Monitor Secreto e … a muitorecente Ordem de
Athelstan. Os irmãos estudiosos que aderem a organizações Rosacruzes e
Martinistas, como a paramaçônica muito cristã, Societas Rosicruciana em Anglia,
que promove a apresentação de trabalhos espiritualistas.
O ciclo de palestras
O Grupo de Pesquisa da Grande
Loja Suíça Alpina (GRA www.masonica-gra.ch
) está em contato com a Associação das Lojas de pesquisa da Austrália e
Nova Zelândia. Esta associação, a ANZMRC (Australia and New Zealand Masonic
Research Council, http://www.anzmrc.org/
), além de uma revista eletrônica de qualidade, a Harashim e simpósios
anuais, convida um conferencista a cada dois anos por três meses. O GRA em 2012
recebeu o convite para participar dela para 2015. Foi um dos seus
ex-presidentes e editor Michel Jaccard, quem escreveu 16 palestras em Inglês, publicadas
em Continental Freemasonry: Desenvolvimentos de Filosofia e impacto mundial, um
livro de 330 páginas publicado pela ANZMRC (2015). A jornada aconteceu de
agosto a novembro de 2015. Além da Nova Zelândia e Austrália, conferências
foram realizadas na África do Sul, Singapura e Hong Kong. Através desse
intercâmbio, os irmãos “lá de baixo” puderam se familiarizar com a maçonaria
continental europeia.
Publicado 17 de maio de 2016 em
REVISTA FRANC-MAÇONNERIE
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