Jorge Serrão*
Sem o correto conhecimento, com arraigado preconceito ou com profissional canalhice, muita gente se arvora e se arrisca a polemizar sobre o tema “Maçonaria”. O assunto gera apaixonadas e irracionais controvérsias. O principal problema é a equivocada abordagem da análise. O objeto-alvo nem sempre fica claro. A qual “Maçonaria” se refere o analista? É fácil ser contra, a favor ou pretensamente neutro, sem chegar a uma conclusão correta, minimamente racional e científica.
Comete-se o perigoso erro comum confundir “Maçonaria”, suas diversas doutrinas e seus supostos “segredos” com a atuação, objetivos e interesses das diferentes “Potências Maçônicas” que a representam administrativamente pelo mundo afora. Outra falha imperdoável é desconsiderar ou ignorar, propositalmente, os contextos históricos nos quais a “Maçonaria” se envolveu. Confunde-se um passado lendário e o presente incerto criticável com um futuro irrealizável. A resultante é muita bobagem, erro, preconceito e inverdade. Prevalece o “achismo”.
A “tese” Maçonaria Primitiva afirma que a Ordem é fruto do conhecimento herdado do passado mais remoto da humanidade. A origem iniciática viria do ocultismo, da magia e das crendices primitivas. Esta mesma linha aceita que houve influências dos movimentos religiosos dos egípcios e dos caldeus. Tal corrente reúne ateus e agnósticos que dispensam a crença em “um Deus” para a configuração fundamental da “Maçonaria”.
Também virou moda proclamar que a “Maçonaria” é a mesma que se origina em 49 Depois de Cristo. Fundada pelo rei Herodes Agrippa. Tal “ordem”, chamada de “Força Misteriosa”, tinha o exclusivo intuito de perseguir e matar todos os apóstolos e discípulos de Jesus Cristo, classificado como “impostor”. Esta é a “tese” de Samuel Lawrence no livro “Dissipando as Trevas – História da Origem da Maçonaria”. Assim, a “Maçonaria” seria uma originária inimiga do Cristianismo e de tudo e todos que se originou a partir dele.
Outros historiadores pregam o contrário. Até apontam Jesus como o mais justo e perfeito dos Maçons. Partem do princípio de que a Ordem teve como berço o Templo do Rei Salomão. Assim, teria sido tal “Maçonaria” que criou as bases para a evolução do Cristianismo. A mesma linha exalta o papel dos Cavaleiros Templários na edificação de e igrejas e catedrais católicas para a expansão e propagação da fé cristã. Deste modo, a “Maçonaria” seria a defensora originária do Cristianismo, só que surgida a partir da influência católica na Idade Média. É a chamada Maçonaria Operativa, gerada, principalmente, a partir das guildas de pedreiros, fundamentais na Era Feudal.
Embora admita a tese da Maçonaria Operativa, uma nova corrente prefere considerar a prevalência da Maçonaria Especulativa, a partir de 24 de junho de 1717, com a fundação da Grande Loja da Inglaterra. Ocorreu, a partir de então, a consolidação da união de diversas ordens de artífices e pedreiros, depois do grande incêndio que devastou Londres, em setembro de 1666. Claro, tudo coincidiu com o fortalecimento da burguesia e seus valores que se opunham aos medievais.
A Maçonaria Especulativa (simbólica e filosófica) trabalha com a noção de “construção do edifício social ideal”. Esta corrente combinou o protestantismo inglês com o iluminismo. Consolidou-se o conceito de Grande Arquiteto do Universo, o Ente Superior, planejador e criador de tudo que existe. Trata-se de um “Deus” válido para todas as religiões. Assim, pessoas de diferentes crenças poderiam se reunir, sem conflitos, em uma mesma Loja Maçônica.
Tamanha “salada” serviu de base para a consolidação do Império Britânico, mas também gerou as pré-condições para a revolução francesa, a revolução americana, a independência do Brasil, as unificações européias e tudo que aconteceu depois disso. Apontando variadas tendências, coincidentes ou conflitantes, o breve e resumidíssimo relato histórico demonstra a complexidade e o cuidado necessário para se tratar, corretamente, do tema “Maçonaria”.
Voltemos à pergunta originária: De qual “Maçonaria” estamos falando? O passado ajuda na análise histórica, se as informações forem verdadeiras e a abordagem correta. Fundamental é viver o momento presente, com uma análise realista que gere perspectivas futuras. Diletantismo inútil serve para nada... Além disso, a Maçonaria ainda tem capacidade real para exercer um papel benéfico para o equilíbrio da humanidade. Basta que não sejam corrompidos os seus valores fundamentais. Este é o grande desafio...
A Maçonaria Britânica se mantém aristocrática e poderosa. Outrora, teve decisiva influência global. Com mais de 300 anos de existência, a Grande Loja Unida da Inglaterra é uma expressão da elite dirigente inglesa. Enfrenta problemas de renovação dentro da tradição. Sofre envelhecimento e desinteresse dos jovens. Pode até encolher de tamanho em número de maçons, porém não irá se “proletarizar” ou popularizar. É uma Maçonaria Imperial, mais centralizadora.
A Maçonaria norte-americana tem a glória de ter fundado a própria Nação. Tanto que eram maçons 53 dos 56 signatários da Declaração de Independência dos EUA, em 4 de julho de 1776, depois de 13 anos de debates e conflitos. Não é à toa que se conserva o foco fortemente local e comunitário. É Republicana e Federalista. Foca em beneficência e nos valores cristãos. Reúne Lojas com milhares de membros e consistente poder econômico, fazendo jus ao termo “elite” (o melhor entre os melhores da sociedade). As Potências Maçônicas dos EUA pouco ou nada interferem na gestão das Lojas. As 51 Grandes Lojas estaduais dos EUA apenas congregam administrativamente as oficinas dos Condados.
Historicamente, a Maçonaria Brasileira sempre aceitou ser um satélite ideológico da inglesa. Nasceu oligárquica, aristocrática, “estadodependente”. Tornou D. Pedro I Grão-Mestre. Foi decisiva no processo de Independência. Fundamental na Abolição da Escravatura. Abraçou o Positivismo e os ritos maçônicos agnósticos, não cristãos. Brigou com a Igreja Católica. Abandonou o Imperador. Promoveu a Proclamação da República. Seus membros lideraram os primeiros governos, durante a chamada “República Velha (1889 até 1930).
A Maçonaria brasileira ostentou poder efetivo até 1927, quando ocorreu a primeira grande divisão. Na Era Getúlio Vargas, sobretudo durante o Estado Novo (1937-1946), sofreu relativa perseguição do regime. Perdeu influência e poder. Nunca mais se recuperou e rachou, novamente, em 1973. Em 2018, encarou mais uma cisma. Por falta clareza de projeto estratégico, atua como uma associação qualquer, com Lojas que raramente conseguem ter mais de 100 membros, na faixa etária média de 60 anos de idade e com poder econômico em decadência.
Há muito tempo (décadas), a Maçonaria Brasileira não tem um perfil definido, nem clareza de propósitos estratégicos. Opera para dentro dela mesma. Corre atrás do próprio rabo, com projeção social aquém do ideal pregado pela doutrina maçônica originária. Suas regras constitucionais imitam o que seria um Presidencialismo Republicano, com divisões de poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
No entanto, as Potências brasileiras (Grande Oriente do Brasil, Grandes Lojas estaduais e Grandes Orientes Independentes) mantêm-se oligárquicas na governança. Estruturalmente, seus dirigentes (Grão-Mestres) atuam mais como “ditadores-imperadores” que como Presidentes. Exceções são raríssimas... As Lojas têm papel periférico. Legislam de “mentirinha” nas Potências. Na verdade, apenas legitimam ordens do executivo. Os ditos “tribunais maçônicos”, que nem deveriam existir, se subordinam, demais, aos Grão-Mestres. Eis o fator básico das “tretas” e rachas.
Tudo é agravado pela falta de transparência, estratégia, intolerância e empobrecimento – causas de evasão dos membros das Lojas Maçônicas. No Brasil, da combinação entre fanatismo e canalhice, surge uma infinidade de Potências maçônicas consideradas irregulares, espúrias e não reconhecidas (para divisão territorial) entre as Potências tradicionais que tem tratados com a Grande Loja Unida da Inglaterra e as Grandes Lojas dos EUA.
Nem vamos entrar no (de)mérito das “Mafionarias” (verdadeiras organizações criminosas que agem, impunemente, dentro e a partir das potências e lojas maçônicas)... Tais grupos e indivíduos inescrupulosos denigrem a imagem da Ordem Maçônica perante a sociedade. Expostos os problemas estruturais e as questões de gestão maçônica (que parecem essenciais, porém são periféricas), devemos dar respostas à pergunta que motiva este artigo: De qual Maçonaria estamos falando?
Resposta conceitual: A Maçonaria é uma escola iniciática focada no ensino, aprimoramento e progresso do indivíduo, sob os pontos de vista moral, intelectual e espiritual. É Verdadeiro Maçom o indivíduo que consegue trabalhar coletivamente na sociedade, de forma humilde, harmônica, justa, legal e democrática, em busca da perfeição, da felicidade e da paz. Quem não se encaixa neste conceito pratica a corrupção da Maçonaria.
Por isso, tradicionalmente, a Maçonaria é definida como uma instituição essencialmente filosófica, filantrópica, educativa e progressista, principalmente quando cultua corretos valores conservadores. O Verdadeiro Maçom é reconhecido se cumprir sua Obrigação para com Deus, seus Irmãos de Ordem, sua Família, sua Loja, sua Pátria e a Humanidade.
Ao contrário do que alguns pregam, Maçonaria não tem “segredos”. As atitudes e valores fundamentais do Maçom Verdadeiro são: Amor, Fé, Esperança, Caridade, Vigilância, Transparência, Perseverança, Coragem, Honra, Tolerância, Serenidade, Humildade e Equilíbrio. Todas estas virtudes morais e sociais viabilizam a Sabedoria – entendida como o uso correto do , justo, perfeito e verdadeiro do conhecimento individual e socialmente acumulado ao longo da História.
Só assim o Verdadeiro Maçom é o exemplo que educa e frutifica para o Bem, na eterna luta contra o mal. Só o Bom e Verdadeiro Maçom tem poder e potencial para combater e vencer a ignorância, a superstição, o fanatismo, o orgulho, a intemperança, o vício, a discórdia, a dominação, os privilégios, os preconceitos e os erros. Em resumo: as Virtudes Teologais têm de superar os Pecados Capitais, tornando o indivíduo realmente livre e de bons costumes.
Isto é Maçonaria. Não é Maçonaria tudo aquilo que os inimigos (por burrice ou canalhice) falam da Maçonaria. As reflexões são frutos de minha vivência e experiência, acertos, erros, desafios e enfrentamentos em 22 anos de bem-sucedida prática na Maçonaria – que não tem “segredos”.
Evidentemente, existem corruptos infiltrados que usam e abusam da Ordem Maçônica, das Potências e Lojas, focados, apenas, em praticar o mal, em busca do poder ou da locupletação.
Azar dos idiotas, dos canalhas e dos satanistas (desculpem da redundância)... Mesmo desejo aos membros das “mafionarias”...
Graças a Deus, existem Verdadeiros Maçons para praticar o Bem, combatê-los e neutralizá-los. O resto, sobre Maçonaria, é conversa fiada...
Jorge Serrão é Maçom. Foi iniciado em 1º de Agosto de 1997, na ARLS Rei Salomão 1577, do Grande Oriente do Brasil, no Oriente Rio de Janeiro. Mestre Instalado, foi fundador e primeiro Venerável-Mestre da ARLS Brasil número 683, em 7 de setembro de 2008, da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo. Ocupa o cargo de Capelão, no Rito dos Antigos (versão do Rito de York praticado pela Grande Loja de Nova York). Membro do Capítulo Mestre Pythagoras 026 do Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil. Membro do Conselho Horus 026 do Supremo Grande Conselho de Maçons Cripticos do Brasil.
Fonte: https://www.alertatotal.net
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