CONJURADOS ENDIVIDADOS
José Castellani
Seria extremamente gratificante, para o pesquisador, se sempre pudesse afirmar que uma determinada rebelião contra poderes discricionários foi feita, exclusivamente, em nome de objetivos altruísticos e libertários. A História, todavia, vive de fatos e não de arroubos de autores tendenciosos. E o historiador deve ser inflexivelmente imparcial e honesto.
Em nome dessa imparcialidade e dessa honestidade, não se pode negar que o movimento conhecido como Inconfidência Mineira, ou Conjuração Mineira foi movido, também, por interesses pessoais de seus principais próceres, afogados em dívidas, as quais, se vitoriosa fosse a rebelião, não precisariam ser pagas. Dessa relação exclui-se, evidentemente, o precursor José Joaquim da Maia ("Vendek"), que, além de movido por interesses totalmente libertários, morreu em Lisboa, em 1788, sem ter podido retornar ao Brasil.
Todos os homens que se reuniram na casa do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, em dezembro de 1788, quando foi coordenada a estratégia ampla do movimento rebelde, ou seja: Álvares Maciel, o padre Rolim, o Tiradentes, Alvarenga Peixoto, o padre Carlos Correia e o anfitrião, tinham algum tipo de interesse pessoal em jogo.
O pai de Maciel, capitão-mór de Vila Rica, tornara-se grande devedor da Fazenda Real, pois tinha sido o caixa de contratos de entradas, arrematados, entre 1751 e 1761, por José Ferreira da Veiga, respondendo, pelas grandes dívidas atrasadas, com os seus bens móveis e imóveis. Com as ordens do ministro Martinho de Mello e Castro, referentes aos contratos arrematados e à sua cobrança, Maciel, que era completamente dependente do pai, corria o risco de perder todo o seu patrimônio.
Freire de Andrade, que era filho ilegítimo do segundo conde de Bobadela --- irmão deste, o primeiro conde (1685-1763) governou o país cerca de trinta anos --- era casado com Isabel de Oliveira Maciel, irmã de Álvares Maciel, e também seria afetado bastante, se o sogro perdesse os seus bens. Além disso, os Dragões, que ele comandava, foram acusados, por Martinho de Mello e Castro, de serem parcialmente responsáveis pelo estado calamitoso em que se encontrava a Fazenda, em Minas, graças às suas extorsões e assaltos armados.
Alvarenga Peixoto estava profundamente endividado e era bastante crítica a sua situação, em 1788, com o fracasso das onerosas instalações hidráulicas de suas lavras auríferas. Tomara empréstimos, que não poderia pagar nunca e acabara chegando a uma situação de desespero, quando se uniu aos conjurados.
O padre José da Silva de Oliveira Rolim, filho do principal tesoureiro de diamantes, era conhecido fraudador, envolvido no escândalo do contrabando de diamantes, que era feito com a conivência dos Dragões (comandados por Freire de Andrade) e, provavelmente, também com a da magistratura. Apesar de traficante de escravos e de diamantes, tinha grande prestígio no Distrito Diamantino, onde praticava a agiotagem. Tendo sido banido da Capitania, por suas atividades ilícitas, solicitou a revogação de sua expulsão e não foi atendido, o que o levou a se unir aos conspiradores, ainda mais porque se sentia lesado em suas "rendas".
O padre Carlos Correia de Toledo e Mello era um grande latifundiário, com muitos escravos trabalhando na lavoura e na mineração. Constava no relatório de Martinho de Mello e Castro como um dos típicos vigários de paróquia, os quais, sob o pretexto de direitos paroquiais, oprimiam e extorquiam o povo, com excessivas contribuições; e Correia sempre estava à procura de novas rendas.
Não estava endividado, mas as providências da Coroa eram lesivas aos seus não muito legítimos interesses financeiros.
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, representava um caso diferente do de seus companheiros, que eram todos abonados, embora, em sua maioria, ilegalmente. Não tinha posses e, embora possuísse uma cultura acima da média, tinha uma atividade profissional considerada secundária. Tendo perdido suas propriedades por dívidas e depois de tentar, sem sucesso, o comércio varejista, ingressou nos Dragões, como alferes, o posto mais baixo, em 1755, não tendo progredido em posto e nem em remuneração, até à época em que se uniu aos revoltosos. O fato de ter sido várias vezes preterido, nas promoções da carreira, fizeram com que ele se tornasse um revoltado, queixando-se sempre de que só eram promovidos os que tinham parentes influentes no meio político-financeiro. Na Sessão de Manuscritos da Biblioteca Nacional, constam vários recibos de pagamentos de soldo, firmados pelo Tiradentes, mostrando que ele ganhava 24$000 (vinte e quatro mil réis) mensais --- os recibos trimestrais eram de 72$000 --- enquanto um coronel, que era a mais alta graduação da tropa, recebia 80$000 mensais. Não se conhece o motivo pelo qual ele jamais passou do posto de alferes. Talvez tenha tido influência o fato dele ser mazombo, ou seja, filho de português, nascido no Brasil, com idéias de liberdade (o termo foi usado por autores tendenciosos, como Tenório d´Albuquerque, como se fosse sinônimo de maçom), quando o Conselho Ultramarino começava a recear a ascensão de mazombos ao comando da tropa regular. E Silva Xavier, que desejava conseguir o prestígio e a riqueza de que desfrutavam seus companheiros, já tentara se associar aos ricos contratantes-mercadores imigrantes, tendo relacionamento com muitos deles, como o notório Domingos de Abreu Vieira, e recebendo pagamentos de Rodrigues de Macedo e de Silvério dos Reis, a quem tinha como um amigo pessoal.
Esses eram os principais, os ativistas, por trás dos quais existiam homens respeitáveis, como o ex-ouvidor Tomás Antônio Gonzaga --- o verdadeiro chefe intelectual do movimento --- o poeta hipocondríaco Cláudio Manoel da Costa e o humanista e historiador, cônego Luís Vieira da Silva. A missão desses homens era a de elaborar as leis e organizar a constituição do Estado independente, tentando armar uma justificativa ideológica para a ruptura dos vínculos com a metrópole portuguesa. Não possuíam os mesmos interesses que animavam muitos dos ativistas; eles eram os ideólogos.
Já no terceiro escalão surgiam, novamente, os grandes interesses financeiros, da parte de homens que ficavam na sombra, pouco arriscando, no caso de um fracasso do movimento. Nesse grupo estavam os contratantes portugueses Domingos de Abreu Vieira, João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis, entre outros. Abreu Vieira era intimamente ligado a muitos conjurados, como o padre Rolim, o Tiradentes --- a quem protegia --- e Cláudio Manoel da Costa, que era seu advogado nas questões legais referentes aos contratos de dízimos. Macedo e Silvério eram grandes devedores da Fazenda Real: a dívida do primeiro era oito vezes superior ao seu ativo financeiro.
Esse era o grupo que maior influência exercia no levante, apesar de atuar, geralmente, apenas na retaguarda. Eram os magnatas aproveitando-se de uma situação, para alcançar os seus objetivos pessoais, sob a capa de um levante popular.
Pouco, portanto, havia de desprendimento e de objetivos altruísticos e libertários. Esta é uma verdade histórica.
Fontes de pesquisa:
Documentais:
- Autos da Devassa da inconfidência Mineira -- volumes I, II e IV -
- Edição do Ministério da Educação -- 1936-1938
- Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional
Bibliográficas:
- GRIECO, Donatello - História Sincera da Inconfidência Mineira - Rio de Janeiro - 1990
- MAXWELL, Kenneth - A Devassa da Devassa (do original inglês: Conflicts and Conspiracies: Brazil & Portugal 1750-1808) - Rio de Janeiro - 3a.edição - 1985
- TORRES, Luís Wanderley - Tiradentes, a áspera estrada para a
Liberdade - São Paulo - 2a. edição - 1977.
Do livro "A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não Houve" (em parceria com Frederico Guilherme Costa) - Edit. Gazeta Maçônica - S.Paulo - 1992
Benedito Bandeira da Silva Filho, M∴M∴ da ARLS Adolfo Bezerra de Meneses,100 GLOMEC, Or∴ de Fortaleza-CE
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