LIBERDADE
Vladimir Duarte Dias*
O livro aborda a liberdade sob dois prismas: seria a liberdade uma condição natural do homem? ou seria uma forma a ser elaborada, uma meta a ser conquistada?
A distância entre uma e outra hipótese encerra uma multiplicidade de situações.
A mitologia contém histórias dos deuses que infligiam castigos, ou concediam benefícios. Os castigos aparecem como represália a todos atos que ultrapassassem os limites das liberdades - os muitos desejos e vontades divinas estabelecidas. O mito de Hércules e os seus doze castigos, são condições impostas para ele poder voltar a ter liberdade. Essa história tem origem no crime dele ter tirado a vida de seus familiares num alegado estado de loucura.
Mas o fato mais marcante para a civilização ocidental está contido no mito judaico-cristão que está no primeiro livro da Bíblia, o Gênesis, onde e quando Adão e Eva, como símbolos da humanidade, desobedeceram a limitação imposta pelo Criador de que podiam viver "livres" no Paraíso, desde que não comessem dos frutos das duas árvores do centro do paraíso: da árvore do Bem e do Mal, e da árvore da Vida.
Mas Adão e Eva não resistiram a tentação das limitações impostas. Aparece, nesse caso, que o instinto de liberdade, das muitas lutas que a humanidade vai travar com a natureza, fora do "paraíso", desde a sua criação, uma delas seria contra as limitações das liberdades. Mas se Adão e Eva não tinham exemplos anteriores a seguir, nem instrutores que orientassem suas mentes, como no caso, a essência desse desejo de liberdade seria uma condição inata, própria do Ser.
No capítulo seguinte vem a história da fuga dos hebreus do cativeiro do Egito. A base da história está contida no livro de êxodo, o segundo da Bíblia. O mesmo desejo de liberdade aparece com outros contornos e de uma maneira mais nítida e fundamentalmente com base na razão.
Moisés apresenta ao faraó muitos argumentos. Como o faraó não cedia, surgem as forças da natureza atuando como que com vontade própria. Na crença religiosa é a vontade do Criador que se manifesta a favor da liberdade.
Para avançar mais no cerne dos dois pontos de vista de que a liberdade seria uma condição inata, ou seria uma forma crescente do desenvolvimento da mente humana, o texto avança sobre a área da ciência. Mais especificamente da física quântica, da astronomia e da fisiologia.
Nesse novo contexto são lembradas as mais recentes descobertas sobre as condições existentes além da fronteira de uma "singularidade". Isto é, aquela fronteira onde as leis da física deixam de serem válidas e que ainda não se sabe maiores detalhes. O que importa dizer é que dentro de um chamado buraco negro, uma singularidade, a temperatura e as forças gravitacionais são tão elevadas que nem os átomos tem possibilidade de se formarem. As partículas, nessas condições, são "livres".
Paradoxalmente esse estado de "amplas liberdades" das partículas aparece como o "caos", onde a Lei ( leis da física e de outras ciências ) pelo menos as conhecidas, não tem validade, nem produzem nenhum efeito.
Transportando esse tema para dentro do enfoque que se deseja, parece que esse "caos" se assemelha com o caos primigênico, que antecedeu a criação, conforme descrito no Gênesis da Bíblia. Nos primeiros capítulos consta que o caos é a situação anterior ao "cosmos", ( que é a ordem ) gerada a partir do "fiat lux" e de toda a criação, onde se inclui, no sexto dia e em ato solene, a criação do homem e sua companheira.
Mais uma vez aparece a Lei, a ordem, como uma condição necessária para o convívio das muitas forças da natureza e da vida como um todo.
Começa a se delinear que as vontades das muitas forças da natureza precisam de um ordenamento para que vivam em harmonia e em paz. Mas seria a Lei, no caso mais específico, a Lei feita pelos homens, o instrumento mais adequado? A resposta pode ser muito mais complexa do que possa aparecer à primeira vista.
As leis dos homens somente são sábias, verdadeiras e justas, quando proporcionam a paz e a harmonia. Estudos sociológicos indicam que muitas leis são iníquas, porque provém da vontade de determinados grupos que, chegando ao poder, legislam em causa própria, obrigando uma parcela significativa das populações as mais diversas situação de constrangimento, onde se incluem as contribuições pelos impostos criados que não beneficiam, não apresentam retorno equivalente do esforço e do custo social, a todos aqueles que, submetidos, são obrigados a sustentar uma máquina administrativa, burocrática ou bélica, em detrimento da liberdade de usarem de seus bens, frutos de seus trabalhos, como desejam.
Em outras palavras, um uso mais adequado dos recursos que uma falsa liberdade pode estar mascarada por aparentes princípios democráticos. Nesse enfoque do tema não convém ampliar e se falar dos regimes ditatoriais que são, por natureza, muito mais despóticos e limitadores das liberdades.
Até aqui se falou das liberdades intrínsecas à condição humana e aquelas decorrentes do convívio social, com a figura central das limitações que podem ser impostas às pessoas, inclusive através da Lei. Resta falar da liberdade de pensar, frente a todo o complexo sistema de informações e sua sofisticada tecnologia, que invade nossas casas e, de maneira especial, da força da "mídia" que tem por objetivo formar opinião e submeter as populações aos mais variados desejos e impulsos. Nessa campo se inserem as técnicas de persuasões de ordem política, religiosa e de consumo.
Parece que cabe a pergunta: quando alguém emite uma opinião sobre determinado político, ou dá seu voto nas eleições, ou tem seu desejo voltado à compra de determinado bem, suas idéias e conceitos estão baseadas em que razões, que fatos e argumentos fornecidos por quem? Da mesma forma a liberdade de pensar fica restrita, muito limitada, para aquelas pessoas que não conseguem fazer uma análise crítica do volume de informações colocadas à sua disposição. Esse aspecto das limitações de se obter a razão, a verdade, pode ser analisado sob qualquer atividade que esteja submetida ao processo de formação de opinião através dos meios mais sofisticados da publicidade.
O consumismo é uma espécie de escravidão aos produtos colocados à disposição do mercado, decorrente de um processo de geração de necessidades forçadas, criadas, muitas vezes com argumentos falaciosos de que é fruto do desenvolvimento e da geração de empregos.
A liberdade aparece nos mais variados campos da atividade humana, limitada e mascarada sob muitas facetas. Em muitos casos está acompanhada da sua contra-partida, que são as mais variadas formas de escravidão, determinadas pela dependência à determinadas condições estabelecidas. Nesse caso aflora, de imediato, aquele desejo natural da humanidade: quando criada uma forma de limitação, surge o desejo inato das pessoas de ampliarem suas liberdades.
* O Ir∴ Vladimir Dias é membro da Loja de Pesquisas Universum Nr. 147, de Porto Alegre - GLMRGS. É palestrante onde fala sobre temas maçônicos, interpretação de rituais e Filosofia. Também é membro da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul.
Fonte: JBNews - Informativo nº 139 - 13/01/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário