MAÇONS NEGROS: UMA AGENDA PERDIDA
(transcrito do Jornal O Globo de 15.06.2003, 1º caderno, pág.7)
Um dos capítulos mais memoráveis da história brasileira é a relação da maçonaria com a comunidade negra. A instituição dos pedreiros-livres teve (e tem) grandes quadros negros. Ela organizou a luta pela libertação do país em diversos momentos históricos – desde fins do século XVII, quando chegou ao Brasil – e se fortaleceu institucionalmente ao lutar por mais de 50 anos pela libertação dos escravos.
Este ano, a lei que libertou os escravos completa 115 anos de existência, após ser assinada pela Princesa Isabel sob a influência dos ministros maçônicos do Império já enfraquecido pelo ideário republicano. Para se ter uma idéia, o famoso trio abolicionista do século XIX – os mulatos André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama – era composto de Maçons em lojas cariocas e paulistas. Foram eles que fundamentaram a cultura da libertação dos negros através de artigos, manifestos, atos públicos, conquista de adeptos para a causa e com discursos inflamados país afora.
Com apoio maçônico, o trio afro-descendente ligou seus nomes definitivamente à causa da libertação negra. Essa luta contou com a participação, na época, de quase todas as Lojas Maçônicas espalhadas p-elo país.
Considerando um dos pioneiros da engenharia brasileira, Rebouças foi um dos maiores planfetários da causa negra na Escola de Engenharia do Largo de São Francisco, e criador de vários jornais abolicionistas.
No mesmo ritmo de Rebouças, o jornalista José do Patrocínio percorria o país conclamando os Irmãos Maçons a aderirem, à causa da libertação. Já o advogado Luiz Gama, escrevia poesias e discursos de forte impacto para fortalecer a causa da libertação dos escravos.
Tido como mulato, Rui Barbosa foi acusado de ter ordenado a queima de documentos referentes às origens dos escravos no Brasil, dificultando, com isso a recuperação da identidade afro-brasileira.
No entanto, Rui Barbosa, como Maçom da Loja América, de São Paulo, talvez tenha produzido um dos documentos mais percucientes do movimento abolicionista. Em 7 de julho de 1868 na Loja América, Rui Barbosa leu o seu Projeto de Abolição, cuja cópia foi reproduzida em suas obras completas. Esse projeto, entre outras medidas, previa que:
1. A Maçonaria, dali por diante, deveria lutar pela emancipação do escravo e criar meios para educa-lo para novas tarefas em nova sociedade, de fundo capitalista, onde o trabalhão era assalariado e não escravo;
2. Todas as Lojas Maçônicas atuais e futuras não receberiam tal título se não adotassem a luta pela emancipação dos escravos;
3. Todas as Lojas Maçônicas deveriam criar um fundo especial para comprar alforrias de crianças escravas e mesmo de adultos;
4. Todas as Lojas Maçônicas deveriam criar escolas diurnas e noturnas para a educação dos ex-escravos, como forma de reparação pelo crime de escravismo;
5. A partir daquele momento ninguém seria iniciado na Ordem se tivesse escravos ou ligação com os traficantes.
Divulgado em outras Lojas, o Projeto de Rui Barbosa acabou influenciando as demais unidades maçônicas espalhadas pelo Brasil. No Amazonas, a Maçonaria comprou um jornal, assumiu a sua direção e passou a veicular a luta abolicionista através de artigos e estudos. No Ceará, o então governador Maçom Sátiro Dias, assinou decreto extinguindo a escravidão naquele Estado, em 1884. Foi o primeiro Estado brasileiro a libertar os negros, quatro anos antes da Lei Áurea.
Passados 115 anos da libertação, a situação da comunidade negra permanece inalterada. A agenda dos Maçons negros, subscrita por Rui Barbosa, Rebouças, Gama, José do Patrocínio, Nabuco de Araújo, Pimenta Bueno Euzébio de Queiroz e outros nomes de destaque, foi perdida. Essa agenda pedia que fossem implementadas para o ex-escravo a reforma agrária, educação integral, criação de centros de saúde, políticas especiais para crianças, qualificação de mão-de-obra, desenvolvimento comunitário – reivindicações tão comuns nos dias de hoje.
Fonte: Informativo JBews nº 0169 - 12/02/2011
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