Guilherme de Tyr
O simbolismo do pelicano assenta-se sobre uma comovente lenda com origem na idade média, que afirma que o pelicano, quando não encontra alimento para sustentar sua prole, rasga seu próprio ventre para alimentá-la com seu sangue.
O pelicano é uma ave de grande porte que vive nas regiões aquáticas em todos os continentes, possui bico
avantajado e tem, no bico inferior uma bolsa onde acumula os peixes pescados. As fêmeas alimentam os filhotes despejando as reservas acumuladas na bolsa membranosa. Para esvaziá-la, comprime o peito com o bico, fato este, que deu origem a essa antiga lenda, onde o pelicano abre o próprio peito para dele extrair sua carne a fim de alimentar os filhotes, quando não encontra alimento. Simboliza, portanto, o amor com desprendimento.
O pelicano é também o símbolo alado da dedicação e das obrigações sociais. É a mente provida de asas para que possa pairar sobre o mundo, desprendendo-se da matéria, e contemplar sob o prisma da Verdade, toda a obra da Maçonaria.
Os sete filhotes, que usualmente se encontram junto ao Pelicano, representam justamente, as sete cores do arco-íris ou sete estados de consciência representados por cada cor, ou ainda a hierarquia dos seres, onde os Maçons que exercem a verdadeira filosofia ocupam seu lugar dentre os mais elevados.
No simbolismo católico, o pelicano é Jesus Cristo dando seu sangue para a salvação da humanidade, ou alimentando o homem na eucaristia. Também é o símbolo da Redenção.
O símbolo do pelicano pertence também ao domínio da vida cotidiana, que não é, contudo, menos comovedor, sobretudo para aqueles a quem as circunstâncias e as responsabilidades impõem uma escolha, pondo em jogo os interesses vitais e mesmo a existência.
Escolha muitas vezes difícil, diante da qual o profano recua, mas não o Maçom, que não hesita, sacrificando-se à sua família, ao seu país, à humanidade inteira. Sacrificar o egoísmo, os interesses às vezes legítimos, sua própria vida se preciso for, e a mais forte razão, seu orgulho e suas ambições, a fim de colocar em seu lugar, o altruísmo e a caridade. Tal como o pelicano, o Maçom alimenta simbolicamente os fracos com suas próprias entranhas, perecendo para permitir aos outros viver.
Às vezes é preciso que a célula pereça para que o organismo perdure, é preciso ao indivíduo morrer e renascer para que a humanidade continue.
Essa é a lição simbólica que se aprende na lenda do pelicano, mostrando ao maçom a conduta que deve ter a todo instante.
O pelicano é o emblema mais característico da caridade. É também o símbolo da morte e do renascimento perpétuo da natureza. Num contexto um tanto Druida: é a terra que nutre os seus filhos, é a mãe que cumpre os seus sagrados deveres, é a caridade para com nossos irmãos.
A lenda do pelicano foi uma tradição que se enraizou também dentro da igreja cristã como símbolo, tomando aspectos muitas vezes inusitados e inesperados.
As igrejas medievais a aceitaram em suas decorações, mais de um católico o adotou em suas armas e Henrique VIII chegou a mudar as armas do Arcebispo de Granmer por três pelicanos.
No intuito de ajudar a guerra que os cruzados sustentavam na Terra Santa contra os muçulmanos, o Papa Inocêncio III ordenara que em toda as igrejas fossem colocados cofres, muitos feitos de troncos de árvores cavados, cujo objetivo seria recolher donativos dos fiéis, já que o clero medieval, embora detivessem suas mãos grande parte das riquezas da época, não se mostrava suficientemente generoso.
Dessa forma, os construtores das catedrais medievais, tomaram o costume de colocar troncos ao lado das pias de água benta, para que os fiéis pudessem neles depositar o "dinheiro da vida". E a fim de melhor inspirar o sentimento da caridade, estes artistas deram a esses troncos a forma do pelicano, como ainda pode ser visto em algumas catedrais européias.
Nenhum outro símbolo podia melhor expressar o que se pretendia. Só o símbolo da abnegação da ave que se sacrificava a si mesma para alimentar a sua prole, podia representar aquele que se priva de seus haveres em benefício dos pobres.
O pelicano é o símbolo do próprio sacrifício, que indica que na medida em que damos, desenvolvemos o nosso caráter e a nossa personalidade, e a medida em que os anos passam o próprio sacrifício se reflete em boas ações que perduram além da nossa vida e são reflexo dos sacrifícios que fizemos.
O mestre deve fazer-se amar, e não poderá ter êxito a não ser amando ele mesmo com uma generosidade que o leve até a dedicação absoluta, até o sacrifício de si mesmo. Deste ponto de vista, o pelicano é o emblema dessa caridade, sem a qual, na iniciação, tudo será irremediavelmente vão. Os dons mais brilhantes da inteligência e da vontade não farão outra coisa do adepto que não tenha cultivado as qualidades do coração, a não ser um falso Mago.
A lenda do pelicano, de certa forma comove por sua extrema generosidade, encontra-se no cerne dos princípios da Maçonaria, o total sacrifício do ego em favor do próximo. Os ensinamentos exigem que o maçom que se encaminha na senda da perfeição deve desprender-se de todos os sentimentos negativos do egoísmo, orgulho e ambição negativa, transformando-os, alquimicamente, em sentimentos de altruísmo, humildade e abnegação.
É preciso que o verdadeiro maçom, através do sacrifício de seu próprio eu, chegue ao conhecimento do amor.
Cumprirá assim sua finalidade de iniciado e atingirá por esse meio a meta almejada: a completa superação de sua personalidade humana para alcançar sua própria Redenção Crística, e se tornará um verdadeiro Mestre!
É justamente dessa forma que o Maçom consegue a transmutação alquímica do que era inferior, do fogo em luz, do humano em Divino. É assim que terá encontrado a Pedra Filosofal e realizado a Grande Obra, a transmutação total do chumbo em ouro, do homem em Deus.
Fonte: Revista Arte Real nº 3
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