REVOLUÇÃO FRANCEÇA E A MAÇONARIA
Ir∴ Ambrósio Peters
A hierarquia da Igreja Católica, apesar de não haver evidências históricas, continua atribuindo à Maçonaria um papel relevante na Revolução Francesa, acusando-a de ter colaborado, efetivamente, para a perda de seus privilégios sociais e para a nacionalização de todas as suas propriedades imobiliárias. Essa posição oficial da Igreja contrária à Maçonaria revela um desconhecimento total da história dessa tão grave conturbação social que foi a Revolução Francesa.
Não se pode, certamente, afirmar que Maçons não estiveram de algum modo, presentes, em algum momento do desenrolar das primeiras etapas e, no desfecho final da Revolução, porque nenhuma classe, categoria ou segmento social pode deixar de se envolver nesse conflito ou de sofrer as suas conseqüências.
Um dos grandes responsáveis pela revolução, claro que não o único, foi sem dúvida, o clero católico francês que ao final do século XVIII detinha a propriedade de uma parcela respeitável do território nacional francês e que, ainda, em pleno final do século, continuava explorando esses seus direitos territoriais, aplicando o injusto sistema feudal de exploração da terra, um sistema que mantinha os camponeses semi-escravos presos à terra e continuamente a beira da completa miséria. Nos invernos muito rigorosos, muitos desses trabalhadores semi-escravos pereciam pela fome, quando não conseguiam armazenar alimento suficiente.
Esses camponeses, que jamais tiveram algum contato com a Maçonaria, foram os primeiros revolucionários a invadir as vastas propriedades dos mosteiros e dos aristocratas, expulsando os monges e os proprietários, rasgando os seus títulos de propriedade e tomando posse das terras. Eles agiram movidos por um ódio represado, por séculos, não contra a Maçonaria que nem conheciam, mas contra o clero e os aristocratas.
Também não podemos deixar de considerar que a hierarquia da Igreja Católica, durante séculos, vinha tentando eliminar ou expulsar os judeus onde quer que se encontrassem. Também a partir da Reforma, tentou o clero francês não só reprimir o protestantismo mas eliminar os protestantes da França, os huguenotes, e para conseguir seu intento valia-se de sua influência sobre os reis católicos.
Os dois fatos históricos de resultado mais funesto para os protestantes foram sem dúvida a Noite de São Bartolomeu em 1572, e a Revogação do Edito de Nantes, em 1685, que levou à expulsão do país, à miséria e à simples execução de mais de um milhão de protestantes. Além desses atos verdadeiramente bárbaros, havia as permanentes guerras de religião contra os protestantes.
A história isenta, em nenhum momento, se refere à Maçonaria como um agente revolucionário.
No início da Revolução, as classes sociais dominantes, nas Lojas do Grande Oriente da França, eram a alta burguesia e a aristocracia, havendo uma presença menor de clérigos. Um levantamento feito pelo escritor Estevão de Rezende Martins (Quem fez a Revolução Francesa - Rev. Humanidades, 1981, vol.7, n° 2, p 168) mostra que havia 200 deputados Maçons, nos Estados Gerais, em maio de 1789, e destes 79 eram nobres e os 121 restantes estavam divididos entre o clero e a alta e média burguesia, portanto o mais maçônico dos Estados era o Primeiro Estado, justamente o formado pelos inimigos da revolução.
Quando a aristocracia e o clero se retiraram da Assembléia Nacional, na esperança de que isso provocaria a dissolução dos Estados Gerais, houve um razoável numero de aristocratas e do baixo clero que permaneceu ao lado do Terceiro Estado. Justamente onde estavam os burgueses que foram os grandes condutores da Revolução, com exceção do período do Terror quando o comando esteve sob a direção da Comuna de Paris dominada pelo proletariado.
Havia Maçons na Assembléia Nacional, e depois na Assembléia Constituinte? É provável que grande parte daqueles duzentos deputados mencionados, na Revista Humanidades, pertencentes à aristocracia, ao clero e a burguesia estivessem entre os que permaneceram ao lado do Terceiro Estado. Mas a própria presença do clero indica que também estavam presentes muitos católicos.
No período revolucionário, em que se promoveu a nacionalização dos bens da Igreja e se promulgou a Constituição Civil do Clero havia ainda deputados Maçons ou Clérigos entre os convencionais? Jamais se saberá, mas, certamente, não eram em numero suficiente para impor a sua vontade de mudar os rumos da Revolução.
Uma outra circunstância que sempre se deixa de mencionar, por causa de uma visão míope da realidade, é que entre os componentes da Assembléia Constituinte havia também católicos, com certeza, porque nem a totalidade dos fieis estavam de acordo com os costumes dos mandatários católicos.
Se se pretende culpar a Maçonaria pelos danos sofridos pela Igreja só porque havia alguns Maçons entre os constituintes, deve-se, evidentemente atribuir ao Catolicismo a mesma culpabilidade por causa do grande número de católicos que lá estava.
É essa é evidentemente, uma hipótese absurda, pois como não são alguns poucos católicos que fazem o catolicismo, assim também não são também alguns poucos Maçons que fazem a Maçonaria.
No momento do Terror, quando foram barbaramente liquidados milhares de aristocratas, clérigos e burgueses ricos certamente pereceram entre eles muitos Maçons, pois eram justamente essas as categorias sociais que abrigavam a maioria dos Maçons franceses. É importante lembrar também que, durante o Terror, a Maçonaria estava, praticamente, liquidada na França e a condução revolucionário estava, totalmente, nas mãos do proletariado parisiense.
Não se pode contudo dizer que a Maçonaria esteve totalmente afastada das causas da Revolução Francesa. A queda do Antigo Regime era desejada e esperada entre os cidadãos da camada culta francesa que estavam tanto na aristocracia, como no clero e na burguesia. A mais interessada era, justamente, esta ultima, porque o absolutismo prejudicava o seu progresso e a sua chegada ao poder. Outro motivo forte para a mudança de regime era a característica feudal da propriedade da terra, que impedia o crescimento da burguesias, por impedir sua chegada às propriedades.
Mas nem aos aristocratas liberais, nem aos burgueses cultos, nem ao clero culto interessava uma revolução do gênero da Revolução Francesa. Eles lutavam pela limitação dos poderes reais, lutavam por uma monarquia constitucional, uma nação governada por um primeiro ministro e com leis votadas por um sistema bicameral eleito livremente pelo povo.
Evidentemente, a Maçonaria, tendo entre seus membros, especialmente pessoas cultas, com predileção pelos iluministas, congregados em suas lojas, evidentemente contribuiu para que essas novas idéias se tornassem aos poucos uma aspiração nacional.
Diz ainda, o citado escritor Estevão de Rezende Martins da Revista Humanitas que, havia uma significativa presença de liberais, tanto entre os deputados nobres, quanto entre os deputados burgueses, e, justamente entre os mais jovens, porque sempre mais abertos às novas idéias iluminstas. É provável que entre os 141 deputados do clero que se juntaram ao Terceiro Estado, na Assembléia Nacional de maio de 1789, havia padres liberais, à semelhança do encontrado na Maçonaria Brasileira no inicio do século XIX, poucos anos após a Revolução.
Não resta dúvida portanto, de que os Maçons franceses do século XVIII, eram de uma forma geral, cultos, mas não é possível definir até que ponto essa condição possa ter influído, efetivamente, na Revolução. Sabemos que, no período pré-revolucionário, estavam em evidencia, os iluministas e muitos deles eram Maçons. Sabe-se que eles discutiam suas idéias, livremente, nas Lojas Maçônicas, e pode ser certo, dizermos que a Maçonaria influenciou o desenvolvimento do Iluminismo e a condenação da tese do catolicismo francês da origem divina da investidura dos reis.
Na verdade, a Revolução não precisou de muitas causas para a primeira fagulha, nesse imenso palheiro de descontentamento que era a França. Essa fogueira foi ateada pelo próprio Rei, ao ceder à convocação dos Estados Gerais para confirmar seu pretendido aumento de impostos, pois ele não necessitava da aprovação dos Estados Gerais.
Talvez, pela primeira vez, na história da França, se começou a ouvir a voz de um povo sufocado e revoltado que para os reis e imperadores nunca fora mais que um celeiro, para fornecimento de combatentes para suas guerras. Quando a pressão dos representantes do Terceiro Estado conseguiu transformar os Estados Gerais em Assembléia Nacional, e logo a seguir, em Assembléia Constituinte, o destino do absolutismo estava lançado num caminho sem volta.
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