José Maurício Guimarães
Este é um texto excepcionalmente mais longo que os de costume. Para os que não têm paciência, recomendo nem começarem a leitura. Pior do que não ler, é lerem "por alto", passando os olhos descuidadamente e depois emitirem juízo equivocado sobre o meu pensamento. Temos aqui 2.424 palavras em 41 parágrafos. Os de fôlego curto, mais dados à leitura do Twitter ou WhatsApp, desaconselho maiores esforços; simplesmente deletem a mensagem.
Não tenho medo nem melindres em ser polêmico. Sei que em qualquer hipótese, seja abanando a cabeça como carneirinho, seja apontando o que minha consciência julgue oportuno ponderar, sempre haverá leitores que me combaterão, e isso é ótimo! − educadamente uns ou grosseirões outros poucos, além dos que, a contragosto, vestirão a carapuça e deixarão de falar comigo. Não faz mal; já vivi bastante para aprender que o homem de bem não tem compromisso com o erro; que o compromisso do maçom é com a razão; e, por último (last but not least) tenho convicção íntima de que faço parte da Ordem não para alcançar proveitos que não os do meus esforços em progredir como pessoa. Não acho penoso respeitar as Potências e Obediências; me agrada honrar os Corpos Superiores e seus dirigentes que me distinguiram com os Altos Graus. Minha vida é simples e assim nada faço ou digo com o propósito premeditado de afrontar diretamente os Cargos ocupados pelos dirigentes de nossas Instituições.
Divergências e diferenças de opinião são parte do "fazer maçônico", principalmente quando nossa postura é respaldada por nossa história pessoal como cidadão, profissional, pai de família e possuidores de ilibada carreira maçônica (ilibada é a pessoa sem mancha, puro, livre de culpa ou de suspeitas). Em nossa retaguarda – e diante dos meus olhos – temos o Artigo 5º da Constituição Federal que proclama a todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-nos a livre manifestação do pensamento.
Antes porém, peço permissão ao Panteão Literário para fazer minhas, e sem ofender ninguém, as divertidas palavras do Imortal MACHADO DE ASSIS no prefácio de 'Memórias Póstumas de Brás Cubas': "... se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus."
AS AGRURAS DO MOMENTO ATUAL
Não preciso repetir o que todos já sabem. Mas em resumo, a situação é essa: o mundo pós-Covid19 vai se deparar com danos cuja duração ainda é imprevisível. Todas as atividades terão que ser reconstruídas. Entenda-se pois: a maçonaria faz parte do mundo; e "todas as atividades" incluem, é claro, a realização das funções específicas da maçonaria enquanto instituição. Não sou eu que estou dizendo; é o F.E.D., Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos (United States Federal Reserve System), composto por um Conselho de Governadores (Federal Reserve Board), pelo Federal Open Market Committee, pelos presidentes do Federal Reserve Banks e representantes de bancos privados dos Estados Unidos. Não se sabe o tempo que levará para as coisas se normalizarem, diz o F.E.D., uma vez que a economia mundial veio encolhendo 3,2 % desde abril deste ano e continua encolhendo ainda mais. Se o F.E.D. está dizendo a verdade, temos que ficar espertos; se estão tentando nos enganar, então estamos perdidos de vez.
Em recente entrevista, publicada pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores, George Soros (90 anos), mega-investidor húngaro-estadunidense, afirmou que a pandemia de Covid19 é a crise de sua vida. Segundo ele, vivemos um evento sem precedentes com potencial de transformar para sempre a forma como vivemos. "Nós não vamos voltar para onde estávamos quando a pandemia começou. Mas essa é a única certeza que temos", disse ele.
O que tem isso a ver com instituição maçonaria ou com "A Maçonaria" enquanto sistema de pensamento moral e ético velado por símbolos?
DAS AGRURAS AO MOMENTO FUTURO
A maçonaria como instituição − com "m" minúsculo, para diferenciar de "A Maçonaria" como sistema – não voltará do pós-Covid19 para recomeçar do ponto em que estávamos quando a pandemia começou; essa é a certeza que temos. Quem viver, verá. Mas também poderemos não recomeçar do "ponto TRADICIONAL" em que nos firmávamos como sistema, ou seja: agora, enquanto ficamos em casa, acontece o "ponto de mutação".
Neste ponto, o marinheiro experiente fita o horizonte que parece calmo, mas é capaz de prever a tempestade.
DA NOVA ÉTICA PARA OS NOVOS TEMPOS
Exatamente por estarmos presenciamos grandes mudanças na sociedade e nos meios de comunicação, seria de se esperar, principalmente dos mais "modernos", alguma reverência ao Espírito Tradicional, ou simplesmente à Tradição, que é a principal coluna de sustentação da Maçonaria Universal. Se sobrevivemos mais de trezentos anos a todo tipo de mudanças − das navegações à vela às viagens espaciais, das tiranias feudais aos regimes democráticos, da pena-e-tinteiro ao teclado dos computadores – será que justamente agora nos renderemos a uma onda reformista, mormente quando ela parte de escritórios e não das assembleias naturais do Povo Maçônico que são as Lojas?
Senão, vejamos:
1 − Ainda se discute, com maior ou menor acerto, se o retorno aos trabalhos é prudente daqui a três, seis ou nove meses; ou se a prorrogação indefinida desse isolamento social é mais aconselhável em vista da nossa faixa etária e dos locais onde nos reunimos: Templos sem janelas a portas fechadas. Em ambos os casos há de se considerar "custo e benefício"; o custo é a vida e o benefício depende da visão de cada um. A figura do líder desaparece durante o "ponto de mutação" e ressurge o pensamento determinante na voz do homem comum. Pessoalmente confio no bom discernimento dos Grão-Mestres e demais autoridades. Quem nos representa são esses mandatários − receberam mandato para agirem em nosso nome − mandatos esses alcançados pelo voto e não pela vã presunção ou unção especial caída dos céus.
2 – É impraticável que um grande número de Irmãos seja consultado nesse momento. Mas, seja pela idade alcançada ou pela "idade maçônica" (os Graus), pela sabedoria ou estudos realizados ao longo de toda uma vida, muitos seniores (plural de sênior) estão em condições de avaliar os novos rumos, e por isso devem ser preservados e respeitados. Causa indignação quando nos deparamos com colocações do tipo "maçom velho", ranzinzas, senil ou decrépitos. Esses palavreados revelam posturas que ferem as leis profanas e maçônicas; ferem o direito à vida, emasculam a liberdade, e a segurança; zombam da dignidade humana, da proteção social e da assistência na doença, na velhice e nos desesperos da viuvez.
"Não é razoável que tantos esforços sejam feitos para prolongar a vida humana, se não forem dadas condições adequadas para vivê-la", disse o escritor Marcelo Antônio Salgado.
As pesquisas indicam que a faixa etária da maioria dos maçons está entre 38 e 64 anos de idade, com pico aos 57 anos; mas ainda há os "sobreviventes", como eu, que já ultrapassamos os 70 e pretendemos chegar aos 120 anos conforme o máximo preconizado na Bíblia, em Gênesis, capítulo 6:3.
Entre os seniores (plural de sênior) que muito admiro estão os que compartilham de forma espontânea, não visando promoção pessoal ou ganhos materiais, o vasto tesouro tradicional que entreveram em suas jornadas: são todos abnegados que, de sã e limpa consciência, cultivaram o conhecimento maçônico em épocas que não havia a sabedoria do WhastApp nem o professor Google para diplomar doutores e pós-doutores em "maçonaria". Foram esses "velhos maçons" – nem todos escritores ou intelectuais − que construíram operativamente os Palácios Maçônicos a partir da matéria bruta: prédios e Templos que hoje estão com as portas fechadas aguardando o fim da pandemia e as decisões dos sábios.
Em síntese: depois da obra pronta, é fácil censurá-la ou tentar destruí-la, pois se desconhecem os esforços pretéritos de seus construtores ou mesmo para que finalidade o edifício foi levantado.
NOVOS TEMPOS, IDEIAS NOVAS
Considero-me feliz por ter ultrapassado a idade provecta e estar plenamente atualizado em termos de informática, pelo menos... pois já estão colocando em dúvida o que nós seniores (plural de sênior) aprendemos na Universidade e na Maçonaria. De minha parte, ainda sou eu mesmo que dou manutenção na minha rede de intrernet doméstica; atualizo os sistemas operacionais de dois notebooks e um computador-desktop, com todos os programas atualizados. Ainda sou eu mesmo que faço meu café matinal e organizo meus estudos; sou eu mesmo que pago minhas contas e mantenho, como vocês bem sabem, há mais de 25 anos, sites, blogs e páginas do Facebook. "Sou um homem, e nada do que é humano me é estranho", disse o cartaginês Terêncio em 172 antes de Cristo, quando não havia café nem computadores. Apesar dessa valentia toda, não me sinto confortável, na condição de maçom, para participar das chamadas "reuniões virtuais"; e não me canso de perguntar aos meus botões quantos desses Irmãos idosos, merecedores do nosso maior respeito, serão bem sucedidos ou forçados a operar com êxito os Hangouts_Meet, Zoom, Skype, Web_Ex_Meetings, Slack, Join_me e outras bugigangas do tipo. Vejo nessa tendência, que entusiasma uma plêiade de reformistas, um descuido que esbarra na perigosíssima seleção de pessoas (para não dizer outra coisa!!!).
Como bem salientou o Irmão José Humberto Bahia, Grão-Mestre do GOMG-Comab em nota de esclarecimento datada de 20 de maio deste ano, "a realização de uma Sessão Maçônica está regulamentada nos ordenamentos maçônicos. O Décimo Primeiro "Landmark", estabelece que a Loja deverá 'estar devidamente coberta' e ainda tem o dever de guardar o Portal do Templo e manter distantes profanos e curiosos'."
E volto a perguntar aos meus 'bor-botões' qual é o firewall, antivírus ou defenders que asseguram, ao lado do Guarda do Templo, essas reuniões virtuais. Num passado recente, para os que estiveram viciados em "coisas virtuais" (e não ouso dizer "o quê") deve ser fácil manobrar todas essas 'mumunhas' e sair ileso.
Salvo-me, entretanto, nesses prognósticos sobre reuniões virtuais, naquilo que elas podem ter de valor, mas pelo ângulo que sabiamente contempla o Irmão Sérgio Quirino, Grande Primeiro Vigilante da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, num texto sobre a positividade dessa modalidade. Diz ele:
"... nessas reuniões virtuais podemos e devemos decidir sobre o cardápio da festa, se vamos ou não colocar granito ou mármore no piso, prestação de contas, etc. Assim deixaremos para tratar dentro do Templo os assuntos que exigem cobertura".
IDEIAS NOVAS, ANTIGAS ARMADILHAS
Alterações dos regimentos, leis e costumes maçônicos ainda estão sob jurisdição dos Grão-Mestres e, como sempre, ouvido o Povo Maçônico que somos nós – os que mantemos as instituições funcionando, materialmente (com as mensalidades) e espiritualmente (com nossa força moral).
Mas alguns, movidos pela rebeldia imberbe, dirão:
− Bah!!! São palavras! nada mais que palavras! é preciso alavancar a transição! Leiam a nova literatura maçônica que é mais próxima da escola autêntica!
E pregam o bom senso e juízo crítico alegando que as Constituições de Anderson não tem qualquer natureza legal; que os maçons não devem segui-las, nem jurar sobre elas, pois não têm eficácia nem são capazes (essas antigas Constituições) de produzir efeitos legais; muito menos, dizem, são um marco da regularidade maçônica. Acontece, meus caros watsons, que os juramentos feitos sobre a égide das Constituições de Anderson estão escritos e explícitos nos Rituais. Não jurar sobre elas é impedimento nas Iniciações e outros Rituais, assim como na investidura de qualquer cargo; e há outras cominações que me abstenho de citar, remetendo-os aos Códigos Penais e de Conduta das respectivas Potências.
Nessa mesma esteira de inutilidades, os reformistas consideram os Landmarks por não encontrarem neles consenso sobre "uma lista" pela maioria das Potências ou Obediências regulares no resto do mundo. Aqui é puro contrassenso: primeiro, alegam "escola autêntica" e reivindicam maioria das Potências ou Obediências em testemunha do que pretendem demostrar; segundo, desconhecem o que seja Landmark confundindo o conceito com "uma lista" semelhante à que elaboram para fazer o supermercado.
Se esses antigos documentos da TRADIÇÃO MAÇÔNICA não têm qualquer natureza legal e não são válidos senão como "peças de museu" destinadas aos estudos pseudo-acadêmicos, então quais outros fundamentos temos para seguir na Ordem ou tentarmos prosseguir de agora em diante? Se não são válidas essas "peças de museu", quais ordenamentos existem oriundos desses apartamentos com ar condicionado durante o silêncio e isolamento da pandemia?
Peças de museu é o que temos, e através delas fomos iniciados. Aprendi que "Maçonaria é pegar ou largar"; é pela evolução e não pelo motim que as mudanças acontecem para serem benéficas e perenes.
Até agora não surgiu um gênio como o de Anderson ou uma inteligência com as de Pike e Mackey para proporem algo melhor, novos cânones que garantam a sobrevivência da Maçonaria por mais três séculos.
O que temos são teorias e devaneios extraídos de livros aos quais apenas 1% dos maçons terão acesso, se tanto! Daí, pode-se falar qualquer coisa para justificar qualquer alucinação.
Hoje querem fazer cair as Constituições de Anderson e os Landmarks; amanhã cairão as tradições simbólicas do Templo de Salomão, pois não encontrarão documentos dessa edificação nos cartórios de registro de imóveis; nem atas de sua fundação ou Instalação de Salomão como Grão-Mestre. Depois será a vez de se abolirem os Aventais, uma vez que não somos operativos nem precisamos proteger nossos ternos das asperezas das pedras brutíssimas. Abolirão os altares, os Livros da Lei e as Iniciações: novos maçons serão admitidos on line mediante o CPF, conta-de-luz para atestar residência, um certificado da polícia do bairro e, tudo aprovado, implantarão um chip no cérebro do néo-maçom com todos os Rituais e literatura concernente.
E viva a distopia maçônica! Pior do que os efeitos financeiros pós-Covid19 na maçonaria, serão os danos urdidos em bastidores identificados apenas por links.
Lamento que ainda não estejam entre nós os Irmãos José Castellani, Kurt Prober, − ou aqui nas montanhas os Irmãos Onéas D'Assumpção Corrêa, Pedro Campos de Miranda e Gerardo Cordovil; esses dissertariam melhor sobre essa "pandemia-maçônica" que, na ausência de uma vacina eficaz, melhor fariam os infectados reinventores da roda se traçassem planos factíveis para o pós-Covid19 – projetos com princípio, meio, método e fim – e submetessem suas ideias aos Grão-Mestres e dirigentes dos Altos Corpos para votação em assembleias do Povo Maçônico. Para isso – e apenas para essas finalidades − seriam oportunas as tais sessões maçônicas por meio virtual, sempre coordenadas por autoridade maçônica e respeitadas as tradições da Ordem Maçônica.
Do contrário, como me disse um Irmão amargurado e ironicamente: "... melhor seria que a pura maçonaria voltasse a ser clandestina como nos séculos XVI e XVII, operando escondida nos porões, cada maçom dando tudo de si para a segurança de todos – exercitando a fiel obediência aos princípios que unem os verdadeiros Irmãos".
SIC TRANSIT GLORIA MUNDI
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