José Maurício Guimarães
Como bem ilustra o desenho anexo do Irmão João Guilherme Ribeiro, citando célebre humorista do cinema norte-americano nos anos 30, "Não entro para clubes que me aceitam como sócio".
VAMOS AO CAMPO DA PURA FICÇÃO, começando pela máxima do poeta neolatino, Jean de Santeuil: RIDENDO CASTIGAT MORES (Corrigem-se os costumes através do riso).
A PEDRA BRUTA NO COCURUTO OCCIPITAL
Imaginem uma Loja no ano 40.000 antes de Cristo – Loja Neanderthal – como visualizam os maçons que nutrem bom-humor em relação à cronologia do Ano da Verdadeira Luz, distante de nós 42.020 anos. Imaginem esse alvorecer da humanidade: ainda restam alguns dinossauros pastando do lado de fora da caverna de Platão quando, de repente, iluminado pela leitura do 'voltaire' da época, e cansado de levar pedras brutas no cocuruto occipital, um troglodita chamado Julius Henry Marx resolve pedir iniciação na Loja Neanderthal. Havido o escrutínio secreto, ele é aprovado. Mas antes mesmo da iniciação Julius Marx descobre qual tipo de pitecantropos e sapiens fazem parte daquela Loja. Acende o charutão davidoff e assume sua verdadeira identidade: ele é o Groucho da família Marx, ancestral indireto do Karl do Capital. Temperamental, não aceita, doravante, ser iniciado como tal; afasta-se do portal e toma a decisão fatal, dizendo:
− Não entro para uma sociedade que me aceita como membro!,
... e o desespero se abateu pesadamente sobre os stonecutters da Neanderthal Lodge.
SAINDO DO CAMPO DA FICÇÃO
Nessa vetusta sabedoria deveriam se debruçar, em decúbito lombar, os ludâmbulos limnologistas, pantanosos girinos da vida maçônica que, passados esses 42.020 anos, ainda inflam nossas Lojas fazendo da Maçonaria algo que ela não é.
Posso não saber ainda o que é Maçonaria; mas aprendi, por experiência o que ela não é. Estou naquela terceira margem do rio de onde clamava João Guimarães Rosa o seguinte:
− Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
Posso não ter lido todos os sábios, profetas, videntes, bruxos e adivinhos da escola autêntica, mas aprendi que, nos primórdios da Maçonaria, os poderosos, nobres e reis, batiam nos portais do Templo operativo – e que hoje, são os pedreiros especulativos que batem às portas dos políticos para aparecerem em fotografias ao lado deles.
Progredimos pouco...
PASSANDO PARA O CAMPO DA EDUCAÇÃO
Nos últimos anos, o estudo de Maçonaria tem se fixado no intento de reformar hábitos considerados espúrios ou subversivos da tradição. Dois terços da nossa energia têm sido desperdiçados em esmiuçar os processos de admissão de novos maçons e a qualidade das sindicâncias. Digo desperdiçados porque, não obstante tanto barulho ao redor do tema, nada muda nesse aspecto – melhor dizendo: vem piorando. Os formulários de proposta foram simplificados e mutilados; os procedimentos são feitos às pressas. Atos e diligências que objetivam a apuração e averiguações sistemáticas sobre os candidatos correm o risco de acontecerem pelo whatsapp.
Uma péssima forma de fazer Maçonaria, diga-se de passagem, surgiu nas telinhas dos celulares, porque em monitores de 15 a 29 polegadas o conhecimento parece muito amplo! Presenciamos um sentimento de má vontade, uma aversão e antipatia pelo texto escrito, pela leitura e pelo esmero na redação, como se não bastasse a falta de zelo pelos cânones que regem qualquer ofício.
Há 5 ou 6 anos eu me indignava com a afirmação de que "maçons não gostam de ler". Até mesmo escrevi um livro, na esperança de que os obreiros da minha aldeia se interessassem pela história, fundamentos e formação da Maçonaria. Adquiriram, sim, o livro − mas para servir como peso de papéis em seus escritórios. Hoje sou obrigado a concordar com aquele idiota atrás da vitrine do stand: a esmagadora maioria dos maçons não gosta mesmo de ler − e sabem por que? Porque essa é a realidade brasileira que se agrava desde os anos 70. Pergunto (e vocês não precisam me responder): quantos livros, não importa o assunto, você leu no último ano? Se leu 11(onze), você é um bom leitor; se leu 7(sete), é um leitor mediano; se leu 2(dois) é um mau leitor; se não leu nenhum, você está perdido (conclusão minha com base, entre outros textos, em "Retratos da Leitura no Brasil - Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil" ).
Se é impossível imaginar um cidadão ou eleitor que não leia ou não procure se informar mediante livros, revistas e jornais, mais estapafúrdio é ainda existirem maçons que não leem. TODOS os preceitos, rituais, leis, fundamentos e formação da Maçonaria − enquanto organização e instituição − estão REGISTRADOS EM TEXTOS ESCRITOS e têm que ser interpretados pela inteligência e discernimento redacional se pretendemos fazer algo sério.
Considera-se fundamental, para admissão na Maçonaria, ser o candidato homem íntegro e atualizado em relação ao seu tempo; mas também se espera, como condição, que ele esteja apto a apreender conhecimentos filosóficos e litúrgicos.
Nem por isso, entretanto, o homem simples – a que, se destina a Maçonaria − precisa ser proficiente em inglês, francês ou latim para adentrar o vasto mundo da literatura especializada. Ninguém precisa virar maçonólogo (nova modalidade do folclore neanderthalensis brasiliensis) para entender o bê-a-bá da Arte Real. A virtude está no meio e não podemos esnobar sapiências com o propósito dissimulado de humilhar o "common man" (homem simples) e fazê-lo desistir em suas buscas; ou fazê-lo abaixar a cabeça na hora de votar.
A compreensão dos textos maçônicos, destinados ao homem simples e inteligente (o "common man"), depende, contudo, de uma alfabetização diferenciada (leitura e interpretação de texto, como dizem nas escolas). Sem isso vamos nos transformando, progressivamente, numa população que engrossa as fileiras dos analfabetos funcionais. Repito a máxima de Horatius Quintus Flaccus (28 a.C): "In Medio Stat Virtus": a virtude está no meio.
Dito isso, imaginem o que resulta da compreensão torta dos textos legais das Lojas e Potências (Constituições, Regulamentos, Leis, Decretos), sem falar no volume, a meu ver exagerado, de atos, circulares, processos administrativos e normas penais. Resulta o caos, já que ninguém consegue entender mais do que duas linhas de whatsapp ou 210 letras num twitter. Falo daquele mesmo caos de onde os alquimistas e prestidigitadores da escola autêntica tentam extrair ordo como se tirassem um coelho de dentro de uma cartola... e haja "cartolas"!
Se me perguntarem sobre uma solução para esses desafios, confesso que não sei, nem tenho receitas prontas. "Quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa..."
Ainda estamos no primeiro passo que consiste na identificação do problema. Chegamos a esse ponto e precisamos nos virar com o que temos – adotando a prudência necessária, pois nosso futuro é incerto.
PAIS E EDUCADORES MAÇONS
O hábito da leitura se forma entre os 8 e 12 anos de idade. Se nesse período, quando as conexões cerebrais e neurônios ainda estão "maleáveis" e "receptivos" à educação formal, não forem semeados bons hábitos no lar e nas escolas, passada a adolescência é praticamente impossível consertar o estrago.
Não concordo nem generalizo ao ponto de culpar os problemas sociais e conjunturais brasileiros pela derrocada do cabedal de conhecimentos entre jovens e adultos. Machado de Assis, que viveu entre 1839 e 1908, era brasileiro, nasceu no Morro do Livramento, Rio de Janeiro; era mestiço, filho de família pobre, mal estudou em escolas públicas e nunca frequentou universidade. Além disso era gago e sofria de ataques de epilepsia. Hoje, Joaquim Maria Machado de Assis é reconhecido como o maior escritor brasileiro de todos os tempos − um dos maiores da língua portuguesa e, mesmo como filósofo e crítico social, um dos grandes da literatura universal. Inspirado na Academia Francesa, Machado de Assis liderou um grupo de intelectuais – entre os quais Medeiros e Albuquerque, Lúcio de Mendonça − e fundou, em 1897, a Academia Brasileira de Letras.
Outro mestiço, Lima Barreto (1881-1922), filho de uma escrava com um madeireiro português, destaca-se nas letras como um verdadeiro titã (autor, dentre outras obras, da "Recordações do Escrivão Isaías Caminha" e "Triste Fim de Policarpo Quaresma"), não obstante ele ter sido vitimado pelo preconceito social e sucumbido ao vício – sendo frequentemente internado em hospícios − vindo a morrer aos 40 anos de ataque cardíaco.
Citei Machado de Assis e Lima Barreto para exemplo (emulação) da nossa causa, na certeza de que, embora tardiamente, podemos remediar e replanejar nosso futuro. Citei Machado de Assis e Lima Barreto, para não cometer injustiças ao negligenciar grandes personalidades e maçons que ainda vivem entre nós, porém excluídos dos processos decisórios sobre a Ordem. Citei Machado e Barreto, porque na época deles não existia essa preguiça e essa vaidade que engessa nossos empreendimentos; nem havia a internet, nem o professor google.
Espero que o bondoso fantasma de Julius (Groucho) Henry Marx venha a sussurrar um dia, dessa vez sério, atrás dos óculos e do bigode e sem o charuto davidoff:
− Entrei nessa sociedade porque ela só aceita como membros pessoas como eu que, através do riso, sejam capazes de corrigir os costumes e refletir criticamente sobre si mesmas.
"O homem atrás do bigode
É sério, simples e forte
Quase não conversa
Tem poucos, raros amigos
O homem atrás dos óculos e do bigode"
("Poema de Sete Faces", Carlos Drummond de Andrade).
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