Ir∴ CM Juliano Fonseca Tonello
Loja “Caminhos da Verdade nr. 92 - Gaspar SC
Introdução
O Ritual de Iniciação nos Augustos Mistérios da Arte Real, em dois momentos, descreve virtudes às quais nem sempre nos atemos, e que chamam atenção a valores importantes e fundamentais na formação de nosso caráter como cidadãos e Maçons. Diz o Ven... M... aos profanos, em determinado momento do ritual, quando os mesmos deixam de contribuir, involuntariamente, para o Tr... de Sol..., que “a primeira coisa a lembrar, é que estais desprovidos de tudo quanto representa valor monetário, a que damos o nome de metais. Despojados de metais, estais simbolicamente despidos das vaidades e do luxo da sociedade profana.” Seguindo o ritual, em determinado ponto os profanos assumem um compromisso com nossa instituição, através de um solene juramento, e declaram seguir e obedecer aos Landmarks da Ordem Maçônica, que em seu XXII item declara que “Todos os Maçons são absolutamente iguais dentro da Loja, sem distinção de prerrogativas profanas e de privilégios que a Sociedade confere. A Maçonaria a todos nivela nas reuniões maçônicas.”
Desenvolvimento
Tais passagens aludem à vaidade, substantivo feminino derivado do latim, que descreve a qualidade do que é vão, ostentação, desejo infundado e imoderado de merecer a admiração dos outros. Foi largamente estudada e analisada já nos escritos filosóficos e na mitologia grega, nos dogmas das primeiras religiões de que se tem notícia, e também na literatura. O livro do Eclesiastes, filho de Davi, rei de Jerusalém, atribuído ao Rei Salomão, questiona em seu primeiro capítulo: “que proveito tira o ser humano de todo o trabalho com o qual se fadiga debaixo do sol? Uma geração passa, outra vem, e a terra continua sempre a mesma.” Relata que “Deus põe à prova os filhos de Adão para mostrar-lhes que, em si mesmos, eles são como animais. Pois a sorte dos humanos e a dos jumentos é idêntica: como o ser humano morre assim eles morrem. E todos têm o mesmo sopro de vida: nada tem o ser humano mais do que os jumentos, pois tudo é vaidade. Tudo caminha para o mesmo lugar: tudo vem da terra e tudo volta, igualmente, para a terra.” Afirma ainda: “Esforcei-me de coração em compreender a sabedoria e o conhecimento, e também a tolice e a insensatez. E reconheci que nessas coisas também está a aflição do espírito. E isto porque muita sabedoria, muito desgosto; quanto mais conhecimento, mais sofrimento.” Daí concluímos que a vaidade não se apresenta apenas na ostentação dos metais e bens materiais, mas também no orgulho de termos realizado grandes obras ou sermos detentores de grande conhecimento ou ainda de nossa extensa bagagem maçônica. É a expressão e a síntese de inúmeros defeitos morais, que tomam conta de todos nós, em maior ou menor grau.
A vaidade, paixão à qual devemos cavar masmorras, está diretamente ligada ao orgulho, à inveja, à avareza e à insegurança. Buscamos ininterruptamente reconhecimento, e por vezes lisonjeamos exageradamente outrem, em busca tão somente da mesma distinção. Praticamos a caridade para alcançar um lugar no céu, ou fama, ou ainda recompensas, e dessa forma a caridade não traz qualquer efeito no polimento da pedra bruta, é apenas vaidade. Já homens humildes não devem esconder seus talentos e virtudes, seu conhecimento deve ser usado para o bem, não podem crer serem ruins ou menos importantes que seus irmãos, mas ter clareza quanto ao que precisa ser melhorado, sem vangloriar-se de qualquer conquista ou obra realizada. John Milton, escritor classicista inglês, em seu poema épico Paraíso Perdido descreve, baseado no mito grego de Eco e Narciso, a impressão de Eva ao ver-se refletida em um lago:
“Ao debruçar-me sobre o lago, um vulto bem em frente de mim apareceu curvado para olhar-me. Recuei e a imagem recuou, por sua vez. Deleitada, porém, com o que avistara, novamente eu olhei. Também a imagem dentro das águas para mim olhou, tão deleitada quanto eu, ao ver-me. Fascinada, prendi na imagem os olhos e, dominada por um vão desejo, mais tempo ficaria, se uma voz não se fizesse ouvir, advertindo-me: És tu mesma que vês, linda criatura.”
Diferentemente de Eva no poema de Milton, no mito grego Narciso morreu após perder o vigor e a beleza, depauperado por extensa contemplação de si mesmo. A vaidade, ou extensa contemplação de si mesmo, de seus bens, de suas obras, pode levar-nos à morte espiritual e moral.
Conclusão
Dizem que a vaidade é a virtude dos fracos, e que seremos julgados não por nossas riquezas, mas sim por nossos hábitos e ações. Além da valoração moral e dogmática da vaidade, devemos entender seu papel social, pois que a vaidade nos impõe travestir interesses particulares em ações direcionadas ao bem de nossos irmãos, ações essas que, caracterizadas e mascaradas como atos de benfeitoria e justiça, têm como interesse e único fim, benefícios próprios, sejam eles práticos ou subjetivos, como a satisfação dessa mesma vaidade. Espero não ter cometido grave erro ao me aventurar nessas searas, como imaginou Montaigne ao dizer que: “Talvez não haja vaidade mais clara do que sobre ela escrever de maneira tão vã.”
Referências Bibliográficas
1. Girardi, João Ivo - Do Meio-Dia à Meia-Noite: Vade-Mécum Maçônico; Blumenau/SC: Nova Letra, 2008.
2. Huxley, Aldous - The Perennial Philosophy; New York/NY: Harper & Row, 1996.
3. Montaigne, Michel de - Os Ensaios: Livro I; São Paulo/SP: Martins Fontes, 2002.
4. Montaigne, Michel de Sobre - a Vaidade; São Paulo/SP: Martins Fontes, 2002.
5. Grande Loja de Santa Catarina - Grande Ritual “Da Apresentação do Candidato à Sessão Magna de Iniciação”. Florianópolis/SC, 2000.
Fonte: JBNews - Informativo nº 214 - 30/03/2011
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