A MAÇONARIA POR TRÁS DE UMA TELA
Autor: Márcio dos Santos Gomes(*)
No momento, parece que as reuniões presenciais neste ano de 2020, na maçonaria, estão seriamente ameaçadas. Os obreiros mais pessimistas já apostam que um dos legados da pandemia do Coronavírus será a adoção das videoconferências como solução perene para o impasse entre as restrições impostas pelas autoridades de saúde quanto às aglomerações que envolvam pessoas pertencentes aos grupos de risco.
Por que o impacto na maçonaria seria diferente quando comparada às demais atividades? Afinal, estamos em guerra contra um inimigo invisível que não escolhe vítimas. Gostemos ou não, a dura realidade está determinando uma nova forma de viver, que definitivamente não será mais a mesma.
O que parecia ser especulação para um futuro distante, a pandemia já encurtou os caminhos. Várias áreas já sentem os efeitos e novos hábitos estão sendo rapidamente incorporados. O sistema de ensino, que já dava passos largos no ensino a distância (EAD), estuda meios híbridos com incorporação de tecnologia envolvendo instrumentos de conteúdo presencial e digital, vistos como complementares ao processo de aprendizagem. O maior obstáculo a ser vencido envolve as condições de acesso à internet e as desigualdades sociais.
No mundo empresarial, o trabalho remoto já é uma realidade e começa a ser incentivado por uma série de razões. Os escritórios até então considerados caros e improdutivos ganham conceito de ineficientes, que apenas contribuem para satisfazer vaidades corporativas, com ambientes muitas vezes superlotados, barulhentos e com distrações que desvirtuam o foco do essencial para a produtividade nos trabalhos e motivo para as maçantes reuniões sem resultados efetivos, além de infraestruturas que geram despesas desnecessárias. As vantagens do horário flexível, da economia de tempo gasto em deslocamentos no trânsito e com o vestuário já compensam essa opção, que terá seu foco na entrega de resultados por tarefa.
Todos os ramos de atividades já trabalham com novos cenários. Da consolidação do comércio eletrônico à telemedicina, até os tradicionais cartórios que já realizam casamentos por videoconferências e registros eletrônicos de venda de imóveis. Algumas Igrejas oferecem assistência espiritual online, inclusive com batismos virtuais. Isso para não falar em festas de aniversários, encontros familiares, formaturas e outros eventos que ocupam espaço e já lotam agendas. O porvir será vivido por trás de uma tela, é o que parece, pelo menos no que podemos especular por ora.
Frente a tragédias e acontecimentos desagradáveis, negar os fatos costuma ser uma primeira reação de defesa, assim como a primeira opinião que elaboramos sobre determinado assunto torna-se difícil de ser revista, mesmo frente a argumentos e dados incontestáveis. A Covid-19 é uma realidade e a ciência ainda não tem uma resposta definitiva. Segundo um princípio do estoicismo, “palavras são opiniões, não fatos. Ação é a única verdade”.
No momento não há razões de fato para a flexibilização das nossas sessões presenciais sob o argumento de que a maçonaria somente se pratica em Loja. Qual o motivo da pressa? Isso não quer dizer que nossa força e vigor estarão comprometidas. Na realidade, as reuniões em Loja têm como objetivo estimular a meditação e revigorar o ânimo, além da salutar troca experiências e informações necessários à consolidação de um arcabouço moral e intelectual, que no momento está sendo suprido de uma nova forma. O verdadeiro trabalho maçônico é fora da Loja e se dá na interação com o mundo que nos cerca. É nele que devemos aplicar os talentos que recebemos em forma de dons, habilidades e oportunidades. Os valores que cultuamos precisam ser praticados e não apenas estampar rituais reluzentes.
Entretanto, precisamos refletir sobre a realidade de alguns irmãos que resistem a participar das reuniões em videoconferência, que normalmente são aqueles mesmos que não são assíduos em Loja ou desaparecem ou se isolam sem declarar os motivos, deixando os demais inquietados, pois esses ausentes estão perdendo uma grande oportunidade de aprendizado e ensino, vez que essas apresentações estão expandindo e multiplicando os Templos, fazendo acontecer uma revolução em centenas de Lojas virtuais a integração de maçons de todas as Potências, de uma forma até então impensável, envolvendo Oficinas de todos os rincões do Brasil, inclusive do exterior.
Nesse contexto, mesmo que todos já o saibam à exaustão, permitimo-nos relembrar que no simbolismo da Maçonaria, ganha realce logo nas primeiras instruções aos Aprendizes a fábula do grego Esopo (séc. VI a.C), denominada “O Feixe de Varas”, com o objetivo de demonstrar em seus ensinamentos o entendimento de que a união faz a força.
Diz a alegoria que um homem tinha muitos filhos que viviam brigando uns com os outros. Não logrando êxito nas suas tentativas de pacificação, um dia ele pegou um feixe de gravetos e pediu que cada um tentasse partir o feixe com toda a força mesmo com o joelho. Todos tentaram e não conseguiram. Então o pai desamarrou o feixe e deu os gravetos um por um pedindo que os quebrassem. Ninguém teve dificuldades. Então lhes disse: se vocês se mantiverem unidos não haverá inimigo que os possa vencer. Brigando e separados, só podem perder.
Na mesma linha de raciocínio, outro exemplo sempre lembrado para valorizar trabalhos em equipe e a necessidade de participação, conhecido como “A lição do fogo”, adaptado do livro “As mais belas parábolas de todos os tempos”, de autoria de Alexandre Rangel (Vol. II. Belo Horizonte: Leitura, 2004), vira e mexe é recontado e ambientado em nosso meio maçônico, com variações para o visitante ora na figura do Hospitaleiro ora do Venerável Mestre ou de um Mestre Instalado.
Diz o conto que um obreiro se afastou sem justificativas do convívio em Loja e das atividades de companheirismo. Tempos depois o tal sumido recebeu a visita de um irmão que o encontrou em casa sozinho, sentado diante da lareira, onde ardia um fogo brilhante e acolhedor. Pelo cenário pode se deduzir que se tratava de irmão do sul do Brasil ou do hemisfério norte. Se bem que temos irmãos proprietários de imóveis rurais que adoram um fogão a lenha. De repente pode ser um mineiro mesmo durante um inverno daqueles.
Desconfiado do motivo da visita e antevendo um puxão de orelha, o irmão recebeu o visitante com um fraterno abraço e o convidou a sentar-se em uma cadeira próximo à lareira e ficou quieto, só espiando e esperando o sermão. O irmão visitante sentiu o clima e ficou na dele, como se estivesse hipnotizado pelo movimento cintilante das chamas e o crepitar do braseiro.
Passado um tempinho, o visitante aproximou-se do fogo e com a ajuda de um galho que ainda não tinha queimado, afastou uma brasa, colocando-a longe do fogo. Logo, logo, a brasa começou a apagar e foi assim devolvida ao fogo, voltando a arder novamente.
Aproveitando que já estava de pé, o visitante se dirigiu à saída e despediu-se do irmão, que a essa altura já estava perplexo e constrangido. Então o sumidão disse: meu irmão, obrigado pela visita e pela mensagem simbólica. Conte comigo na próxima sessão! Que o GADU o acompanhe!
Desnecessário tecer maiores reflexões já recorrentes sobre a importância de participar, marcar presença, ou daquela expressão de quem não é visto não é lembrado, mesmo em reuniões virtuais. Cabe apenas aos dirigentes de nossas Lojas zelarem por manter acesa a chama e não deixar ao relento a ovelha desgarrada ou que, no caso vertente, ainda não tenha sido seduzida pela malha tecnológica, carecendo apenas de uma ajuda dos universitários.
Na mensagem bíblica, um pastor é alegoria para um Mestre. Onde estão os Mestres? (ver artigo Onde estão os Mestres? – clique AQUI para ler o texto). Segundo uma sábia expressão hermética, “quando tudo parece perdido é quando tudo será salvo”, portanto, não era o que nós queríamos, é o que temos para o momento! Ou no popular mesmo, façamos do limão uma limonada, preservando as nossas tradições, nossa união e de olho no futuro.
(*)Márcio é Mestre Instalado da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras, e para nossa alegria, também um colaborador do blog.
Fonte: https://opontodentrocirculo.com
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